terça-feira, 12 de agosto de 2025

JBS destrava porto de Itajaí, que deve ter administração própria, FSP

 Em seis meses, o porto de Itajaí, cujo único terminal em atividade segue sob comando da JBS, atingiu a marca de 1,7 milhão de toneladas movimentadas, um crescimento de 1.494% em relação ao mesmo período do ano passado.

A marca representa uma virada na disputa política travada com o governo local, que reclamou da iniciativa do ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho (Republicanos), de delegar a administração portuária local à autoridade hoje responsável pelo porto de Santos.

No primeiro semestre do ano passado, Itajaí movimentou pouco mais de 100 mil toneladas, segundo dados da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários).

Imagem mostra navio sendo carregado no porto de Itajaí (SC)
Navio é carregado com contêineres no porto de Itajaí (SC) - Luciano Sens - 28.fev.2024/Secom SPI

"Encontramos em 2023 um porto praticamente abandonado, impactando fortemente na economia de Santa Catarina e do Sul do país", disse o ministro. "Reativamos as operações [antes controladas pela prefeitura] e retomamos a gestão do complexo, reestabelecendo a atividade econômica."

Em maio, durante cerimônia com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro anunciou investimentos de R$ 844 milhões para modernização do porto de Itajaí até 2030.

Com o crescimento da atividade no porto, Itajaí passará a ter uma Autoridade Portuária (AP) própria. Um grupo de trabalho foi criado pelo ministério em junho para elaborar os aspectos da futura empresa pública federal.

O pacote de retomada contempla ainda a dragagem do rio Itajaí-Açu e a construção de um píer para navios de cruzeiro.

Recorde

Responsável por 95% do comércio internacional brasileiro, os portos registraram 653,7 milhões de toneladas transportadas no primeiro semestre deste ano, um crescimento de 1% em relação ao mesmo período do ano passado. Santos liderou, com 67,9 milhões de toneladas.

Também foi recorde o volume transportado no semestre em contêiner pelo país (78,1 milhões de toneladas) e em granel sólido (387,1 milhões de toneladas).

Entre os produtos mais transportados neste primeiro semestre estão o minério de ferro (190,5 milhões de toneladas e crescimento de 2,5% sobre o mesmo período do ano passado), óleo bruto de petróleo (104,1 milhões de toneladas e crescimento de 0,62%) e soja (93 milhões de toneladas e aumento de 5,2%).

Com Stéfanie Rigamonti

Wilson Gomes - A crença na 'ditadura de toga', arma política do Bolsonarismo, FSP

 Conheço ao menos uma pessoa que considera um "ato de justiça" ver Alexandre de Moraes enforcado em praça pública. Quem estava ao redor, quando ela fez a declaração em alto e bom som, descontou o exagero retórico, mas concordou com a essência.

Não se trata apenas de Moraes, mas, no limite, de todo o Poder Judiciário e até do Ministério Público. Alexandre funciona, nesse enredo, como síntese e personificação —útil para fins narrativos e para organizar o ódio coletivo— da convicção de que certas pessoas e instituições existem para destruir "o nosso lado", a direita bolsonarista.

Também conheço muitos que defendem o impeachment do magistrado. Alguns apenas afirmam que, cedo ou tarde, isso ocorrerá; outros sustentam que a medida deveria ser tomada já, no auge da convulsão política. Estes últimos estão convencidos de que a entrega da cabeça de Moraes seria o único sacrifício capaz de aplacar a suposta "justa fúria" de Trump contra o Brasil.

Por trás disso está a convicção, amplamente partilhada por uma parcela expressiva dos brasileiros, de que vivemos sob uma "ditadura de toga". No universo bolsonarista, não é tese nem hipótese, mas fato evidente —só não vê quem está dominado pelo outro lado.

Não deveria ser necessário dizer, mas, por mais severas que sejam as críticas a decisões polêmicas do STF, os elementos essenciais de uma ditadura não se verificam. Conheço ditaduras, vivi numa delas as duas primeiras décadas da minha vida. Hoje, mesmo as decisões mais contestadas foram tomadas dentro de um marco institucional reconhecido pela Constituição, aprovadas por colegiado e passíveis de revisão. Não houve suspensão de garantias constitucionais, supressão sistemática do Legislativo ou do Executivo nem ausência de freios e contrapesos.

Ora, se a percepção não corresponde aos fatos, por que a crença resiste? Vamos às hipóteses.

A ideia de "ditadura de toga" cumpre função psicológica e identitária: oferece um enquadramento simples, moralmente carregado e útil para mobilização política. O núcleo factual —decisões polêmicas e ativismo judicial— é apenas o ponto de partida; a narrativa se sustenta pela predisposição a ver o mundo em termos maniqueístas, a desconfiar de elites institucionais e a buscar alvos claros para frustrações difusas.

A ilustração de Ariel Severino em estilo de recorte de papel mostra duas marionetes se encarando sobre um palco de cortinas azuis e adereços dourados no topo. À esquerda, uma das marionetes, vestindo camiseta, bermudas e luvas de box, segura um celular e está rodeado por ícones amarelos de “curtir”, representando o apoio da extrema direita. À direita, outra marionete, de rosto hostil, empunha um grande taco de madeira e está cercado por ícones verdes de “não curtir” também da mesma galera. Veste toga, camisa e gravata. A cena sugere um embate simbólico no contexto político-judicial deste país, onde só se contabiliza em “likes” de quem domina a redes sociais.
Ariel Severino/Folhapress

A crença é funcional: insucessos eleitorais, investigações contra lideranças e derrotas legislativas encontram no "STF ditatorial" um inimigo externo e personalizado. Atribuir-lhe todo o peso da frustração preserva a autoestima do grupo e a imagem positiva da liderança. É também um mecanismo de projeção, já que defeitos e fracassos atribuídos ao próprio campo são percebidos como agressões externas. Não há necessidade de assumir responsabilidade por eles.

Além disso, encaixa-se perfeitamente na simplificação moral da política, reduzida à luta entre um povo inocente e virtuoso (os "patriotas") e seu líder abnegado, de um lado, e um vilão centralizado e onipotente (o STF), de outro. Essa divisão atende à necessidade de organizar o mundo em categorias rígidas de certo/errado, amigo/inimigo —algo típico de estruturas de personalidade menos tolerantes à ambiguidade.

Tais narrativas convertem predisposições latentes —hostilidade a limites institucionais, desconfiança de instituições pluralistas, necessidade de autoridade forte, rejeição de controle judicial sobre líderes carismáticos— em ação política: manifestações, discursos violentos e ataques à legitimidade judicial. Grupos que partilham essas predisposições tendem a interpretar decisões judiciais contrárias ao seu campo político como prova da existência de uma "ditadura".

A adesão à tese também opera como marcador de pertencimento: quem a repete e defende se identifica como parte do grupo e demonstra lealdade; discordar dela implica risco de exclusão simbólica, reforçando a uniformidade interna. À medida que a tese ganha adesão, desaparecem as posições moderadas e as concessões; quanto mais radical for a posição manifestada ("enforquem-no!"), maiores as cotas de estima oferecidas pelo grupo.

Por fim, se o Judiciário é visto como ditatorial, medidas fora da normalidade democrática —da desobediência civil aos ataques à credibilidade judicial, dos apelos por intervenção estrangeira até propostas abertas de golpe de Estado— passam a ser tratadas como atos legítimos. Esse é o perigo maior: a crença não apenas reorganiza a realidade para caber no enredo que o grupo já abraçou como fabrica a licença moral para romper com a democracia sob o pretexto de salvá-la.

O que escondem os túneis subterrâneos esquecidos de São Paulo, FSP

 Gustavo Basso

São Paulo | DW

Quem circula diariamente pela estação Pedro 2º, no centro de São Paulo, dificilmente imagina que, 20 metros abaixo dos trilhos, existe uma plataforma que jamais recebeu um trem. Uma espécie de estação fantasma, resultado de um projeto de expansão do metrô paulistano que acabou abortado —mas que encontrou novo uso em noites geladas: abrigo emergencial para a população em situação de rua.

A plataforma subterrânea foi construída nos anos 1970, quando os engenheiros que projetavam o metrô acreditavam que a cidade cresceria em direção à zona sudeste. A ideia era que uma futura linha —hoje associada ao traçado da linha 4-amarela— fizesse um arco vindo de Pinheiros até o Ipiranga, interceptando a linha 3-vermelha no subsolo da Pedro 2º. O crescimento urbano, porém, seguiu outro ritmo e outras direções. A linha jamais foi construída naquele trecho, mas a estrutura foi mantida.

A imagem mostra o interior de uma grande estrutura circular com um teto alto e exposto. O piso é de concreto e há uma iluminação que destaca a forma do teto. As paredes são lisas e de cor clara, e há uma área com bancos ou assentos em um tom verde ao fundo. O ambiente parece ser um espaço amplo e industrial, possivelmente um ginásio ou uma pista de atletismo.
Plataforma construída nos anos 1970 na estação Dom Pedro 2º do metrô que nunca foi usada - Gustavo Basso/DW

"Essa plataforma foi feita já pensando numa linha futura. A engenharia da época deixou tudo pronto no subsolo para que não fosse preciso demolir a estação, caso o traçado fosse implantado", explica o arquiteto e gerente de projetos do metrô João Carlos Santos. "Se ela tivesse sido construída como previsto, hoje estaríamos exatamente aqui, esperando o trem."

Mesmo sem trilhos, o espaço subterrâneo não ficou abandonado. Desde 2022, durante as noites mais frias, o governo de São Paulo transformou o local em abrigo temporário com capacidade para cerca de 150 pessoas. Ali são oferecidos camas, mantas, roupas, alimentação, café da manhã e até um espaço específico para quem chega com animais de estimação —algo que em outros abrigos não é permitido.

"Recebemos homens, mulheres, famílias inteiras, inclusive com bebês e pets", relata o capitão Eduardo Schulte, diretor de recuperação da Defesa Civil de São Paulo. "Muitos preferem passar frio nas ruas a deixar seus animais. Aqui eles não precisam fazer essa escolha."

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Paulo Francisco de Oliveira, ex-cozinheiro, é um dos frequentadores do abrigo. Acolhido ao lado da companheira e de uma cadelinha de dois meses, diz se sentir mais seguro ali do que nos albergues tradicionais. "Você vai para um albergue, é pior até que na rua. Você leva uma coisa, o cara toma de você. Rouba. Aqui a gente consegue relaxar um pouco", afirma ele. No entanto, apesar do alívio, o sono de apenas uma hora a uma hora e meia se mantém. "Força do hábito."

Mistério da Engenharia

A ideia de uma rede de túneis inacabados ou estações fantasmas pode soar como algo saído de um romance de mistério. Mas, no caso paulistano, é fruto da combinação entre planejamento de longo prazo e mudanças nas dinâmicas urbanas. A capital paulista conta hoje com cerca de 104 quilômetros de linhas de metrô, menos da metade do que previa o plano original elaborado há cinco décadas. O traçado das linhas azul, vermelha e verde foi ajustado sucessivas vezes ao longo dos anos.

Algumas bifurcações e ramais planejados, como o Ramal Moema, entre as estações Paraíso e Ana Rosa, nunca se concretizaram. A bifurcação da linha azul, que teria como destino o bairro da zona sul, hoje é utilizada como estacionamento de trens de manutenção.

Na estação São Bento, outra obra subterrânea chama atenção: túneis com até 32 metros de profundidade, que mais lembram cavernas, isolados do solo por paredes conhecidas como "diafragma". Servem como contenção da colina histórica da região central, mantendo a estação seca e segura mesmo abaixo do leito do rio Anhangabaú.

"Essas paredes seguram toda a carga do entorno e funcionam como drenagem do lençol freático", explica José Luís de Carvalho, supervisor de manutenção. "Além disso, garantem que toda infiltração vá para o subsolo, aliviando a estação da pressão lateral."

Além da Pedro 2º, há outras plataformas "invisíveis" em diferentes pontos da cidade. Algumas servem como áreas técnicas, outras seguem interditadas ao público. Com o tempo, ganharam fama entre urban explorers, curiosos e até como cenário de lendas urbanas. Para os engenheiros do metrô, porém, são apenas vestígios de um sistema pensado com ambição e visão de futuro, mas que teve que se adaptar às transformações da cidade.

"No passado, havia essa preocupação em antecipar o crescimento urbano e já deixar preparado o que pudesse ser aproveitado depois", comenta João Carlos Santos. "A cidade mudou, os estudos também, e a demanda apontou para outros rumos. Mas o que ficou pôde ser ressignificado."

É o que vem acontecendo. Espaços projetados para trens se transformam, hoje, em abrigos. Túneis não utilizados garantem a estabilidade de estações. Plataformas inacabadas viram prova de que até nas profundezas esquecidas da cidade é possível encontrar uma função, abrigo e humanidade.