domingo, 24 de agosto de 2025

Celso Rocha de Barros - Dino, Trump e a Lei, FSP

 Flávio Dino decidiu que a lei americana deve ser aplicada em território americano e a lei brasileira deve ser aplicada em território brasileiro. Donald Trump discorda das duas coisas.

Como notou Thiago Amparo nesta Folha, a lei americana não é automaticamente aplicável no Brasil pelo mesmo motivo que a lei chinesa não é. O Brasil é um país soberano.

O leitor pode responder: bom, mas Brasil e Estados Unidos fazem parte da mesma cultura política, são países ocidentais, adotam as normas da democracia liberal.

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino durante entrevista exclusiva para Folha em 2023 - Gabriela Biló/Folhapress

Esse argumento sempre foi frágil, mas deixou de fazer qualquer sentido no segundo mandato presidencial de Donald Trump. Pelo que se viu no primeiro semestre de 2025, e até segunda ordem, os Estados Unidos não fazem mais parte do Ocidente democrático tal como o entendíamos. Tomara que voltem logo, de preferência tendo aprendido alguma coisa.

E tomara que o choque Trump nos ajude a entender que o que merece ser defendido não é a cor da pele dos que criaram o iluminismo ou a democracia, mas sim os valores que subjazem a essas visões de mundo.

De qualquer forma, a tentativa de impor as sanções Magnitsky a Alexandre de Moraes também é ultrajante por outros motivos, além da soberania nacional.

Afinal, por que os Estados Unidos teriam o direito de aplicar suas leis em outros países se não as aplicam mais em solo americano?

Na última quarta-feira, o próprio criador da Lei Magnitsky, o deputado americano Jim McGovern, enviou uma carta aos secretários de Estado e do Tesouro de Trump dizendo que a aplicação das sanções a Moraes é obviamente ilegal.

Segundo McGovern, é "vergonhoso que o governo Trump tenha imposto sanções GloMag ['Global Magnitsky'] de maneira contrária ao seu propósito, minando os esforços do judiciário brasileiro para defender as instituições democráticas e manter o Estado de Direito".

A lei americana também proíbe claramente as tarifas impostas por Trump ao Brasil.

Para impor uma tarifa, Trump precisa provar que há uma emergência econômica ou de defesa nacional que as justifique. Os Estados Unidos são superavitários em seu comércio com o Brasil. E só estamos ameaçando a segurança nacional americana se prender o Jair for o equivalente daquela aberturazinha na Estrela da Morte que faz o negócio todo explodir quando o Luke Skywalker atira lá dentro.

Imagine como seria se adotássemos, no Brasil, a mesma elasticidade jurídica de Trump. Poderíamos, por exemplo, enquadrar Eduardo Bolsonaro, Paulo Figueiredo e seus cúmplices em crimes previstos no Código Penal Militar, como traição (artigo nº 355), favor ao inimigo (artigo nº 356) ou tentativa contra a soberania do Brasil (artigo nº 357). A pena máxima, em todos esses casos, seria a morte.

Seria errado. O Código Penal Militar não foi feito para isso, e banalizar sua aplicação o desmoralizaria, como Trump está desmoralizando a Lei Magnitsky.

Além disso, manter Eduardo e Figueiredo nos Estados Unidos já é uma forma de vingança brasileira pelas tarifas. Reclamaram do George Santos? Pois nós temos vagabundos muito piores para mandar.

Resta torcer para que os americanos sigam o conselho de Flávio Dino e voltem a fazer valer a lei americana onde ela é, de fato, legítima: nos Estados Unidos.


Indicação de aliado de Tarcísio ao TCE-SP é alvo de comentário negativo em evento do governo Lula, FSP

BRASÍLIA

indicação do ex-ministro da CGU (Controladoria-Geral da União) Wagner Rosário, atual controlador-geral de São Paulo, a uma vaga de conselheiro no TCE (Tribunal de Contas do Estado) paulista virou alvo de comentários negativos nesta quarta-feira (20) durante seminário do governo Lula sobre governança e riscos em Brasília.

Um homem com cabelo curto e escuro, vestindo um terno cinza e uma gravata azul, está sentado em uma cadeira. Ele está segurando um dispositivo e ajustando um fone de ouvido. O fundo é composto por painéis em tons neutros.
Ex-ministro da Controladoria-Geral da União Wagner Rosário durante CPI da Covid, em 2021 - Roque de Sá/Roque de Sá/Agência Senado

O evento contou com a participação dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e da CGUVinicius de Carvalho, e da presidente do Banco do BrasilTarciana Medeiros.

Em sua participação, Haddad mencionou que faltaram "exemplo e liderança" no governo de São Paulo para evitar a suposta fraude contábil com créditos de ICMS na Sefaz-SP (Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo).

"Um escândalo dessa magnitude, alguma coisa falhou em cruzamento de dados, investigação isenta", disse, em referência à investigação que aponta que o auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, supervisor na Sefaz-SP, manipulava processos administrativos da secretaria para liberar créditos tributários mediante pagamento de propina.

Assim que o ministro citou a falha no cruzamento de dado, um convidado virou para o colega a seu lado e disse, alto o suficiente para que fosse ouvido: "o Wagner Rosário deixou passar duas fraudes e foi premiado por isso."

Rosário foi o nome escolhido pelo governador Tarcísio de Freitas ao tribunal. O ex-ministro de Jair Bolsonaro é criticado por integrantes do governo Lula por não ter investigado nenhum dos escândalos que estão surgindo agora, tanto a fraude nos descontos associativos do INSS quanto o esquema bilionário de manipulação de créditos de ICMS em São Paulo.

IVAN COLANGELO SALOMÃO - O terceiro mandato do presidente, FSP

 Ivan Colangelo Salomão

Professor do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (FEA/USP)

Sua ascensão à Presidência da República representara um marco na história do Brasil. Pela primeira vez em décadas, um político de oposição, cuja trajetória seria marcada pela associação com a classe trabalhadora, finalmente assumia o comando do país. As políticas de seus primeiros mandatos estreitariam ainda mais essa relação. Mas, apesar da elevada popularidade que ostentava ao final de seu governo, sofreu perseguição de setores conservadores, dos militares e da imprensa durante o interregno em que se distanciou do poder.

Após anos de afastamento, a vitória contra um ex-militar na eleição que consagrou seu retorno à Presidência determinaria os rumos do país no longo prazo, tamanhas eram as diferenças entre os respectivos projetos de nação. O triunfo eleitoral não foi de Pirro, mas seu regresso ao Palácio não se deu exatamente nos braços do povo.

O céu de brigadeiro dos primeiros mandatos se transformou num prato caro e de difícil degustação. Pelo menos aos olhos de parte de seus eleitores.

Vários são os motivos a explicar mudanças tão profundas na perceptibilidade da sociedade brasileira. É verdade que as expectativas eram, de fato, elevadas. O bem-estar material e a inclusão social das gestões anteriores não só haviam elevado a barra de comparação como também o transformaram no homem público mais importante de sua época.

Mas a nova conjuntura era mesmo delicada. A começar pela relação de desconfiança com as Forças Armadas, com as quais teve que reconstruir pinguelas de sustentação improvável. O cenário internacional também era adverso.

Bandeira do Brasil na posse de Lula - Ricardo Stuckert - 1°.jan.23/Divulgação

A eclosão de uma guerra do outro lado do mundo meses antes da eleição já antevia, e aprofundava, as dificuldades por que passariam as contas externas brasileiras. A eleição de um presidente republicano hostil à América Latina nos EUA, no meio do seu mandato, estreitou ainda mais as possibilidades de exercer suas arquirreconhecidas habilidades diplomáticas.

Mas, se de fato for o bolso o elemento a selar a sorte dos incumbentes, o governo tinha diversos resultados de que se jactar. A fim de atenuar a desconfiança do mercado, o presidente nomeara para a Fazenda um prudente e pragmático advogado paulista, acusado pelos setores mais exaltados de seu partido de representar os interesses dos banqueiros.

E a sua política econômica foi, de fato, moderada. Do ponto de vista fiscal, o ministro promoveu um ajuste realista, baseado, é verdade, na elevação de receita.

A política monetária mostrou-se ainda mais ortodoxa, apesar da expansão do crédito. Se por mérito do governo, o fato é que a economia brasileira apresentava fundamentos positivos na metade de seu terceiro mandato: crescimento significativo do PIB, contas externas relativamente estáveis, câmbio sutilmente desvalorizado e inflação levemente pressionada, mas ainda longe de afetar negativa e decisivamente as expectativas dos agentes.

Ainda assim, a população lhe sonegava o apoio social com que contara nos mandatos anteriores. O aumento dos preços de determinados itens básicos, sobretudo os alimentícios, corroía sua popularidade.

A grande imprensa, em uníssono, malhava o governo diuturnamente —e não apenas por seus erros, mas também pelos acertos. E a oposição barulhenta, que dominava um Parlamento hostil, emoldurava o quadro de dificuldades. Não havia agenda positiva e comunicação direta que lhe trouxessem algum alento. O país ebulia.

Idoso, cansado e anacrônico, o presidente já não exibia a mesma disposição dos tempos de glória.

Acuado, o homem mais poderoso de sua geração não viu alternativa que não desferir um tiro contra o próprio peito.

Era esse o Brasil de 1954; que não seja o de 2026. Os tempos mudam. E a história ensina.

Luiz, não encerre a sua biográfica cinematográfica com uma derrota já anunciada. Mais do que nunca, o Brasil precisa e depende da sua grandeza.