Ele parece ter saído de uma galeria da República Velha, mas poderá ir para o segundo turno, contra o PT
Besouro não deveria voar, mas voa. Geraldo Alckmin também. Aquele ex-deputado eleito vice-governador em 1994 na chapa de Mário Covas era um tucano inexpressivo. Ademais, Covas era um touro. Tão decorativo era o cargo de vice-governador que Alckmin decidiu se licenciar e disputou a Prefeitura de São Paulo.
Perdeu, mas o touro teve um câncer e ele assumiu. Tornou-se o cidadão que por mais tempo governou São Paulo desde os tempos coloniais, mas evita tocar nesse assunto. Disputou a Presidência da República em 2006 e conseguiu ter menos votos no segundo turno do que no primeiro.
Geraldo Alckmin é candidato de novo. Sua posição nas pesquisas é pífia. Já sua capacidade de agregação no mundo político-partidário marcha para a aliança com uma poderosa coligação de caciques em cuja ponta final está Michel Temer.
É possível que Alckmin vá ao segundo turno, beneficiado por previsíveis autocombustões de Ciro Gomes e Jair Bolsonaro. Uma disputa final entre ele e o candidato de Lula espanta a banca que passou os últimos meses achando que a campanha eleitoral aconteceria num cenário de debates parecido com o dos seminários de universidades americanas.
O susto da banca não vem de eventuais defeitos de Alckmin, mas da possibilidade de vitória do candidato de Lula, o temível "Poste".
Geraldo Alckmin dispõe de um razoável patrimônio administrativo. Basta contrapor as administrações tucanas de São Paulo desde 2001, quando ele sentou na cadeira de governador, com as do Rio de Janeiro.
Naquele tempo, estava lá o governador Anthony Garotinho, sucedido por um ano pela petista Benedita da Silva e, em seguida, por Rosinha Garotinho (mulher de Anthony), Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão. De um lado, cinco pragas, do outro, o picolé de chuchu tentando ser sorvete italiano.
Pelo estilo pessoal, Alckmin parece-se com um personagem da galeria de governadores da República Velha que adornam paredes do Palácio dos Bandeirantes. Pelo estilo político, também. Estacionado nas pesquisas, tornou-se uma potência televisiva costurando alianças por cima sem enunciar uma só ideia.
Num cenário de sonho, ele teria ao seu lado as multidões que foram para a rua pedindo a deposição de Dilma Rousseff. Já no cenário do pesadelo, ele encarna a maioria político-partidária que colocou Temer no Planalto. Trocou-se uma presidente impopular pelo campeão de impopularidade.
O andar de cima já flertou com a candidatura do apresentador Luciano Huck, e sua banda golpista sonhou com a alternativa apocalíptica de Jair Bolsonaro. Restaram-lhe Alckmin e o medo do "Poste".
Lula na carceragem de Curitiba vem se transformando num Getúlio Vargas recluso em sua fazenda de São Borja. Consegue isso muito mais pela soberba e inépcia de seus adversários do que por suas qualidades.
Noutra comparação, Lula encarna no Brasil o fantasma argentino de Juan Perón. Por mais de duas décadas, los hermanos cantaram: "Se siente, se siente, Perón está presente".
Com o "centrão" aninhado na candidatura de Alckmin, resta-lhe a necessidade de fazer uma campanha capaz de ser ouvida no andar de baixo. Até agora, nada.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
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