sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Parques alagáveis e jardins filtrantes buscam atenuar enchentes e poluição de rios no Recife, FSP

 

Recife

Inaugurado em novembro de 2024 como um esboço de solução para os recorrentes alagamentos do Recife, o Parque Alagável do Tejipió, na zona oeste da cidade, é tido por especialistas como um avanço no urbanismo sustentável da capital pernambucana.

O parque alia lazer, meio ambiente e infraestrutura para mitigação de enchentes, beneficiando diretamente bairros como Areias, Estância e Tejipió —áreas historicamente vulneráveis às chuvas intensas.

Área de parque urbano com caminho de concreto à esquerda, canteiro cercado com flores laranja ao centro, árvores grandes à direita e horizonte com prédios ao fundo sob céu azul com poucas nuvens.
Jardim Filtrante do Caiara, que e usado para a despoluicao de rios no Recife - Leo Caldas/Folhapress

No entanto, ambientalistas afirmam que é preciso usar a experiência como laboratório para a expansão em outras áreas da capital pernambucana. A região metropolitana do Recife foi atingida, há três anos, por uma das maiores tragédias climáticas da história, com mais de 120 mortos em deslizamentos e inundações.

As mudanças climáticas foram responsáveis por intensificar os temporais que aconteceram na região Nordeste em 2022, inclusive no Grande Recife. A capital pernambucana é vulnerável às chuvas por causa da baixa altitude, praticamente ao nível do mar, e pelo volume de rios, o que dificulta o escoamento da água. Além disso, a formação geográfica, de uma cidade com aterros sobre mangues, e a ocupação desordenada sobre áreas de morros ampliam as dificuldades.

Com cerca de 15 hectares de área, o parque alagável foi projetado para funcionar como um espaço de retenção natural. Durante períodos de chuvas, ele absorve e armazena grandes volumes de água do rio Tejipió, reduzindo a velocidade com que ela escoa para regiões ribeirinhas.

Em vez de canalizar e eliminar as águas pluviais rapidamente, como no modelo tradicional, a solução alagável aposta na retenção e infiltração.

O parque serve como área de lazer durante períodos secos e atua como bacia de retenção durante chuvas intensas. Além disso, a prefeitura realiza ações complementares de infraestrutura na área.

As ações fazem parte do Programa de Requalificação e Resiliência Urbana em Áreas de Vulnerabilidade Socioambiental, conhecido como Promorar, que tem R$ 2 bilhões no escopo de investimentos após operações de crédito junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

O rio Tejipió, um dos principais da cidade, sofreu, ao longo de décadas, com a ocupação desordenada às margens e a degradação ambiental. O parque também busca proteger áreas de várzea e reconstituir parte da vegetação nativa, além de atuar como barreira natural contra inundações e ajuda a recuperar a biodiversidade local.

O arquiteto e urbanista Roberto Montezuma, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco, aponta que esse tipo de experiência precisa ser ampliada para diversos locais do Recife, que é apontada como uma das possíveis cidades mais impactadas pelas mudanças climáticas nas próximas décadas.

O Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, da Organização das Nações Unidas, divulgado em 2021, mostrou que Recife é a capital brasileira mais ameaçada pelo avanço do nível do mar.

"Com a saída dos holandeses [no século 17], com a retomada dos portugueses, a cidade foi gradativamente dando suas costas para os rios, suas costas para as frentes d'água, com exceção do mar. Foi sequencialmente assim. E [houve] a carência de um planejamento mais complexo do Recife, que é a primeira capital a fazer 500 anos em 2037. O parque alagável é uma parte desse processo [de recuperação] e ele está sendo ainda desenvolvido para conduzir essa política pública de continuidade", diz.

"É preciso mudar a gestão, em especial das cidades brasileiras. É preciso voltar ao planejamento de longo prazo, ter projetos de futuro", acrescenta Montezuma.

Outra iniciativa em relação ao meio ambiente no Recife está nas proximidades do rio Capibaribe, que corta a cidade e é o maior do município. Inaugurado em julho de 2023 pelo prefeito João Campos (PSB), o jardim filtrante do Parque do Caiara, na zona oeste da capital de Pernambuco, é voltado para a despoluição hídrica.

Com 7 mil metros quadrados e capacidade para filtrar 350 mil litros por dia, o jardim filtrante funciona como um sistema natural de tratamento de águas e utiliza plantas e solo para filtrar impurezas de esgotos domésticos e águas pluviais que antes eram despejadas diretamente no rio.

O sistema é composto por tanques escavados e preenchidos com cascalho e vegetação adaptada, como papiros e taboas, que promovem a fitorremediação —processo em que as plantas absorvem e degradam poluentes. A água é direcionada para esses tanques, passa por diferentes estágios de filtragem e retorna ao meio ambiente em melhores condições.

Jardim Filtrante do Caiara é usado para a despoluição de rios no Recife - Leo Caldas/Folhapress

A filtragem também atrai a fauna de volta ao ecossistema local. O sistema atua de forma natural, sem aplicação de agente químico artificial ou microrganismo externo ao processo.

O coordenador da causa Água Limpa na Fundação SOS Mata Atlântica, Gustavo Veronesi, aponta que as ilhas filtrantes devem ser uma etapa complementar à coleta e ao tratamento de esgoto pelo poder público.

"Os jardins filtrantes não podem ser um fim em si. Porque pode se passar a ideia de que se fizer um jardim filtrante está tudo bem. E não está tudo bem. As ilhas filtrantes cumprem um papel complementar ao tratamento de esgoto", diz.

"Não adianta a gente colocar ilha filtrante ou jardim filtrante pela cidade inteira, porque não vai resolver o problema na fonte. Então é importante tê-los, tê-los em outros lugares, talvez em rios que cheguem no Capibaribe, não necessariamente no rio principal, mas nos rios que chegam, que são afluentes do rio municipal, mas o mais importante é tratar o esgoto", completa Veronesi.

De acordo com a Prefeitura do Recife, a tecnologia é semelhante à utilizada no rio Sena, em Paris. A iniciativa, projeto-piloto do CITinova, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, foi financiada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e executada pela gestão municipal em parceria com a Agência Recife para Inovação e Estratégia e com o Porto Digital.

Secretária de Projetos Especiais da cidade do Recife, Marília Dantas diz que a prefeitura deve entregar, ainda neste ano, um novo parque alagável, no Barro, zona oeste do município. Ao todo, a nova unidade terá cerca de um quilômetro. Outra previsão é que o parque alagável Jardim Uchoa, em Areia, seja iniciado até o segundo semestre do ano que vem.

"Por muito tempo, havia essa luta contra as inundações. Então, em vez de lutar contra as inundações, eles trabalham em harmonia com o ciclo natural da água. Então, são espaços verdes, multiusos, extremamente importantes. É um exemplo de infraestrutura resiliente que une benefícios ambientais, sociais e urbanísticos", diz Marília.

A representante da gestão de João Campos lembra que, por muitos anos, predominou a realização de projetos para afastar as águas e locais frequentados pela população.

"Por muitos anos a engenharia foi fazendo projetos higienistas, tudo era para afastar a água. ‘A água tem que sair logo daqui porque está me prejudicando’. E hoje os projetos de engenharia têm sido cada vez mais projetos ambientalistas, onde o que se prega é a convivência com a água", diz.


ENTENDA A SÉRIE

série "Desafio Ambiental nas Capitais", às vésperas da COP30 (conferência das Nações Unidas que será realizada em novembro em Belém), aborda problemas que grandes cidades brasileiras enfrentam no campo da sustentabilidade.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

  • 2

Homenagem e protesto expõem dor de dois lados da operação mais letal do país, FSP

 

Rio de Janeiro

Quatro cruzes cobertas com camisas das polícias Militar e Civil foram fincadas nas areias da praia de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, no fim da tarde desta quinta-feira (30). A homenagem da ONG Rio de Paz lembrou os quatro agentes mortos durante a Operação Contenção, deflagrada na terça (28) nos complexos do Alemão e da Penha, que deixou 121 mortos, segundo balanço do governo fluminense.

As cruzes traziam fotos dos sargentos Heber Carvalho da Fonseca, 39, e Cleiton Serafim Gonçalves, 40, ambos do Bope, além dos policiais civis Marcus Vinícius Cardoso de Carvalho, 51, conhecido como Máskara, e Rodrigo Velloso Cabral, 34. As imagens foram colocadas abaixo das camisas que representavam as corporações.

Cinco cruzes com camisas de policiais estão fincadas na areia de uma praia à noite, cercadas por placas com mensagens de memória e direitos humanos. A placa central diz: "Em memória dos policiais civis e militares que tombaram por nós". À esquerda, placa afirma: "Policial não existe para matar e sim para nos proteger". À direita, placa diz: "Direitos humanos não tem lado". Ao fundo, há dois gols de futebol de areia.
Cruzes com camisetas e flores são montadas na praia de Copacabana em ato da ONG Rio de Paz em homenagem aos policiais mortos durante a operação nos complexos do Alemão e da Penha - Rafael Henrique/Divulgação ONG Rio de Paz

Horas antes, os corpos dos dois militares haviam sido velados na sede do Bope, em Laranjeiras, na zona sul, em cerimônia que reuniu colegas de farda, familiares e autoridades. O secretário da PM, coronel Marcelo Menezes, compareceu ao velório e prometeu "resposta à altura desses heróis".

"Esses policiais foram atacados por narcoterroristas. Fizemos um planejamento meticuloso para proteger a população daquela região. A operação foi exitosa, e o sacrifício deles não será em vão", disse Menezes.

Os dois policiais civis mortos —Marcus Vinícius e Rodrigo Cabral— haviam sido sepultados na quarta-feira (29). O primeiro, no Cemitério da Cacuia, na Ilha do Governador; o segundo, no Memorial do Rio, em Cordovil. Ambos foram atingidos durante confronto na chegada das equipes ao Complexo da Penha.

No centro do Rio, familiares de pessoas mortas na operação bloquearam no início da noite, por cerca de uma hora, a avenida Francisco Bicalho, em frente ao IML (Instituto Médico Legal). A via conecta centro, rodoviária e vias expressas como linha Vermelha e avenida Brasil, além da ponte Rio-Niterói.

Dezenas de pessoas deram as mãos e ficaram de joelhos, pedindo justiça e agilidade na liberação dos corpos.

Grupo de manifestantes ajoelhados no meio de uma via urbana bloqueando o trânsito. Ao lado esquerdo, viatura policial azul e branca parada. Pessoas observam a cena na calçada ao fundo.
Parentes de mortos em operação fecham avenida Francisco Bicalho, no centro do Rio, em protesto em frente ao IML - Reprodução/Globonews

Os manifestantes afirmaram que o IML havia encerrado o expediente e impedido novas identificações, o que gerou revolta entre as famílias —algumas delas disseram estar no local desde quarta-feira (29), sem respostas. Policiais militares usaram spray de pimenta para dispersar o grupo e liberar o trânsito por volta das 18h30.

Segundo a Polícia Civil80 corpos haviam passado por necropsia até a noite de quarta-feira, mas apenas seis tinham sido liberados. A Defensoria Pública, que diz ter atendido 106 famílias, afirmou que pediu para acompanhar as perícias, mas que o acesso ao IML foi negado.

O processo de identificação é feito por senhas: parentes preenchem fichas com características das vítimas, como tatuagens ou marcas de nascença, e aguardam o contato da polícia para o reconhecimento e posterior emissão da certidão de óbito.

O governo do Rio afirma que, das 121 mortes registradas, 117 seriam de pessoas ligadas ao tráfico de drogas, além dos quatro policiais. A operação, segundo o governador Cláudio Castro (PL), "foi um sucesso", apesar das mortes de agentes de segurança.