segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Justiça precisa ser protegida da corrupção interna, Editorial FSP

 São gravíssimas as suspeitas da Polícia Federal sobre um esquema de vazamento de informações e venda de decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça. O relatório preliminar do caso, conhecido como Operação Sisamnes, menciona a reprodução de padrões típicos de atuação de organizações criminosas.

Com a apuração inicial, a PF havia chegado a três suspeitos principais na corte: Daimler Alberto de Campos, que foi chefe de gabinete da ministra Isabel Gallotti; Márcio José Toledo Pinto, que trabalhou para Gallotti e para outros membros do STJ; e Rodrigo Falcão, que foi chefe de gabinete do ministro Og Fernandes.

Além desses servidores, estariam envolvidos nas atividades ilícitas o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, pivô do escândalo, e o advogado Roberto Zampieri, cujo assassinato, em 2023, deflagrou as investigações —conversas em seu telefone celular ligaram o alerta das autoridades.

Agora, avançado o inquérito, levanta-se a hipótese de haver mais funcionários do STJ implicados na trama, dado o grau de conhecimento que os interlocutores do lobista demonstravam quanto à movimentação dos autos.

De acordo com a polícia, as maiores suspeitas incidem sobre ações que tramitaram nos gabinetes das ministras Gallotti (sete processos) e Nancy Andrighi (cinco processos). Em paralelo, averigua-se vazamento de informações da Operação Faroeste, de relatoria do ministro Fernandes.

Ainda em fase de inquérito, as averiguações da PF não se traduzem em culpa antecipada de nenhum dos citados. Além disso, pelo menos até agora, nenhum ministro do STJ é alvo da investigação, que corre sob os olhos do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal.

Mesmo assim, a simples desconfiança de que exista um esquema amplo como esse basta para macular a imagem do Estado de Direito moderno —razão pela qual é crucial que o escrutínio prossiga com máximo rigor, seja para desfazer o engano, seja para desbaratar a quadrilha que corrompe o princípio da Justiça.

À diferença de outros períodos históricos, quando as reparações se davam por vingança pessoal ou mediante os caprichos de um soberano, a modernidade se baseia em leis previamente conhecidas e aplicadas por um órgão técnico, independente e equidistante das partes em conflito.

Quando decisões judiciais são determinadas não pelo convencimento livre e fundamentado de um julgador, mas pela quantia de dinheiro oferecida à sorrelfa, há mais do que o prejuízo concreto em um caso particular, pois é todo esse sistema que termina ameaçado —e é ele que precisa ser bem protegido.

Daí por que vêm em boa hora as manifestações do ministro Edson Fachin, novo presidente do STF, e do ministro Mauro Campbell, corregedor do Conselho Nacional de Justiça, a favor de sanções mais duras a magistrados que usem o cargo para se beneficiar de forma indevida.

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domingo, 19 de outubro de 2025

Ruy Castro - Ninhos da desrazão, FSP

 Um filme recente, que ainda não vi, mas de que me têm falado, é o francês "Brincando com Fogo", das irmãs Delphine e Muriel Coulin. Trata de um assunto crucial de nosso tempo. Um pai tem dois filhos jovens, criados e amados por igual. O caçula é bom estudante, amável e expansivo. O outro, doce, mas recluso, introvertido e sem futuro à vista. Um dia, alguém relata ao pai uma agressão que presenciou na rua por um grupo de extrema direita e pensa ter visto entre eles o seu mais velho. O pai descobre que é verdade. Segue-se então a história —o drama de um pai ao constatar que seu filho é movido a ódio, terror e xenofobia.

Não sei se o cinema ou a literatura tem tratado desse assunto que, desgraçadamente, pode ser mais abrangente do que pensamos. Pelo que o noticiário nos tem apresentado de ações extremistas por grupos ou indivíduos, na Europa e nos EUA, é de se perguntar quem são esses jovens no dia a dia. Trabalham, estudam, têm namorada, quais são seus hábitos, o que fazem fora de seu nicho de preconceitos e intolerância? O que leva alguém no século 21 a não acreditar no aquecimento global ou a admirar Hitler? Como explicar o neonazismo na Alemanha, o último lugar em que se pensava ser isso possível?

Essas aberrações têm sido estudadas, imagino, à luz da sociologia, da história e até da psiquiatria. Não sei se a ficção e os filmes lhes estão dando a atenção que merecem —com sua capacidade de chegar ao real pela imaginação, talvez nos pudessem trazer respostas. A ficção sempre se dedicou aos marginais. Pois, hoje, é como se houvesse mais gente do que nunca à margem da razão.

Durante as manifestações de 2013 no Brasil, perguntei aqui sobre os black blocs, aqueles que, ao fim dos protestos, começavam as depredações. Queria saber se saíam de casa à paisana ou já mascarados para destruir e se, pelos gestos ou roupas, suas famílias não os reconheciam ao ver as cenas de violência pela televisão.

Ou se essas próprias famílias já não seriam os ninhos da desrazão.

O Brasil dos bancos, sob a ótica do Nobel, Marcos de Vasconcellos, FSP

 Cinco das dez maiores empresas do Brasil são bancos. Entre as dez maiores economias do mundo (somos a décima, a medir pelo PIB), essa concentração do setor financeiro no topo da escala econômica se repete unicamente no Canadá, com sete representantes na lista.

Nos Estados Unidos, não há um banco no "top 10"; na China e na Índia, são quatro. Na Alemanha e no Japão, dois. Sempre medindo pelo valor de mercado, que é o preço das ações multiplicado pelo número de papéis.

Retratos lado a lado de três homens: o primeiro com cabelo grisalho e jaqueta azul, o segundo com óculos, cabelo escuro e terno com gravata, o terceiro careca usando camisa azul.
Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt, vencedores do Nobel de economia - Montagem sobre fotos AFP

Além de servir de curiosidade para puxar assunto no trabalho, esse dado deveria plantar uma pulga atrás da sua orelha em relação ao futuro do país. Quem diz isso, nas entrelinhas, são os ganhadores do último Nobel da economia (ou, mais precisamente, do Prêmio Sveriges Riksbank em Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel).

O prêmio deste ano foi concedido na última segunda-feira (13) a Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt, por suas contribuições ao entendimento de como a inovação tecnológica impulsiona o crescimento econômico de longo prazo. Howitt e Aghion são autores do livro "The Economics of Growth" (A Economia do Crescimento, em tradução livre), onde exploram bem o conceito de "destruição criativa".

Segundo essa teoria, a inovação estimula o crescimento, ainda que gere significativas perdas para empresas que ficam obsoletas. E onde entram os bancos nisso? Esse avanço depende de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), que, por sua vez, precisa de um sistema financeiro eficiente.

Temos uma tecnologia bancária invejada no mundo todo. Exportamos o Pix, dominamos os meios de pagamento e nossos bancos registram lucros mais robustos a cada trimestre, mesmo em crises prolongadas.

No entanto, pelo modelo da "destruição criativa", o sistema financeiro robusto não deveria levar à concentração. Muito pelo contrário, deveria ser o óleo que viabiliza a troca do dinheiro de mãos, levando capital de setores maduros para iniciativas inovadoras.

Aghion e Howitt mostram que países com bons sistemas financeiros têm maior potencial de crescimento, mas apenas se essas finanças estiverem a serviço da inovação. Um sistema bancário grande pode ser sinal de dinamismo, mas também de captura do crédito privado.

O tratamento dado ao crédito privado no Brasil, aliás, deveria estar no seu radar. Nesta semana, Jamie Dimon, CEO do JPMorgan Chase —o maior banco do planeta fora da China— emitiu um sinal amarelo ao comentar o fato de duas gigantes pedirem falência, deixando dívidas preocupantes penduradas nos bancos dos Estados Unidos.

"Onde há uma barata, provavelmente há mais", disse Dimon, vislumbrando um possível endividamento insustentável de companhias por lá. E, como a história econômica ensina, um espirro em Nova York costuma virar gripe em São Paulo.

O Brasil tem celebrado a expansão do crédito privado, sem muita discussão sobre seu destino. Financiamos consumo, rolagem de dívidas, mas pouco apostamos, de maneira estrutural, em inovação e P&D.

Sem destruição criativa, não há convergência possível —continuaremos país de intermediação, não de invenções que levem ao crescimento econômico. A boa notícia é que temos espaço para explorar isso.