Anna Virginia Balloussier
PARATY
No Brasil, “temos um travesti de liberalismo”, e não aquele liberalismo clássico que dispensa um Estado forte, sim, mas também a ingerência de outras instituições na liberdade do indivíduo.
É a incoerência da direita nacional, na opinião de Renato Janine Ribeiro, 68, ex-ministro da Educação de Dilma Rousseff e professor titular de ética e filosofia política da USP.
Num remix entre a doutrina liberal e o conservadorismo, ela cai na jugular do Estado grande, que associa ao esquerdismo, mas “agiganta o poder da família, da igreja, e isso é um falso liberalismo”, disse o ex-ministro na abertura da Casa Folha, na quinta-feira (26), na 16ª edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). “O liberal, nos EUA, é praticamente um esquerdista.”
Em manhã de casa cheia, Janine evocou debates em que já se aprofundara em “A Pátria Educadora em Colapso” (Ed. Três Estrelas, do Grupo Folha, empresa que edita a Folha). No livro, dá o ponto de vista de quem já entrou num governo assombrado pelo impeachment que depois se materializaria e dá seus pitacos sobre a derrocada da petista Dilma e o futuro da educação no Brasil.
O docente não chegou a completar seis meses no MEC (Ministério da Educação). Foi demitido pela então presidente em setembro de 2015como parte de uma manobra de um já bambo Palácio do Planalto, que buscava apoio político para tentar escapar da destituição.
No lugar entrou o petista Aloizio Mercadante, ele próprio ex-titular do MEC —e que havia apadrinhado Janine, um quadro técnico sem filiação partidária, para a pasta. Tido como pouco habilidoso no trato com o Congresso, Mercadante saiu da Casa Civil da dança das cadeiras ministerial promovida por Dilma.
Mas por que ele topou o MEC em primeiro lugar, se o céu dilmista já não era de brigadeiro? Janine responde a essa questão lembrando de quando outro ex-ministro da pasta, Fernando Haddad (PT), contou que a mãe ligou para ele querendo saber: “Filho, tem certeza que é bom entrar neste cargo?”.
Eis que Haddad, hoje cotado como possível substituto de Lula na chapa presidencial do PT, explicou: “Mãe, se não fosse por este momento [de crise], jamais pensariam em mim”.
Mediadora do debate, a repórter especial da Folha Fernanda Mena apresentou o convidado como parte de um Brasil que define como golpe o que o outro polo prefere chamar de impeachment de Dilma.
O governo já estava enfraquecido quando assumiu o MEC, afirmou Janine. E fazer concessões à direita para supostos aliados no Congresso, em busca de sobrevida política, seria trocar seis por meia dúzia. “Pra que ter o genérico se você pode ter o legítimo?”
Ele analisou a destituição da petista como um processo comandado por pessoas como Aécio Neves (PSDB-MG), que perdeu a eleição de 2014 para ela, mas não só. “Tem um outro lado mais raramente abordado: como um governo eleito com maioria absoluta, a mesma diferença percentual que ocorreu na França, na Argentina —como se fragiliza tanto em questão de meses, perdendo apoio social?”
Para o ex-ministro, jogar os males do Brasil só nas costas de sucessivos governantes corruptos é um equívoco. Já Pedro 2º, no século 19, era associado à corrupção, lembrou “É um discurso fácil para denunciar alguém. Fazendo isso você não avança. A corrupção tem bases estruturais, é difícil vencê-la só pela força de vontade.”
O “grande problema ético do Brasil”, segundo Janine, é a desigualdade de oportunidades e a exclusão social. E isso o remete de volta ao liberalismo, que no Brasil virou rótulo direitista.
Presidenciável com inquestionáveis credenciais esquerdistas,Guilherme Boulos (PSOL) já defendeu que igualdade seria conquistada com igualdade de oportunidades já no ponto de partida. Isso é o que o liberal de raiz prega, disse o ex-ministro —ao defender que todos tenham possibilidade de prosperar por mérito próprio quando não têm privilégios de antemão. “O socialismo já é a igualdade no ponto de chegada.”
“Os brasileiros falam muito em ética e praticam pouco”, o que é uma “piada de mau gosto”, disse o ex-ministro. O caso do “doutor Bumbum”ilustra bem essa ética à brasileira. “Ele cometeu uma série de infrações éticas” e, em redes sociais, era o “homem que teria atacado PT como corrupto”.
E num país tão defasado no campo educacional, um alento a Janine: da plateia, Ana Carina, professora na Unicamp, contou que estudantes de medicina egressos de camadas populares estão querendo trabalhar no SUS. Uma inversão, portanto, na lógica do universitário que “sobe e chuta a escada”.
O Brasil não passa por um momento fácil, mas crises podem servir para encarar de frente tudo de podre que foi exposto. “A pior coisa é, depois de tantos desafios, varrermos tudo para debaixo do tapete. O perigo é validar a profecia de Ulysses Guimarães: se este congresso é ruim, o outro será pior.”
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