sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Lenio Streck - A prisão domiciliar de Jair Bolsonaro é correta? SIM, FSP

 

Lenio Streck

Jurista, professor e advogado

Assim como médicos não comemoram a morte, advogado não vibra com prisão. Afinal, liberdade é como antibiótico. Qualquer país democrático, contudo, possui mecanismos para conter infratores. A modernidade surge com a rejeição da barbárie. Quer dizer: a liberdade não é ilimitada.

O caso da tentativa de golpe ocorrido no país deixou de ser discutível. Afinal, são mais de 500 réus já condenados definitivamente. Agora só resta saber a responsabilidade de personagens como Jair Bolsonaro. Ocorre que, ao lado desse processo do 8 de janeiro, o ex-presidente se envolveu em novos imbróglios jurídicos, em conjuminação com seu filho Eduardo —quem, com orgulho e fanfarra, conspira contra seu próprio país a ponto de dizer, à la Shakespeare, que "se tudo der errado, pelo menos nós estaremos vingados". O "nós", para ele, são "os Bolsonaros".

A imagem mostra um homem de perfil, aparentemente em um ambiente interno. Ele está parcialmente coberto por uma sombra, e ao fundo é possível ver uma parede clara. A iluminação é suave, criando um contraste entre as áreas iluminadas e as sombreadas. O homem tem cabelo curto e está vestido com uma jaqueta escura.
O ex presidente Jair Bolsonaro (PL) em sua casa após ter a prisao domiciliar decretada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes - Gabriela Biló - 5.ago.2025/Folhapress

Resultado: como diz o ditado, de tanto ir ao moinho, a raposa perde o focinho. Foi o que aconteceu com Jair: depois de coagir com Eduardo, inclusive com apoio financeiro, teve contra si a decisão de usar tornozeleira eletrônica e outras medidas substitutivas de prisão. Já saiu, então, no lucro.

Tal decisão foi referendada pelo colegiado da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Pode-se dizer que o ministro Alexandre de Moraes coloca a prisão preventiva em segundo plano, preferindo apostar em medidas menos graves —por isso, a prisão domiciliar. Vejamos: a prisão, à luz da Constituição, é sempre a última medida. Por isso, a lei processual traz outras medidas menos graves do que a prisão, como recolhimento de passaporte, restrições de circulação etc. E o ideal, nessa perspectiva, é que, antes da decretação de uma prisão preventiva, sejam impostas medidas menos duras, porque a regra é a liberdade.

Sendo isso verdadeiro —e o é—, Bolsonaro já está na terceira chance: primeiro, o passaporte apreendido; segundo, a tornozeleira; e, terceiro, a prisão domiciliar em sua confortável residência em Brasília. Livrou-se da preventiva.

Ou seja, o controle em relação a ele —com o intuito de evitar uma sempre indesejável prisão preventiva— está escalonando. Sobre o descumprimento da cautelar que demandou esse maior rigor, dúvida não há: as medidas cautelares impostas a Bolsonaro previam a proibição de utilização de redes sociais, inclusive por intermédio de terceiros, e a impossibilidade de sair de casa aos finais de semana. O que ele fez e o que aconteceu? Burlou a decisão, como se não houvesse proibições.

O corriqueiro —e que provavelmente seria chancelado por qualquer tribunal do país— seria a imposição de prisão preventiva a Bolsonaro. Na "letra da lei", seria isso. Aliás, há dezenas de milhares de "não bolsonaros" presos sem o mesmo benefício de prisão domiciliar. No caso, Moraes foi brando, expandindo as hipóteses de cabimento de prisão domiciliar, nas quais, olhando bem os artigos 317 e 318 e 319 do Código de Processo Penal, a situação de Jair nem se encaixa.

Mas parece que isso não tem importância. Desde 1889 já passamos por 14 golpes e tentativas de golpes. O desejo de uma 15ª vez está em marcha. Inclusive, o Parlamento dá mostras, sabotando o início dos trabalhos, com nítida chantagem cujo preço é a anistia.

Alguém duvida que a democracia esteja sob ataque interno e externo? Os insurrectos querem, em nome do direito, burlá-lo. Ora, direito de defesa não é direito de golpear as instituições. Metaforicamente: liberdade não é poder esbofetear o juiz, como fez o filho de Henrique 4º, na peça de Shakespeare. Só que, ali, o juiz prendeu o filho do rei.

A situação é grave. Em nome da democracia não dá para promover a sua extinção. Nenhuma democracia comete haraquiri. Com seus atos, os Bolsonaros querem se beneficiar da própria torpeza, colocando a culpa na vítima. Aliás, querem acabar com a vítima.

Aí, não dá.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Atraso bem-vindo nas escolas cívico-militares, editorial FSP

 Tarcísio de Freitas (Republicanos) já conseguiu se livrar de alguns ranços ideológicos de seu padrinho político, Jair Bolsonaro (PL). No caso das câmeras corporais usadas por agentes da Polícia Militar, passou de crítico a apoiador.

Na educação, porém, o governador de São Paulo insiste nas escolas cívico-militares —promessa feita à base bolsonarista.

Devido a atrasos na seleção dos policiais aposentados e a ações na Justiça, o modelo, que deveria entrar em vigor neste semestre, talvez só seja adotado em 2026. Espera-se que esse adiamento possa contribuir para uma reavaliação que leve ao abandono de uma iniciativa educacional desprovida de evidências de melhoria em aprendizagem.

Segundo o plano, serão contratados 208 policiais para atuar como monitores em projetos de ética, cidadania e civismo, além de cuidar de aspectos disciplinares, como entoação de hinos e uso de uniformes pelos alunos.

Pela tarefa, cada agente receberá R$ 301,70 por dia, o que pode render até R$ 6.000 mensais, caso a carga máxima de 40 horas seja cumprida. O gasto estimado pelo governo paulista é de cerca de R$ 7,2 milhões.

Não há solução mágica para eliminar os gargalos na educação. Escolas militares de fato têm notas superiores, mas isso não se deve à disciplina da caserna, e sim a verbas maiores e a um rígido processo seletivo de estudantes.

De mais de 5.500 escolas da rede de ensino, só 302 se interessaram pelo programa e 132 receberam aval da comunidade. A Secretaria de Educação do estado selecionou 100 unidades.

O problema é que, como revelou a Folhaapenas 22 delas não alcançaram as médias estaduais do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mais recente, relativas a 2023, para o 9º ano do ensino fundamental (5,1) e o ensino médio (4,2) —enquanto o plano da gestão Tarcísio, em fevereiro de 2024, era implantar o modelo em escolas com baixo desempenho no Ideb.

Além disso, 90 atendem alunos de nível socioeconômico médio alto, de acordo com critérios do Ministério da Educação (MEC).

O estado mais poderoso do país ainda não conseguiu superar o impacto da pandemia no ensino, enquanto outros mais pobres já o fizeram. Em 2019, as referidas pontuações do Ideb foram de 5,3 e 4,2, respectivamente.

É preciso abandonar crendices e bandeiras ideológicas e expandir iniciativas que têm aporte em dados técnicos, como o ensino integral, as mudanças exigidas pela reforma do ensino médio e a educação profissionalizante.

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