Na última semana, descobrimos que Lula deve empurrar sua candidatura até o último momento e deve concorrer com um programa muito parecido com o que praticou nos anos 2000. Essa estratégia é fruto de uma armadilha retórica na qual o PT se emaranhou.
Desde que foram forçados a retomar a mobilização, para se contrapor aos protestos que pediam o impeachment, os petistas difundiram uma narrativa, a narrativa do golpe, uma estratégia discursiva para assustar a militância de esquerda e cooptá-la na defesa do legado lulista.
A narrativa tenta interpretar todo o processo político recente como uma orquestração conservadora contra os avanços sociais dos governos de esquerda.
Segundo ela, a Lava Jato não teria desvelado um gigantesco esquema de corrupção na Petrobras, mas seria apenas uma armação sem fundamento para perseguir o PT.
Dilma Rousseff não teria sofrido um impeachment porque seu partido se enredou em corrupção e um movimento de massas se levantou contra ele, nem porque perdeu completamente o controle do Congresso por pura incapacidade política, nem por ter cometido erros grosseiros de condução da política econômica, nem por ter traído seu programa eleitoral tão logo reeleita.
O que aconteceu, segundo a narrativa, foi que as elites não teriam tolerado o avanço social dos programas petistas e forjaram uma coalizão com o Judiciário, a oposição e a imprensa para derrubar Dilma e impedir novos governos de esquerda.
Às vezes, a narrativa faz parecer que programas como o Fies, o Bolsa Família e o Luz para Todos foram tão revolucionários que teriam ameaçado o status quo. Outras vezes, ela faz parecer que nossa elite é tão reacionária que não toleraria mesmo programas moderados e ambivalentes.
De qualquer maneira, a corrupção com a qual o PT se envolveu e os graves erros do governo Dilma são jogados para debaixo do tapete e toda a responsabilidade pelo fracasso passa a ser da oposição.
A crença na narrativa é ambígua. Por um lado, como se acreditassem nela, rebaixam as expectativas, fazendo crer que o que tivemos com Lula é tudo o que é possível fazer —qualquer proposta mais ousada, as elites simplesmente não autorizariam.
Por outro lado, como se não acreditassem tanto nela, rejeitam uma ruptura institucional, optando por jogar o jogo eleitoral supostamente viciado, inclusive buscando o apoio de políticos “golpistas”.
Embaraçado pela própria narrativa, o PT, com Lula ou sem Lula, deve reeditar um programa gasto e limitado, projetando um horizonte de mudanças muito aquém da urgência social imposta pela desigualdade brasileira.
Pablo Ortellado
Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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