segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

Ex de Toffoli atua para J&F e CSN e vê processos no STF e STJ subirem 140% após posse, OESP

 

Foto do autor Weslley Galzo
Foto do autor Hugo Henud
Atualização: 

BRASÍLIA E SÃO PAULO - Com uma carteira de clientes que inclui gigantes como o grupo J&F e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a advogada Roberta Maria Rangel, ex-mulher do ministro Dias Toffoli, ampliou sua atuação no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) após 2009, ano em que Toffoli tomou posse na Corte. Desde então, o número de processos conduzidos por ela nessas instâncias passou de 53 para 127, um aumento de cerca de 140%.

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Ao todo, 70,5% das ações com atuação da advogada tiveram início após a chegada do ministro ao Supremo. Levantamento realizado pelo Estadão mostra que, no STF, 9 dos 35 processos começaram depois da posse de Toffoli. No STJ, no mesmo período, esse total sobe para 118 de um conjunto de 145 casos.

Conforme apurado pelo Estadão, Rangel e Toffoli se separaram no primeiro semestre deste ano, período até o qual os dados foram considerados.

Procurados, a advogada e o ministro do STF não se manifestaram. As empresas e todos os demais citados também foram procurados, mas não responderam à reportagem. A Cervejaria Petrópolis e o grupo J&F informaram que não irão se manifestar. O espaço segue aberto.

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O movimento é semelhante em outros gabinetes da Corte. Como mostrou o Estadãoa atuação da advogada Viviane Barci de Moraes no STF e STJ saltou de 27 para 152 processos após a posse de seu marido, o ministro Alexandre de Moraes, no Supremo.

Enquanto o Supremo julga controvérsias constitucionais, o STJ atua como a principal instância de revisão das decisões da Justiça comum, responsável por uniformizar a interpretação das leis federais, o que resulta em uma concentração maior de recursos cíveis e empresariais nesta Corte.

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Do agronegócio à siderurgia: causas milionárias

A carteira de clientes da advogada inclui empresas e empresários do agronegócio (como a Dori Alimentos) e companhias do setor de construção civil, como a XCMG Brasil Indústria Ltda.

Outro cliente da advogada é a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), gigante do setor em que atua. Em nome da CSN, a advogada ingressou com ação no STJ contra a União pleiteando a restituição de valores de frete ferroviário pagos indevidamente. A causa foi estimada em R$ 100 mil em 1996 — o que representaria mais de R$ 563 mil hoje, corrigidos pelo IPCA, embora os valores reais possam ser muito superiores.

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Rangel obteve decisão parcialmente favorável no STJ, mas o caso foi deslocado para o STF. Na Corte suprema, decidiu-se pela perda do objeto — termo jurídico que significa que o motivo ou interesse de agir na ação deixou de existir antes do julgamento final. O processo retornou ao tribunal de origem para julgamento dos embargos (um tipo de recurso usado para pedir esclarecimentos ou correção de omissões na decisão).

Em outro processo, empresas do grupo Cervejaria Petrópolis, atualmente em recuperação judicial, discutem uma disputa financeira com valor da causa de R$ 39,9 milhões. O caso chegou ao STJ por meio de recurso.

No setor rural, Rangel defende o empresário Alexandre Augustin contra um fundo de investimentos que cobra cerca de R$ 182 milhões. A defesa sustenta que a dívida real seria de R$ 56 milhões e que parte já foi quitada. O caso chegou ao STJ, mas o mérito não foi analisado.

Na esfera penal, Rangel atuou na defesa de Hélio Ribeiro de Oliveira, acusado de ligação com o jogo do bicho. A defesa impetrou um habeas corpus no STJ para tentar trancar a ação penal, ou seja, encerrar o processo.

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Regras de impedimento e o caso J&F

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A atuação de familiares de ministros como advogados em processos no STF não é vedada pela legislação. As regras, no entanto, impedem que um magistrado julgue ações em que parentes atuem, exigindo a declaração de suspeição, ou seja, afastamento voluntário por motivo de foro íntimo ou ético.

Em 2023, o STF flexibilizou essa interpretação ao decidir que juízes podem julgar processos em que as partes sejam clientes de escritórios nos quais atuam cônjuges ou parentes, desde que haja outra banca de advocacia formalmente responsável pela representação.

No mesmo ano, Toffoli foi alvo de críticas após suspender a multa de R$ 10,3 bilhões prevista no acordo de leniência do grupo J&F. Posteriormente, advogados da companhia informaram que o valor foi repactuado para R$ 3,5 bilhões.

À época, Roberta Rangel prestava assessoria jurídica ao grupo J&F no litígio envolvendo a compra da Eldorado Celulose, razão pela qual Toffoli já havia se declarado impedido para julgar outra ação do grupo, em setembro.

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Mais recentemente, a atuação do ministro voltou a ser questionada após ele viajar, em novembro, a Lima, no Peru, durante a final da Taça Libertadores, em um jato particular ao lado de um advogado ligado ao caso do Banco Master. Toffoli é relator da investigação que apura suspeitas de fraudes financeiras envolvendo a instituição.

No âmbito desse processo, o ministro decretou sigilo dos autos e impediu o acesso da CPI do INSS a documentos obtidos a partir da quebra de sigilos bancário e fiscal.

Enquanto famílias enfrentam emergências climáticas, moradia segue fora da agenda social, FSP

 

Camila Jordan

Diretora de Relações Institucionais e Incidência da TETO Brasil

O Brasil discute inclusão produtiva, educação, clima, juventudes e inovação. Mas evita, de forma quase sistemática, falar sobre o que torna qualquer outra política possível: um lugar digno para viver.

Nas últimas semanas, os novos dados do Bisc (Benchmarking do Investimento Social Corporativo) de 2025 e do Censo Gife (2024-2025) confirmaram aquilo que quem trabalha diariamente nos territórios já sabe: moradia e habitação seguem entre as áreas menos financiadas pelo investimento social privado, aparecendo apenas como tema residual.

Enquanto isso, quase metade das organizações atua em territórios vulnerabilizados —favelas, periferias, ocupações— sem reconhecer que ali o problema estruturante que atravessa todos os outros é justamente a ausência de políticas habitacionais. É um paradoxo doloroso: atuamos onde a violação é mais profunda, mas evitamos encarar as suas causas mais gritantes.

Cinco pessoas vestindo camisetas brancas trabalham na construção de uma passarela de madeira sobre solo lamacento e alagado, cercado por vegetação alta e árvores ao fundo.
Voluntários da Teto Brasil participam da construção de moradias. A organização atua em parceria com comunidades para enfrentar o déficit habitacional e a precariedade urbana - Divulgação

Há tempos que escrevo que a crise climática no Brasil não é um debate abstrato: ela chega pela porta da frente, ou pior, pela porta e pelo teto. Nas enchentes do Rio Grande do Sul, nos deslizamentos da Serra, nas ondas de calor da Zona Leste de São Paulo, a primeira pergunta que as famílias que compõem o déficit habitacional fazem é sobre a sobrevivência. É sobre a sua casa ou falta dela.

Mesmo assim, os relatórios mostram que apenas 5% das organizações atuam em assentamentos urbanos, e que investimentos diretos em moradia são praticamente inexistentes. O setor privado investe mais em apoio emergencial do que em soluções estruturantes. Doa cestas básicas após a tragédia, mas não participa da discussão sobre por que aquela tragédia se repete ano após ano. E ela se repete porque a casa segue fora da agenda.

Disso não preciso que os relatórios me contem, porque a TETO Brasil vive isso recorrentemente após cada tragédia. Somos chamados por municípios, comunidades, favelas, outras organizações sociais, mas depois recebemos respostas como esta: "Infelizmente, não vamos poder apoiar na construção de moradias emergenciais, vamos doar móveis." Ao que eu me pergunto em silêncio: "E as famílias desabrigadas vão colocar os móveis onde?"

Essa ausência não é neutra: ela produz consequências políticas. Quando o investimento social evita a moradia, reforça a ideia de que favela é exceção, não cidade. Mantém milhares de famílias confinadas ao improviso, e transfere às comunidades, sempre às comunidades, a responsabilidade de construir as soluções que o Estado não entrega.

É o que vemos todos os dias na TETO Brasil: a potência, a criatividade e a união que emergem quando o privilégio de dormir uma noite seca, tranquila e segura é restituído, quando a emergência habitacional é sanada. Mas potência não pode ser confundida com obrigação.

Em um país que urbanizou rápido demais e entregou soluções habitacionais e urbanas de menos, a moradia marca o destino social de uma pessoa antes mesmo que ela nasça. Determina acesso à saúde, educação, distância até o trabalho, exposição a riscos climáticos, tempo perdido no transporte, oportunidades e horizonte de futuro.

Nas palavras que já escrevi antes: a casa deve ser a primeira política pública. Quando ela falha, todas as outras falham junto.

O setor privado precisa reconhecer isso com seriedade. Clima, juventudes, desenvolvimento comunitário e inclusão produtiva, agendas que recebem atenção significativa, não se sustentam sem um território seguro onde as pessoas possam viver, trabalhar e imaginar o amanhã.

Não existe adaptação climática sem casa. Não existe desenvolvimento comunitário sem permanência.
Não existe inovação sem dignidade. Não existe país sem enfrentar a emergência habitacional.

Os dados mostram um campo ainda tímido. Mas mostram também oportunidade. Moradia aparece como uma das áreas com maior potencial de transformação via co–investimento, justamente porque está subfinanciada. Há espaço para liderar, inovar e criar alianças capazes de reposicionar a habitação como eixo estratégico das políticas sociais e climáticas do país.

Homem agachado crava barra de ferro em buraco no chão de terra e pedras, próximo a um rio. Outras duas pessoas estão em pé ao lado, com roupas casuais e luvas, em ambiente externo com vegetação ao fundo.
A ONG mobiliza voluntários em diferentes regiões do país para ampliar o acesso à moradia digna - Divulgação

O Brasil não supera desigualdades sem olhar para o lugar onde elas se materializam: o território. E todo território começa pela casa e depois se expande. O que falta não é diagnóstico. Não é capacidade técnica. Não é a falta de recursos financeiros.

O que falta é coragem, a mesma coragem que vejo todos os dias nas comunidades que como sociedade insistimos em não ver. Está na hora de mudar a lógica e investir em moradia e infraestrutura urbana. Já dizia o ditado, sem uma base sólida, a casa cai.