Petista talvez fosse capaz de unir a esquerda, mas parece preocupado demais com a própria biografia
A distribuição político-ideológica dos candidatos à Presidência tem ares de déjà-vu para a esquerda paulistana.
No último pleito, Fernando Haddad (PT), Luiza Erundina (PSOL) e Ricardo Young (Rede) —e, vá lá, Marta Suplicy, ex-PT e então candidata do MDB— dividiram este eleitorado.
E assistiram à vitória do discurso antipolítico de João Doria (PSDB) já no primeiro turno.
Ainda que a somatória de seus votos não fizesse sombra aos 53,3% que elegeram o neotucano, será que uma aliança não teria melhores chances?
Foi isso o que, segundo o sociólogo Boaventura Sousa Santos, levou a esquerda de volta ao poder em Portugal, num contexto europeu em que conciliações costumam ocorrer entre centro e direita.
“As esquerdas estavam divididas, mas decidiram se juntar a partir de convergências mínimas para não serem governadas pela direita novamente. Essa coisa extraordinária foi apelidada pejorativamente de ‘geringonça’, nomenclatura que passamos a adotar com orgulho”, disse o português à Folha.
Em 2018, quando de novo o campo da esquerda se divide, a geringonça portuguesa sugere estratégia oposta à de pulverizar votos entre Lula (PT), Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT), Manuela D’Ávila (PC do B) e Guilherme Boulos (PSOL).
O ex-presidente lidera pesquisas mesmo preso na sede da Polícia Federal em Curitiba, com 30% das intenções de voto —mais que a soma dos eleitores de Marina, Ciro, Manuela e Boulos. Em segundo lugar, vem crescendo Jair Bolsonaro (PSL), com 19%.
A participação de Lula no pleito é, no entanto, improvável, ainda que sua condenação seja apontada como rápida e severa demais diante de outros políticos investigados.
Carismático e personalista, Lula talvez fosse capaz de compor a geringonça brasileira, mas parece preocupado demais com a própria biografia para articular um movimento do qual pode não ser protagonista ou para apontar um sucessor com tempo de se fazer conhecer pelos lulistas.
Fernanda Mena
Jornalista, foi editora da Ilustrada. É mestre em sociologia e direitos humanos pela London School of Economics.
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