sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Há lugares no Reino Unido onde os judeus já não entram, João Pereira Coutinho FSP

 Sou anglófilo, como boa parte da minha geração. Mas essa anglofilia é mais imaginária do que real: a Inglaterra que me interessa existe na minha cabeça —feita de livros, músicas, arte, filmes e de lugares que pertenceram a outro tempo.

Como dizia Eça de Queirós sobre o "francesismo" dos portugueses, eu também importo tudo: ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, modas e bobagens —que me chegam em caixotes pelo paquete, como nos velhos navios de correio.

Torcedor no gramado agita grande bandeira azul clara com letras vermelhas 'ASTON VILLA' em estádio cheio, com fumaça e iluminação intensa ao fundo.
Torcedor do Aston Villa durante partida de futebol no Villa Park na cidade britânica de Birmingham, em fevereiro de 2025 - Darren Staples/AFP

A Inglaterra real de hoje é outro planeta: uma sociedade tribalizada, que formou ou acolheu fanáticos antissemitas —e que tolera passeatas que clamam pelo genocídio. Amigos judeus me dizem com frequência que já não se sentem seguros em certos lugares do país.

Acredito neles. E confirmo seus temores: o Daily Telegraph informa que a partida entre Aston Villa e Maccabi Tel Aviv, pela Liga Europa, não terá a presença da torcida israelense.

"Questões de segurança", dizem as autoridades de Birmingham —um belo eufemismo, uma bela rendição. Julgava eu que a função da polícia seria garantir essa segurança sem excluir, à partida, um grupo nacional inteiro.

Se há selvagens entre os torcedores do Maccabi, que eles sejam vigiados e impedidos de entrar. Se há selvagens antissemitas do outro lado, que eles também o sejam.

Mas essas evidências não parecem pesar na Inglaterra atual. Semanas atrás, o conhecido clérigo muçulmano de Birmingham Asrar Rashid escreveu nas redes sociais: "Quando a torcida de Tel Aviv chegar, não teremos qualquer piedade para com eles."

Na minha opinião, eis um exemplo perfeito de "discurso de ódio" com incitamento à violência. Não consta, porém, que Rashid tenha sido investigado pela polícia. Esses privilégios parecem recair apenas sobre certos humoristas —como Graham Linehan, detido no aeroporto de Heathrow em setembro após postar uma piada sobre criminosos que se fazem passar por mulheres trans para cumprir pena em presídios femininos.

O primeiro-ministro Keir Starmer condenou com veemência a exclusão da torcida israelense. Mas o que pensa fazer? Enviar o Exército a Birmingham para confrontar radicais islamistas?

Ou permitir que o termo "Judenrein" —contra o qual seus antepassados lutaram— acabe por se instituir no país que ele governa?

Melhor não apostar.

Geração Z encontra Marx ao rejeitar alienação do trabalho, Marcos Augusto Gonçalves, FSP

 

Noticia-se o mal-estar da geração Z com o emprego tradicional em corporações. Mais uma evidência dessa situação, segundo reportagem desta Folha, é a viralização de uma newsletter publicada no Substack por Alex McCann, escritor britânico e pesquisador do futuro do trabalho, transformado em porta-voz da massa insatisfeita.

McCann, 24, considera que o emprego corporativo envolve os trabalhadores em "não problemas" que geram reações em cadeia sem efeito prático e racionalidade.

Bem, a imposição de rotinas burocráticas ineficazes em companhias é fato conhecido. Por inércia, repetem-se procedimentos inúteis que encenam empenho e zelo pela busca de resultados, mas são rituais fechados em si mesmos. Poderiam perfeitamente ser abolidos. Mas será só isso?

Homem jovem com cabelo curto e escuro veste suéter preto com zíper no pescoço, sorrindo e olhando para a direita. Ele está em pé diante de estantes brancas cheias de livros e plantas, em ambiente interno bem iluminado.
Alex McCann, escritor britânico e pesquisador do futuro do trabalho - Arquivo pessoal

A percepção de perda de tempo e energia em tarefas cujas finalidades e efeitos práticos não são bem identificáveis é anterior, certamente, à sensibilidade da geração Z.

Vejamos o velho conceito marxista, do século 19, de alienação do trabalho, assim descrito por uma dessas IAs disponíveis na praça: "É a separação do trabalhador de todo o processo produtivo, da criação ao produto final. Ela se manifesta quando o trabalhador não se reconhece no produto que cria, pois sua atividade é reduzida a tarefas repetitivas e fragmentadas, sem controle sobre o processo ou criatividade, o que o leva a ver o trabalho apenas como um meio de subsistência. Essa ideia é central na teoria de Karl Marx."

PUBLICIDADE

Bem-vinda ao mundo capitalista, geração Z! E não apenas. A experiência do socialismo, tal como existiu no século 20, também produzia efeitos similares, quando não agravados pelo monstruoso aparato político-estatal e pela propaganda ideológica.

O nonsense de requisições e tarefas também nos atormenta na vida pública, notadamente em sociedades, como a brasileira, em que prevalece a exasperante tradição burocrática e cartorial. A simples existência da mediação dos cartórios, com seus carimbos e estampilhas, além das taxas cobradas, é uma tortura inaceitável. E o que dizer dos famigerados atestados de residência requisitados até para pagamento de seguros em bancos privados?

Quanto a isso, sociedades capitalistas mais bem estruturadas e pragmáticas têm suas vantagens. É menos excruciante o padrão de exigências e mais vale a palavra da pessoa do que a suspeita de ela ser uma potencial malfeitora.

Para os entraves burocráticos, o investimento em tecnologia tem sido promissor. Novidades como o nosso admirável Pix são uma evidência de facilitação e ganho de tempo em larga escala. Mas ainda existe muita maratona digital indigesta.

Já no emprego tradicional, as dificuldades não são apenas práticas, há uma questão estrutural. Daí a ideia em voga de que se tornar empreendedor resolve a equação —o que tem muito de autoengano e risco futuro.

O velho Marx acreditava, em sua utopia comunista, que a tecnologia propiciaria o almejado tempo livre para as pessoas enfim emancipadas do trabalho alienado. Disse em famosa frase que num dia futuro poderíamos "caçar pela manhã, pescar e fazer crítica literária" —imagem simbólica da liberdade e controle sobre a vida. Hoje ainda estamos discutindo a cruel jornada 6 x 1. Quem sabe para os netinhos da geração Z?