A conclusão é de que o pão começou a ser feito antes de desenvolvermos a agricultura
Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo
28 Julho 2018 | 03h00
Pão apodrece. Ao contrário dos ossos, o pão não dura milhares de anos. Por esse motivo não sabemos quando a humanidade descobriu o pão. Agora foram encontrados resíduos de pão em um forno pré-histórico de 14,4 mil anos. A conclusão é de que começou a ser feito antes de desenvolvermos a agricultura.
Na sua forma mais simples, o pão é feito com grãos de cereais moídos (as farinhas), misturadas com água. A massa é colocada em alta temperatura e as pequenas bolhas de ar que se formam na massa durante sua confecção se expandem. Ao mesmo tempo, o amido e as fibras são cozidos. O resultado é uma delícia. Como hoje a farinha é obtida de cereais cultivados, sempre se acreditou que o pão havia sido inventado quando o homem passou a plantar e colher vegetais (a descoberta da agricultura), após deixar a vida nômade de caçador e coletor. Na região do nordeste da Jordânia, a transição para a agricultura ocorreu aproximadamente 9,1 mil anos atrás.
Entre 2012 e 2015, os cientistas descobriram e escavaram um sítio arqueológico na Jordânia chamado Shubayqa 1. Esse local foi habitado pelos caçadores coletores da cultura Natufia 14,4 mil anos atrás. Nesse local foi encontrada uma espécie de forno.
É um piso de pedra circular com uma cavidade, também de pedra, no centro. Era o lugar onde nossos ancestrais acendiam fogo e cozinhavam os alimentos que coletavam e caçavam. Para nossa sorte esse pessoal não limpava bem esse forno/churrasqueira e muitos restos de comida acabaram enterrados no local. Milhares de anos mais tarde, o local foi novamente ocupado e uma segunda construção foi feita no local. Quando essa segunda construção foi retirada os cientistas descobriram esses restos de comida. Os restos são de 14.4 mil anos atrás.
Foram encontrados 24 fragmentos classificados como restos de pão pela aparência e constituição. Examinando esses fragmentos em um microscópio de luz visível, os cientistas puderam determinar o tamanho das bolhas de ar, e constataram que a massa havia sido cozida diretamente sobre a pedra quente, como fazemos com uma massa de pizza sem recheio (leite e queijo não haviam sido descobertos e tomates estavam longe de nossa dieta).
O mais interessante são as descobertas que foram feitas observando os fragmentos com um microscópio eletrônico. Nessas imagens, foi possível identificar as plantas moídas para fazer a farinha. Isso foi possível pois foram identificados nos fragmentos grãos de amido e outras estruturas que são diferentes em cada espécie de planta. Assim foi possível identificar os ancestrais de trigo, milheto, aveia e outros cinco grãos de plantas da região. Além dos fragmentos de pão, foram encontradas pedras lisas usadas para moer os grãos.
Com base nessas descobertas, os cientistas acreditam que esse pão ancestral, multigrão, era produzido com grãos coletados diretamente na natureza, provavelmente em pequena escala, talvez não como um alimento diário, mas talvez como um alimento ritualístico de difícil elaboração, dada a dificuldade de colher uma quantidade significativa de grãos.
A descoberta desse pão ancestral demonstra que antes de domesticar as plantas o homem já sabia fazer pão. Como a fabricação do pão envolve a produção de farinha e, em alguns casos, processos de fermentação, isso sugere que não é impossível imaginar que além do pão esses caçadores coletores talvez já produziam bebidas alcoólicas fermentadas.
Com essa inversão, o pão tendo surgindo antes da agricultura, não consigo deixar de imaginar se o prazer de comer o pão e beber algo fermentado não teria incentivado nossos ancestrais a produzir mais grãos, domesticando os cereais. Foi a tecnologia que permitiu o prazer ou o prazer que engendrou a tecnologia?
MAIS INFORMAÇÕES: ARCHAEOBOTANICAL EVIDENCE REVEALS THE ORIGINS OF BREAD 14,400 YEARS AGO IN NORTHEASTERN JORDAN. WWW.PNAS.ORG/CGI/DOI/10.1073/PNAS.1801071115 (2018)
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