quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Sob pressão de republicanos, indicado de Trump para agência anticorrupção desiste do cargo após revelação de mensagens racistas, O Globo

 

Sob pressão de republicanos, indicado de Trump para agência anticorrupção desiste do cargo após revelação de mensagens racistas

22 de outubro de 2025

A indicação de Paul Ingrassia, advogado de extrema direita e apresentador de podcast polêmico, para comandar o Office of Special Counsel (OSC), uma agência federal independente de combate à corrupção — cargo para o qual havia sido escolhido pelo presidente americano, Donald Trump — fracassou na terça-feira. O recuo veio após senadores republicanos retirarem o apoio à sua nomeação, um dia depois de o site Politico revelar que ele havia enviado mensagens de texto com conteúdo racista.

Nas redes sociais, Ingrassia afirmou que não compareceria à audiência de confirmação da sua nomeação, marcada para o próximo final da semana. Ele atribuiu a decisão à resistência de senadores que recuaram em apoiá-lo após a divulgação de uma série de mensagens de texto nas quais ele usava termos racistas para se referir a feriados em homenagem a afro-americanos e alegava que pessoas de origem chinesa e indiana “não são confiáveis”.

“Infelizmente, não tenho votos republicanos suficientes neste momento”, escreveu Ingrassia na publicação. "Continuarei a servir o presidente Trump e esta administração para tornar a América grande novamente”, acrescentou.

A divulgação das mensagens agravou a polêmica em torno tanto de Ingrassia, um autoproclamado especialista em "direito constitucional", quanto do papel de Trump na tentativa de subordinar o OSC aos seus interesses. A revelação ocorreu poucos dias depois de uma outra reportagem do Politico mostrar que jovens políticos e ativistas republicanos usavam rotineiramente linguagem racista e homofóbica, além de fazerem referências a Hitler e ao Holocausto, em um grupo no Telegram.

Ao menos quatro senadores republicanos, incluindo o líder da maioria no Senado, John Thune, sinalizaram publicamente que se oporiam à nomeação do advogado para o cargo. O senador republicano Rick Scott disse a repórteres que havia conversado com o governo sobre Ingrassia, não compartilhou detalhes, mas deu sua opinião sobre o caso.

— Eu não o apoio — afirmou Scott.

Segundo o Politico, as mensagens de texto enviadas por Ingrassia diziam a um grupo de colegas republicanos que ele tinha “um lado nazista” e que o feriado nacional em homenagem ao reverendo Martin Luther King Jr. deveria ser “lançado no sétimo círculo do inferno”. Um dos advogados de Ingrassia, ainda de acordo com o Politico, afirmou que os textos podem ter sido manipulados ou estarem sem contexto.

Ingrassia, de 30 anos, deveria depor sua nomeação na próxima quinta-feira perante o Comitê de Segurança Interna e Assuntos Governamentais do Senado. O senador republicano Rand Paul, presidente do comitê, havia indicado que trataria das controvérsias envolvendo Ingrassia antes da audiência, mas o colegiado sequer conseguiu fazer qualquer anúncio.

Ingrassia e Trump

Durante as primárias republicanas do ano passado, Ingrassia divulgou uma informação falsa de que Nikki Haley era inelegível para concorrer à presidência, teoria que Trump promoveu nas redes sociais. Em dezembro de 2020, enquanto o magnata contestava sua derrota eleitoral para Joe Biden, o podcast de Ingrassia postou no antigo Twitter : "Hora de @realDonaldTrump declarar lei marcial e garantir sua reeleição".

Ingrassia, que se formou na Cornell Law School em 2022, de acordo com seu perfil no LinkedIn, também representou o influenciador da “manosfera” Andrew Tate, que se declara misógino e enfrenta acusações de estupro e tráfico de pessoas no exterior.

Trump iniciou uma batalha jurídica no início deste ano, quando demitiu o chefe anterior do OSC, Hampton Dellinger, desafiando o Congresso, que pode limitar o poder do presidente de demitir líderes de agências independentes. Um e-mail de apenas uma frase, enviado a Dellinger em 7 de fevereiro, não apresentou justificativas para sua demissão — apesar de a lei prever que o procurador especial “só pode ser destituído pelo presidente por ineficiência, negligência no dever ou má conduta no cargo”. Dellinger abandonou a disputa judicial em março, após um tribunal de apelações decidir contra ele.

A rotatividade no comando do OSC — responsável por investigar recursos de servidores federais que acreditam ter sido demitidos injustamente — começou a ocorrer enquanto o órgão analisava as demissões em massa, promovidas pelo governo Trump. Desde então, Trump nomeou aliados de confiança para chefiar o escritório interinamente.

O silêncio dos incompetentes, Dora Kramer - FSP

reação de bolsonaristas à aproximação dos presidentes Luiz Inacio da Silva e Donald Trump mostrou como são desengonçados na arte de transformar vitórias em derrotas. São bons em aproveitar erros e vacilos dos adversários, mas não têm traquejo para aceitar os acertos nem requinte para usar algum tipo de fino ricochete.

Contrariamente às evidências de que na economia o Brasil é parceiro importante e de que na política Trump não daria a Lula a chance de ganhar apoio popular diante de alguma grosseria, Eduardo Bolsonaro festejou os primeiros dois contatos como sinal de armadilha adiante. Depois da reunião na Malásia, na falta do que dizer, disse que Lula saiu sem nada.

Dois homens sentados em poltronas opostas em sala com cortina azul ao fundo. Homem à esquerda veste terno escuro com gravata vermelha, homem à direita usa terno escuro com gravata vinho e fone de ouvido. Mesa pequena com toalha vermelha e vaso de flor entre eles.
Presidentes Lula e Trump conversam em Kuala Lumpur, na Malásia - Evelyn Hockstein/Reuters

Como nada disso aconteceu, ele esbarrou no muro da diplomacia e dos interesses comerciais dos dois países. Posa de enfronhado no estamento de Washington, mas não tem o essencial, agora reservado a Brasília: acesso a Trump e trânsito real no entorno.

O presidente brasileiro soube se aproximar do americano despido de ranços ideológicos, mas sem deixar de tocar em assuntos imprescindíveis além das tarifas, como sanções a autoridades, processo criminal de Jair Bolsonaro e a tensão na vizinha Venezuela.

Diplomatas, empresários e ministros, em especial Geraldo Alckmin, conseguiram contornar os efeitos de asperezas trocadas pelos dois presidentes. Ainda que não se obtenha tudo —negociação exige transigência—, por ora obteve-se o principal, que foi a superação da fase de atritos contumazes.

Pois se para os inquilinos do Palácio do Planalto chegou a hora de substituir o antiamericanismo infantil pela racionalidade, até em nome de ganhos eleitorais, para a oposição já passou da hora de se libertar das amarras que a mantêm presa à tornozeleira de Jair Bolsonaro.

Não que ele seja um "nada", como disse Lula a Trump; mesmo com menos relevância detém poder de transferir votos, mas estará em cumprimento de pena, fora do jogo presencial. Isso obriga os pretensos herdeiros do capital a se mexer —ou vão perder.

 

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Deirdre Nansen McCloskey - Escrever bem, FSP (definitivo)

 Escrever é difícil, mas gratificante.

Essa dificuldade é bem expressa na piada: "Escrever não é difícil. É só ficar sentado tentando pensar em algo... até sair sangue da sua testa". Ou: "Eu poderia facilmente ser um escritor, mas não gosto do trabalho de escritório". Certamente há muito desse trabalho —que, falando sério, é o ofício que se pode aprender escrevendo. Trato disso num pequeno livro chamado "Economical Writing: Thirty-Five Rules for Clear and Persuasive Prose" (Escrita econômica: trinta e cinco regras para uma prosa clara e persuasiva –inédito em português), que revela os truques para trabalhar com palavras.

Por exemplo: "Expresse ideias paralelas de forma paralela"; ou simplesmente fique sentado tentando pensar em algo. Mas observe que, se você anotar um pensamento, a própria frase que escreveu sugere o próximo pensamento. Então, repita o processo várias vezes. Você terá um rascunho.

O trabalho difícil vem com revisão, revisão e mais revisão, usando dezenas de truques que se podem aprender. Hemingway zombou de "On the Road", de Jack Kerouac, em que Kerouac seguiu o plano uma sentença após a outra, mas não revisou nada. "Isso não é escrever", disse Hemingway. "É datilografar." Hemingway também disse que revisou o último parágrafo de "Adeus às Armas" 50 vezes.

Eu mesma reviso obsessivamente, dia após dia, de bom e de mau humor, até que pare de parecer melhor. Hoje somos abençoados com o processador de texto, que torna a revisão muito mais fácil que o papel e o lápis de Hemingway. "Escrever com facilidade torna a leitura difícil", disse ele.

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O escritor Ernest Hemingway tendo ao fundo o Kilimanjaro
O escritor Ernest Hemingway tendo ao fundo o monte Kilimanjaro - Reprodução

A recompensa é a mesma de fazer qualquer coisa bonita, uma comida deliciosa para a ceia de Natal, uma letra de música no estilo de Rubel Brisolla, uma corrida de 5 quilômetros satisfatória no Parque Villa-Lobos, ou um belo gol contra o Palmeiras.

A beleza rege a escrita da mesma forma que rege a ciência e a religião. A beleza vem de uma coisa difícil que é bem feita. Se for muito fácil, é só digitação. Se for muito difícil, o sangue escorre pela testa. O grande psicólogo húngaro-americano Mihaly Csikszentmihalyi (1934-2021; nós o chamávamos apenas de "Mike") criou uma palavra para tal sucesso, a verdadeira felicidade em uma vida humana: "fluxo". Não é o prazer fácil de comer uma barra de chocolate. É fazer algo no limite da sua competência, e lindamente. Você fica, como dizemos, "absorto" na tarefa. O tempo para. Você esquece o almoço. O resultado é "Nossos bosques têm mais vida, / Nossa vida mais amores".

Suponho que hoje poderíamos desistir completamente de escrever e contar com a inteligência artificial para produzir romances, letras de músicas, tratados científicos e cartas para a mãe. A IA certamente é útil. Eu a uso para verificar meus fatos brasileiros. Mas cuidado: às vezes ela inventa fatos. Um pouco como os humanos.

Mas observe que nós, em inglês e português, usamos a mesma palavra, "bom", para descrever um belo verso na poesia e também uma boa ação na política. Ou seja, estética também tem a ver com ética, pelo menos quando os humanos, e não a natureza, estão sendo julgados. Belas cenas na natureza, como as cataratas do Iguaçu, não têm conteúdo ético. Elas são sublimes, mas não um bom comportamento.

E esse é um dos motivos pelos quais a escrita precisa dos humanos. Nós, humanos, julgamos. Como disse um grande poeta inglês, "a verdade é beleza".