19 de julho de 2018, 15h25
O governador e pré-candidato ao governo de São Paulo, Márcio França (PSB), foi entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda-feira (16). Temas como segurança pública e políticas de educação do Estado fizeram parte das discussões, além da herança deixada pelo seu antecessor, o tucano Geraldo Alckmin, que deve concorrer à Presidência da República em outubro próximo.
Ao falar de ensino superior, no entanto, o pré-candidato errou dados sobre os repasses estaduais às universidades públicas e ao Centro Paula Souza. Ele também exagerou o número de alunos da Univesp, universidade virtual criada na gestão de Alckmin.
Veja abaixo o que checamos:
14% dos 18% do ICMS vão direto [para USP, Unicamp, Unesp, Fapesp e Centro Paula Souza].
Na verdade, 9,57% da parte do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) que cabe ao Estado — subtraído alguns valores para habitação e outras obrigações — são destinados às universidades públicas, e 1% da arrecadação total de impostos, não só do ICMS, é destinado à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Nenhum valor da arrecadação do ICMS é previsto em lei para o Centro Paula Souza.
Financiamento do Centro Paula Souza. Ao falar do valor do ICMS pago pelos contribuintes que é direcionado às instituições de ensino superior e pesquisa, Márcio França chegou a detalhar os percentuais repassados a cada uma, afirmando que cerca de 3% iriam para o Centro Paula Souza, uma autarquia do governo paulista que administra as Etecs (Escolas Técnicas) e as Fatecs (Faculdades de Tecnologia) do estado. Acontece que, diferentemente das universidades, o Ceeteps Centro Paula Souza não tem dotação própria — é o governo quem decide, todo ano, o quanto de recursos a instituição receberá. Não há nenhuma vinculação prevista na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) estadual ou na constituição do estado.
Aos Fatos também entrou em contato com dois especialistas, o professor Hélio Nogueira da Cruz, que foi vice-reitor da USP e é autor de artigos sobre o financiamento do ensino superior público de São Paulo, e a professora Nina Beatriz Stocco Ranieri, professora associada do departamento de Direito do Estado, da Faculdade de Direito da USP, também autora de artigos sobre os aspectos constitucionais do direito à educação. Ambos afirmaram desconhecer qualquer vinculação do Centro Paula Souza ao ICMS do estado.
A vinculação à arrecadação do ICMS é, inclusive, uma reivindicação do sindicato dos profissionais que trabalham na instituição. O Fórum das Seis, entidade que reúne docentes, servidores e estudantes das três universidades estaduais e do Centro Paula Souza, protocolou na Assembleia Legislativa de São Paulo este ano uma emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019 solicitando 3,3% do ICMS para a Ceeteps. Audiências públicas já foram realizadas. Aos Fatos entrou em contato com o Centro Paula Souza para perguntar se haveria uma possível vinculação da instituição à arrecadação estadual, mas não houve resposta.
Financiamento das universidades. No caso das universidades públicas — USP (Universidade de São Paulo), Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e Unesp (Universidade Estadual Paulista) —, há um cálculo diferente. Por lei, 9,57% da cota-parte do ICMS do estado devem ser destinados a elas. A cota-parte, por sua vez, equivale a 75% da arrecadação — os outros 25% restantes são distribuídos entre os municípios. Ou seja, as universidades estaduais recebem, juntas, 9,57% de 75% do ICMS arrecadado, que é a parte que cabe por lei ao estado.
Dessa parte, subtrai-se um valor estimado destinado para a área de habitação popular. Isso porque existe uma lei anual que eleva as alíquotas de ICMS de 17% para 18%, e os recursos obtidos com essa elevação devem ser aplicados em áreas sociais, especialmente na habitação popular — em 2015, ela correspondia a 2,49% da arrecadação. Alguns valores também não entram no cálculo, como os recursos que forem transferidos para as pessoas físicas e jurídicas, derivados da aplicação da Lei 12.685, de 28 de agosto de 2007, que criou o Programa de Estímulo à Cidadania Fiscal do Estado de São Paulo, e aqueles relativos a multas e juros incidentes sobre o ICMS em atraso. Do montante restante, os 9,57% são repartidos entre as três universidades públicas estaduais — 5,03% para a USP, 2,34% para a Unesp e 2,20% para a Unicamp. Uma das reivindicações dos sindicatos e do Fórum das Seis é que, na redação do artigo da LDO que trata sobre o percentual repassado às universidades, conste a expressão “do total do produto do ICMS”, para que não haja essas subtrações de valores.
Esse cálculo é explicado no artigo Alguns desafios para o financiamento das universidades públicas estaduais do estado de São Paulo, publicado em 2015 na Revista USP pelo professor Carlos Antonio Luque, atual presidente da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).
Já o orçamento da Fapesp é definido pela Constituição Estadual: 1% da arrecadação total do estado. Vale ressaltar que o ICMS é o principal imposto na arrecadação estadual, mas não é o único.
Outro lado. Procurada, a assessoria de imprensa do governador repassou informações que estão de acordo com o apurado por Aos Fatos. Segundo o governo, é previsto nas leis orçamentárias que o Estado repasse para as universidades estaduais o percentual global de 9,57% da quota-parte do Estado da arrecadação do ICMS.
Já em relação ao orçamento do Centro Paula Souza, por estar entre os ensinos profissionalizantes ofertados pelo governo do Estado, a assessoria afirma que "é uma prática definir na LDO valor proporcional, assim como acontece com as universidades". Como Aos Fatos ressaltou na checagem, não há nenhuma vinculação prevista em lei.
Saímos de 3 mil alunos para 55 mil alunos em um ano [na Univesp].
A informação divulgada pela Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo) é que, de 2017 para o primeiro semestre de 2018, o número de alunos cresceu de 3 mil para 35 mil — e não 55 mil, como dito pelo pré-candidato Márcio França. A Univesp confirmou a informação em e-mail enviado para Aos Fatos. O governador aumentou o número de alunos em 57%. Por isso, a declaração foi classificada como EXAGERADA.
Na verdade, o número dito pelo pré-candidato se refere à quantidade de vagas que já foram oferecidas pela universidade em três vestibulares durante 12 meses — de julho do ano passado a julho deste ano —, somando-se, inclusive, os números ofertados no último vestibular, que ocorreu entre maio e junho de 2018. Vale ressaltar que o número de vagas não indica necessariamente o número de alunos, pois estas podem estar ociosas.
A Univesp informou também que, neste último concurso, houve 38 mil inscritos em disputa pelas 21.650 vagas para os cursos de Engenharia da Computação, Engenharia de Produção, Licenciatura em Matemática, Pedagogia e Tecnologia em Gestão Pública. O órgão informou que há previsão de que, em agosto, após o resultado do último vestibular, o número de alunos suba para 50 mil.
A instituição, criada em 2012 exclusivamente para educação à distância, é mantida pelo Governo do Estado de São Paulo. Em um evento que estabeleceu a expansão do convênio da universidade com 230 municípios, Márcio França chegou a declarar o dado correto: em um ano, a Universidade saiu de 3 mil alunos para 55 mil vagas ofertadas.
Outro lado. De acordo com a assessoria, de fato os 55 mil alunos deverão ser alcançados apenas em agosto. Segundo o governo, em agosto de 2018 a Universidade Virtual do Estado de São Paulo terá 56.650 alunos. Como apurado por Aos Fatos, de 3 mil, a instituição passou para 35 mil no primeiro semestre de 2018. Neste segundo semestre, no último vestibular, foram ofertadas 21.650 vagas. As aulas para esses novos alunos começam no dia 13 de agosto, quando a universidade passará a ter mais de 55 mil alunos.
Aqui em São Paulo nós estamos com 130 mil policiais.
A declaração do governador é INSUSTENTÁVEL porque os números totais mais recentes sobre o efetivo fixado e existente da polícia do estado de São Paulo não estão acessíveis. Os únicos números disponíveis são de dezembro de 2016 e dizem respeito apenas ao efetivo fixado — o número ideal de policiais previsto em lei estadual — e não ao número de policiais existentes nas polícias. Além disso, estão defasados, segundo a própria Secretaria de Segurança Pública. Aos Fatos pediu os dados atualizados para as assessorias de imprensa da Polícia Civil, da Polícia Militar e da Secretaria de Segurança Pública. A única a passar as informações atualizadas foi a Polícia Militar. Não é possível, portanto, determinar o número total do efetivo policial paulista atualmente.
Segundo informações da assessoria de imprensa da Polícia Militar, São Paulo tinha, em maio deste ano (número mais recente), um efetivo de 82.778 policiais — 11,7% menor que o efetivo fixado de 93.802 agentes. O número corresponde ao que o pré-candidato declara em outro momento da entrevista, ao citar que os policiais militares seriam 80 mil, ante 30 mil policiais civis.
Os números mais recentes da Polícia Civil, no entanto, datam de dezembro 2016 e são do 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo tinha, naquele momento, um efetivo de 31.315 policiais civis — uma diferença de 20% para o efetivo fixado de 39.475. O efetivo existente da Polícia Militar à época não foi informado — o fixado era de 93.799. Em 2016, portanto, o efetivo fixado total era de 133.274 policiais civis e militares, mas isso não significa que as polícias contassem de fato com esse número.
Procurada, a assessoria de imprensa da Polícia Civil orientou a reportagem a pedir a informação mais recente para a Secretaria de Segurança Pública, mas a mesma afirmou que o número é rotativo e orientou que o pedido fosse feito via Lei de Acesso à Informação. A informação já havia sido pedida à SSP por Aos Fatos no dia 13 de julho — por lei, o órgão tem até 20 dias para responder ao pedido, prazo que pode ser prorrogado por mais 10 dias, mediante justificativa expressa.
Outro lado. Após a publicação desta reportagem no UOL, a assessoria de imprensa do governador informou quais são os dados mais recentes do efetivo policial. Segundo o governo, os números não são divulgados de forma sistemática por serem dinâmicos por conta de fatores como aposentadoria, convocação, nomeação e afastamentos, e também por questões de segurança.
A assessoria afirmou que em julho deste ano as forças de segurança tinham o seguinte efetivo: Polícia Militar: 83.945 (81.676 + 2.269 em formação); Polícia Civil: 27.047 (0 em formação); Polícia Científica: 3.345 (3.337 + 9 em formação). No total, como o próprio órgão diz, são 114 mil policiais. Foram incluídos na conta do governo 30 mil agentes de segurança penitenciária e agentes de escolta e vigilância e também 10.571 vagas em concursos em andamento entre policiais militares, civis e científica.
[Nós temos] Oito homicídios para cada 100 mil habitantes [em São Paulo].
De fato, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, em 2017, houve 7,54 casos de homicídios e 8,02 vítimas de homicídios a cada 100 mil habitantes no estado de São Paulo. Ambos os índices são os menores dos últimos 17 anos.
O Atlas da Violência 2018, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também mostra queda no índice de homicídios no estado. O relatório, que usa dados de 2016, mostra que o São Paulo teve a maior redução da taxa de 2006 a 2016, com uma queda de 46,7% nos assassinatos. Segundo os números, o estadp teve naquele ano a menor taxa de homicídios por 100 mil habitantes do país: 10,9.
Segundo o estudo, São Paulo segue em uma trajetória “consistente de diminuição de taxas de homicídios iniciada em 2000”. As razões para a queda ainda não são inteiramente compreendidas por especialistas, mas pesquisadores, como mostra matéria do G1, citam alguns fatores que podem ter influenciado: políticas sobre o controle das armas de fogo, as melhorias no sistema de informações criminais e na organização policial, e o fator demográfico, com a diminuição acentuada na proporção de jovens na população, além de melhorias no mercado de trabalho. Para a SSP, entre os motivos da redução estão o reforço do efetivo policial, investimento em tecnologia e a retirada de armas de circulação.
... tem lugares no Brasil que é 60 para cada 100 mil [a taxa de homicídios].
Os dados mais atuais sobre taxas de homicídios nas unidades federativas do Brasil pertencem ao Atlas da Violência 2018. Eles mostram ao menos um estado, Sergipe, com uma taxa maior que 60 homicídios para cada 100 mil habitantes.
Na pesquisa, que conta com os dados atualizados até 2016, é utilizada a taxa de óbitos causados por agressão mais intervenção legal a cada 100 mil habitantes. Apenas o estado de Sergipe, com uma taxa de 64,7 homicídios por 100 mil habitantes, se aproxima da afirmação dita por França. Outros estados com as taxas mais altas do país são Alagoas (54,2 homicídios), Rio Grande do Norte (53,4 homicídios) e Pará (50,8 homicídios).
Nós temos 230 mil presos [em São Paulo].
O pré-candidato referiu-se ao número de presos do sistema prisional de São Paulo ao falar que o erro do estado ao longo dos anos foi “não garantir oportunidades”. “A gente foi colocando mais polícia e mais presídio, mais polícia e mais presídio”, afirmou. Segundo os dados oficiais mais recentes, de junho de 2016, do Infopen, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional, o estado de São Paulo concentrava 33,1% de toda a população prisional do país, com 240.061 pessoas presas.
Já segundo dados publicados em fevereiro deste ano pelo Monitor da Violência, do G1, com base nos números dos 26 estados e do Distrito Federal, o número de presos no estado de São Paulo é atualmente de 225.874.
* A checagem foi atualizada às 21h do dia 19 de julho de 2018 para atualização do percentual exagerado pelo governador Mário França no número de alunos da Univesp.
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