A ofensiva deDonald Trumpe de seu secretário de Defesa, Pete Hegseth, sobre o alto comando das Forças Armadas dos EUA, com o intuito deenquadrá-las na moldura do populismo de extrema direita, demonstra que as pretensões facho-golpistas do autocrata da Casa Branca não podem ser ignoradas.
O caráter bizarro e não raro anárquico das intervenções de Trump leva algumas vezes a avaliações de que tudo não passaria de um grande teatro movido a bravatas e ameaças inconsequentes. É um erro.
Se Chávez lançou na Venezuela o que chamou de socialismo do século 21 (regime autoritário populista de esquerda, aprimorado por seu sucessor Nicolás Maduro), Trump empenha-se na construção do fascismo do século 21, que não repete exatamente a referência do século 20, mas dela absorve e guarda as linhas de força.
Donald Trump apresenta a generais plano de enquadramento dos militares à ideologia da Casa Branca - Jim Watson - 30.set.2025/AFP
O conceito, amplamente usado pela ditadura civil militar brasileira, ganhou especial atenção nas palavras do presidente americano a respeito do papel das Forças Armadas em sua perspectiva antiliberal e autoritária.
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A ideia de que cidades do país possam servir de campo de exercício para as tropas mais poderosas do planeta é assustadora, e mais ainda quando se tratou de deixar claro que o objetivo é tê-las perfeitamente alinhadas, marchando no mesmo passo do ideário antidemocrático cultivado pelo atual grupo dominante norte-americano.
No quesito mais escandalosamente ideológico coube a Hegseth o papel de showman. O ex-comentarista da Fox News, com passagens pelos conflitos do Afeganistão e Iraque, usou todo o arsenal de sandices do direitismo vulgar, com direito a trollagem de "generais gordos", para dizer à elite militar que é preciso defender —ou se render— à cartilha do Maga. Quem não quiser que peça para sair.
A politização e instrumentalização das Forças Armadas é um dos ingredientes clássicos do veneno golpista ao lado de outros, como a afronta aos tribunais e o silenciamento das universidades. A receita tem sido testada de modo mais do que preocupante por Trump e seus colaboradores ideológicos, como Hegseth e o vice J.D. Vance. Coube a Vance, aliás, a prerrogativa de desempatar a votação do Senado, em 50 a 50, para chancelar a indicação de Hegseth para a Defesa.
Para nosotros que conhecemos as agruras da América Latina, com seus lances patéticos e cruéis de repúblicas de bananas, há uma certa familiaridade trágica com o que se vê em curso na América. De fato não é nova —e tem um aspecto problemático— a ideia de que os EUA passam por um processo de latino-americanização. Estamos na realidade diante de uma novidade, o advento do populismo radical de direita numa superpotência de tradição liberal cuja influência sobre os desígnios do mundo é enorme.
Estamos também falando —e há aqui alguma esperança— de uma sociedade que cultivou na história valores democráticos e instituições para preservá-los. Se serão vitoriosos (ou até que ponto) é hoje a grande interrogação.
BRASÍLIA — Areforma administrativanaCâmara vai propor uma tabela única de remuneração para todo o serviço público brasileiro, instituir uma medida de avaliação do desempenho dos servidores e restringir o pagamento dos supersalários.
O Estadão teve acesso ao conteúdo das propostas que serão apresentadas pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), coordenador do Grupo de Trabalho da reforma, na Câmara. O pacote inclui uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), um Projeto de Lei (PL) e um Projeto de Lei Complementar (PLP). Veja os principais pontos:
PEC da reforma administrativa será protocolada no Congresso e prevê mudanças para todo o setor público. Na foto, a Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Foto: Wilton Junior/Estadão
A PEC restringe os chamados supersalários, que são as remunerações pagas acima do teto salarial do funcionalismo (hoje, de R$ 46,4 mil por mês).
As verbas indenizatórias, que inflam o salário da elite do funcionalismo público com “penduricalhos”, deverão ter natureza reparatória e destinar-se exclusivamente ao pagamento de despesas realmente episódicas, eventuais e transitórias.
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Será proibido o pagamento de “penduricalhos” de forma rotineira e permanente e a concessão indistinta de verba à totalidade de uma categoria, acabando com o que acontece hoje. Os auxílios de alimentação, saúde e transporte ficarão fora dessa restrição.
O orçamento dos governos para o pagamento de verbas indenizatórias terá um “teto de gastos” e não poderá crescer mais do que a inflação do ano anterior, com base nos valores pagos em 2020. Além disso, o pagamento retroativo desses valores somente poderá ocorrer por decisão judicial transitada em julgado.
Para servidores públicos que recebem 90% ou mais do teto constitucional, os auxílios de alimentação, saúde e transporte, no total, não poderão ultrapassar 10% do salário.
A PEC também vai proibir a aposentadoria compulsória como sanção disciplinar para magistrados e membros do Ministério Público que praticarem faltas graves. Juízes e procuradores poderão ser demitidos por processo administrativo disciplinar pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
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Férias e criação de novos ‘penduricalhos’
A PEC proíbe férias de 60 dias, gozadas atualmente por juízes, e define que nenhum servidor tenha férias superiores a 30 dias por ano, com exceção de professores e profissionais de saúde expostos a riscos que justifiquem um período maior.
O poder público também não poderá pagar adicional de férias superior a um terço da remuneração do período e não poderá parcelar as férias em mais de três períodos.
A PEC também proíbe aumento de salário ou de parcelas indenizatórias apenas por tempo de serviço, incluindo quinquênios, e pagamento de férias ou licenças não usufruídas. Atualmente, algumas categorias usam essas vantagens para inflarem salários fora do teto constitucional.
Novas verbas remuneratórias ou indenizatórias só serão criadas com aprovação do Congresso. Hoje, alguns órgãos das próprias categorias, como Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), criam benefícios generalizados para os servidores sem aprovação de lei.
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Tabela única
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A União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios deverão implementar, por meio de lei específica, uma tabela remuneratória única para para todos os agentes públicos. Essa tabela deverá conter o número de “escadas” remuneratórias de cada cargo público, com valores entre o salário mínimo (R$ 1.518) e o teto do funcionalismo (hoje R$ 46,4 mil por mês). A remuneração inicial de uma carreira será limitada a 50% do valor do último nível da mesma carreira.
Avaliação por desempenho
A PEC vai instituir uma exigência de avaliação dos servidores públicos por desempenho. Todo os órgãos do setor público deverão realizar avaliação periódica de desempenho dos funcionário.
A PEC preserva a estabilidade, mas, na fase do estágio probatório, que hoje dura de dois a três anos, deixa explícito que o servidor será exonerado se for verificada inaptidão para o exercício das atribuições e responsabilidades inerentes ao cargo.
Para os demais efetivos, a PEC estabelece que a progressão funcional nas carreiras e o pagamento de bônus estarão condicionados à avaliação por desempenho e a instrumentos instrumentos de governança e gestão.
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Não há previsão de demissão de servidores por mau desempenho. Como incentivo, os órgãos poderão instituir um bônus por resultado, equivalente a uma 14º folha de pagamento, para aqueles que cumprirem os objetivos e as metas definidas.
Para realizar novos concursos públicos, o governo deverá fazer o chamado “dimensionamento da força de trabalho”, para identificar onde há necessidades, com metodologia definida em regulamento — que não está na PEC — e ampla divulgação pública, para planejar a alocação de pessoal.
Os concursos públicos deverão priorizar carreiras transversais, que são aquelas que contratam profissionais com alta qualificação e que ficam disponíveis para atuarem em mais de um órgão, como analista de infraestrutura e especialista em políticas públicas. O poder público deverá ainda comprovar a necessidade dessas contratações.
Os Estados e municípios poderão aderir ao Concurso Nacional Unificado (CNU) do governo federal e utilizar a base de aprovados para selecionar servidores.
Cargos comissionados
Do total de cargos na administração, no máximo 5% poderá ser reservado para cargos comissionados (destinados a não servidores e nomeados politicamente) na União, nos Estados e nos municípios. Esse porcentual poderá ser maior somente nos municípios de até 10 mil habitantes, para até 10%, em situações devidamente justificadas. No mínimo 50% dos cargos em comissão devem ser ocupados por servidores efetivos.
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A União e os Estados deverão implementar o limite em dois anos após a promulgação da PEC. Os municípios terão três anos para se adaptarem. Quem não cumprir o prazo ficará impedido de criar novos cargos de comissão e funções de confiança (servidores que recebem funções de chefia).
Os ocupantes de cargos comissionados e funções de confiança serão submetidos à avaliação periódica de desempenho diferenciada dos demais servidores públicos, com objetivos e metas estabelecidos pela gestão.
Contratação de temporários por concurso
A PEC institui autoriza a contratação de servidores temporários por concurso público, criando um modelo chamado de “investidura a termo em cargo efetivo”. Nessa modalidade, os funcionários serão contratados por um período não inferior a 10 anos.
Para isso, o governo deverá demonstrar que a função é transitória e qual a necessidade daquela contratação. A quantidade de servidores temporários contratados por concursos não poderá ultrapassar 5% do total de efetivos naquele cargo ou carreira.
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Planejamento estratégico
O presidente da República, o governador e o prefeito serão obrigados a divulgar, seis meses após a posse, um plano estratégico com objetivos e metas para todo o mandato que deverão orientar acordos anuais para a definição de metas e objetivos na gestão pública. São nesses acordos que estarão previstos os planos de avaliação periódica dos servidores.
Teto de gastos
A PEC institui um teto de gastos para o Judiciário, o Legislativo, os Tribunais de Contas e os Ministérios Públicos nos Estados e municípios, incluindo o pagamento de pessoal. As despesas desses órgãos não poderão ter crescimento real (acima da inflação) superior a 2,5% ao ano a partir de 2027 — o mesmo teto do arcabouço fiscal da União. Os Executivos estaduais e as prefeituras ficarão de fora desse limite.
Os municípios, exceto as capitais, com despesas de custeio administrativo que superem a arrecadação própria — sem contar as transferências obrigatórias e voluntárias — terão limites máximos de secretarias, variando de cinco a 10, conforme a população.
O governo federal e os Executivos estaduais e municipais deverão realizar uma revisão de gastos públicos de forma permanente, com avaliação periódica das despesas e realocação de recursos para políticas públicas que forem identificadas como prioritárias.
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Para a União, as medidas de revisão de gastos deverão estar em um anexo específico da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), enviada todos os anos para o Congresso. O governo Lula inaugurou esse mecanismo em 2023. Com a PEC, a medida se torna constitucional.
Cartórios
As atividades dos cartórios, denominada tecnicamente de serviços notariais e de registro, são exercidas por pessoas em caráter privado, mas por delegação do poder público.
A reforma aplica um teto de remuneração aos novos titulares de cartórios, aqueles que assumirem após a aprovação da PEC, que não poderão ter retribuição líquida superior a 13 vezes o teto do STF por ano, descontadas as despesas necessárias à operação do serviço. Hoje, o valor máximo chegaria a R$ 602,8 mil por ano.
Os dirigentes dos cartórios terão as atividades encerradas compulsoriamente ao atingirem 75 anos de idade - essa regra também é aplicável apenas aos todos titulares.
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Estatais e quarentena
Estatais não dependentes, exceto aquelas com capital aberto e bancos, passarão a ter de respeito o teto remuneratório do governo federal, equivalente ao salário dos ministros do STF. Hoje, essas empresas não possuem teto para remuneração. A obrigação não se estende aos membros estatutários, segundo a proposta.
Quem ocupar cargos de direção no governo, em empresas estatais e agências reguladoras deverá respeitar um período de quarentena após saírem das funções. O período será de um a a três anos, conforme definição em regulamento. Nesse prazo, essas pessoas ficam proibidas de atuarem em empresas do mesmo setor e representarem interesses de entidades com as quais tenha tido contato em razão do cargo.
Nas décadas que se seguiram à independência dosEstados Unidos, pensadores e estudiosos europeus como o aristocrata francêsAlexis de Tocqueville(1805-1859) viajaram extensivamente pelo jovem país, admirando e analisando criticamente o nascimento de uma nação, uma cultura e uma sociedade como o mundo nunca vira. Hoje, algo semelhante está acontecendo naChina.
São as pequenas coisas, como o robozinho do meu hotel em Pequim. Nos conhecemos no elevador. Entrou no terceiro andar, deu oi ("Ni hao!") e girou para encarar a saída. Não sei como disse ao elevador para onde ia. Quando a porta abriu no sétimo andar, saiu para ir à sua vida.
A segunda interação foi mais substancial. Encomendei o jantar por aplicativo, para entrega no quarto. Algum tempo depois ligaram da recepção: eu não falo chinês, a pessoa não falava inglês, foi um diálogo bem curto. Alguns minutos depois ouvi a campainha do quarto. Abri a porta e lá estava o robozinho, entregando a minha comida e me desejando bom apetite (acho...).
Um robô entrega alimentos a um hóspede em um hotel em Yiwu, na província de Zhejiang, leste da China - Adek Berry - 18 de setembro de 2024/AFP
São coisas maiores, como o centro de treinamento de última geração onde a Universidade Beihang forma anualmente centenas de profissionais para a indústria aeronáutica e aeroespacial da China (Beihang é a número um do mundo na área). Novos modelos de avião são testados em simuladores equipados com softwares avançados, muito antes de qualquer protótipo da aeronave começar sequer a ser construído para testes reais. A matemática e a computação guiando a engenharia.
E são as coisas realmente grandes, como a incrível rede de trens de alta velocidade que a China construiu nos últimos 15 anos. Cerca de 50 mil quilômetros de linhas eletrificadas que já ligam todas as cidades acima de 1 milhão de habitantes, a velocidades entre 200 e 350 km/h. E não para de crescer: até 2035 deverão alcançar 70 mil quilômetros.
O conforto e a eficiência, econômica e ambiental, estão muito além dos sonhos do transporte rodoviário ou aéreo baseado em combustíveis fósseis. A viagem de cerca de 1.250 quilômetros entre Pequim e Hangzhou, na região de Xangai, tomou 4h40 e foi muito repousante. Vou lembrar na próxima vez que eu for do Rio a Brasília (mesma distância) de carro, ônibus ou avião.
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Certos aspectos do modelo de desenvolvimento da China são um pouco perturbadores para um visitante ocidental. Nas universidades chinesas, não há folha de frequência para os alunos assinarem: a presença de cada um é aferida automaticamente pela detecção do respectivo celular na sala de aula. Em algumas instituições, as aulas são filmadas e as imagens ficam acessíveis a uma comissão interna da universidade. O objetivo oficial é aferir a qualidade da docência.
A minha entrada na Cidade Proibida, a espetacular residência histórica dos imperadores da China, foi validada por reconhecimento facial. O estudante de doutorado da Universidade de Pequim que gentilmente me servia de guia e tradutor questionou: "Quando eles tomaram seus dados?". "Só pode ter sido a polícia no aeroporto, na chegada", respondi. Aparentemente, a minha biometria ficou automaticamente acessível a uma miríade de instituições em todo o país.
As pessoas com quem interagi durante as três semanas no país parecem aceitar tais coisas com naturalidade, estimando que o lucro em comodidade e eficiência supera o prejuízo em privacidade individual. O que não elimina os riscos, obviamente. Continuarei na semana que vem.