terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Aeroporto de Congonhas recebe parecer favorável para retomar voos internacionais, FSP

 Fábio Pescarini

São Paulo

aeroporto de Congonhas, operado pela Aena, recebeu parecer favorável da SAC (Secretaria Nacional de Aviação Civil), órgão vinculado ao Ministério de Portos e Aeroportos, ao pedido de retomada de voos internacionais apresentado pela concessionária.

A manifestação da SAC reconhece que a proposta da Aena está alinhada às diretrizes da PNAC (Política Nacional de Aviação Civil) e ao PAN (Plano Aeroviário Nacional), após a análise técnica dos estudos de demanda, utilização da infraestrutura e do plano de ampliação do aeroporto.

"A internacionalização de Congonhas é um passo importante dentro do projeto de modernização do aeroporto da capital paulista. Estamos em conversa com diversos órgãos para viabilizar essa conquista. Diante da conveniência de termos um aeroporto internacional central, eficiente, rápido e altamente pontual, com um novo terminal moderno, confortável e com serviços de primeira linha dentro da principal metrópole do hemisfério sul, abre-se uma enorme oportunidade de dar um novo salto em conectividade, desenvolvimento econômico e integração regional", afirma o diretor-executivo do aeroporto de Congonhas, Kleber Meira.

Multidão de passageiros aguarda em filas no saguão de embarque de aeroporto sob painéis eletrônicos de partidas com horários e status de voos. Placa laranja indica área de prioridades. Ambiente interno com iluminação artificial.
Movimentação no aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo - Danilo Verpa - 11.dez.2025/Folhapress

Com o parecer favorável, o processo avança para as próximas etapas de avaliação junto aos demais órgãos competentes. A expectativa é de que as operações internacionais regulares comecem em 2028, em conjunto com a entrega do novo terminal.

A proposta prevê voos internacionais regulares de passageiros, com foco em rotas de curta e média distâncias na América do Sul. A iniciativa integra o projeto de ampliação e modernização do aeroporto.

Com investimentos de mais de R$ 2 bilhões, as obras estão em andamento. Até junho de 2028, conforme a Aena, será entregue um novo terminal de passageiros, ampliação das pontes de embarque das atuais 12 para 19, novo pátio de estacionamento de aeronaves, novos hangares para as companhias aéreas e melhorias da eficiência operacional.

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O projeto também contempla a adequação da infraestrutura necessária para a atuação dos órgãos responsáveis pelos controles migratório, aduaneiro, sanitário e agropecuário, assegurando o cumprimento das normas nacionais e internacionais de segurança, proteção e facilitação do transporte aéreo.

A primeira fase da internacionalização está prevista para começar com a aviação executiva, ou seja, com jatinhos. A operação de voos comerciais deve ter início em julho de 2028, quando serão concluídas as obras de ampliação do aeroporto.

Na reestruturação, o número de posições dos aviões no pátio passará dos atuais 30 para 37, com 19 pontes ("fingers") de acesso direto aos aviões —hoje, são 12.

Os voos deverão ser prioritariamente para países da América do Sul —a pista de Congonhas, com 1.940 metros de extensão, não comporta aeronaves para rotas mais longas, como transoceânicas.

"Ter uma ponte aérea para o Aeroparque [Buenos Aires] ou para Santiago, onde as pessoas poderão fazer conexões para outras rotas, é um potencial absurdo", disse Meira em agosto.

Segundo ele, com a modernização do aeroporto, as novas posições de pátio poderão receber aviões como o Airbus A321neo ou Boeing 737 Max 10, ambos com capacidade para mais de 200 passageiros e maior autonomia de voo.

As operações internacionais regulares não ocorrem em Congonhas desde a década de 1980, quando foi construído o aeroporto de Guarulhos.

Ao custo de R$ 2,4 bilhões, a Aena, que assumiu a gestão de Congonhas em outubro de 2023, terá de reformular o aeroporto até junho de 2028. A principal mudança será a construção da nova área de embarque direto.

A meta da empresa é aumentar para 29 milhões o número anual de passageiros que embarcam ou desembarcam no local até o fim da concessão, em 2053 —no ano passado foram 23,1 milhões.

Atualmente, Congonhas está habilitado a realizar 44 operações de pousos e decolagens por hora. Não há previsão de ampliação deste número.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Intelectuais seriam mais fiéis à verdade se pagassem o preço de suas ideias, João Pereira Coutinho - FSP

 Aprendo com os leitores. Semanas atrás, escrevi nesta Folha sobre a covardia dos intelectuais, sempre prontos a marchar pelo absurdo do momento.

Um leitor do Recife, igualmente intrigado com o fenômeno, escreveu para sugerir um livro: "Por que se Enganam os Intelectuais", de Samuel Fitoussi (há tradução portuguesa pela Bertrand).

Abençoado seja esse pernambucano erudito. Conhecia Fitoussi do jornal Le Figaro, mas não o ensaio, que traz novos argumentos para não levarmos a espécie muito a sério. Eu nunca levei.

Labirintos circulares semelhantes a alvos se sobrepõem
Ilustração de Angelo Abu para coluna de João Pereira Coutinho de 23 de dezembro de 2025 - Angelo Abu

O autor parte da mesma premissa: seria de esperar que pessoas mais cultas, educadas e inteligentes tivessem um compromisso maior com a verdade.

Mas a história —essa vitrine de horrores— justifica nosso ceticismo. No século 20, o comunismo e o nazismo foram fenômenos de intelectuais, não das massas ou trabalhadores que seguiram ou foram subjugados pelas elites.

Na União Soviética, escreve Fitoussi, quem tinha um grau universitário era duas a três vezes mais suscetível de apoiar o PC do que cidadãos com ensino médio.

E na Alemanha nazista a maioria dos que decidiram a "solução final" na Conferência de Wannsee tinha doutorado. Explicações?

Charles Darwin estava parcialmente errado, defende o autor. Sim, em teoria, a razão permite ver a realidade tal como ela é —condição necessária para que a espécie tome decisões que garantam a sobrevivência.

Mas a verdade não é tudo. Ou, para usar a terminologia de Fitoussi, existe uma diferença entre a "racionalidade epistêmica" e "racionalidade social". Nem sempre estão alinhadas. A primeira permite-nos conhecer a verdade. A segunda leva a questionar até que ponto é socialmente vantajoso defender essa verdade.

Em muitas circunstâncias, a possibilidade de nos tornarmos párias em nosso círculo social ou profissional é pior do que defender uma mentira. Por mais que o intelectual admire os exemplos de Sócrates, Copérnico ou Galileu, é mais provável que estivesse do lado de quem os condenou.

Até porque existe outro fator que merece referência: quanto mais baixo o preço da irracionalidade epistêmica, mais o intelectual se entrega à racionalidade social.

Se, por absurdo, o intelectual sofresse as consequências das ideias imbecis ou até criminosas que defende, teria mais cuidado com a racionalidade epistêmica. A verdade seria mais importante do que a reputação entre os pares.

Mas um intelectual, sobretudo nas ciências humanas, nunca paga esse preço. Ele não é um açougueiro vendendo carne estragada. A falência ou a cadeia não são consequências reais para ele.

Pelo contrário: como sua identidade está intimamente ligada às ideias que defende, existe um incentivo perverso para continuar a defendê-las independentemente das consequências para os outros —e com redobrado vigor.

Samuel Fitoussi relembra o caso de Georg Lukács (1885-1971), para quem o marxismo continuaria a ser válido mesmo que todas as previsões empíricas da teoria fossem refutadas (como, aliás, foram). Reconhecer o erro é mais grave do que insistir nele.

E os honestos? Falo daqueles que acreditam honestamente nas ideias bizarras que defendem porque pensam que são a verdade. Como explicar a insistência no erro?

Uma vez mais, Fitoussi reformula o clichê: o intelectual não é aquele que escolhe as melhores ideias, mas aquele que melhor defende as suas ideias para lá de qualquer evidência.

Ou, dito ainda de outra forma, não são os fatos que alteram as convicções, mas as convicções que moldam os fatos.

Um exemplo: quem parte do pressuposto de que o comunismo é sempre superior ao capitalismo não altera essa posição só porque o comunismo foi incapaz de reduzir a pobreza.

Os malefícios do capitalismo são apresentados sob novas roupagens —o materialismo corrompe o espírito, a desigualdade é pior que a miséria etc.— para que a ideologia primordial se mantenha.

Aliás, numa das observações mais luminosas do ensaio, Fitoussi sugere que as ideologias são como fósseis: elas procuraram responder a uma situação histórica particular —mas depois sobreviveram como vestígios que são usados como se ainda estivessem vivos.

Só isso explica, acrescento eu, a lógica ilógica de qualquer ideologia: o fato de ela oferecer a mesma resposta —mais liberdade, mais igualdade ou mais fraternidade— independente do contexto.

No fundo, o "mercado de ideias" em que os liberais acreditam, segundo o qual a verdade acabaria por emergir do debate, deve ser visto com alguma prudência.

Entre intelectuais, onde errar não tem custo, o mais provável é ninguém aprender com ninguém.