quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Energia solar flutuante deve chegar a usinas hidrelétricas Jerson Kelman, FSP

 O uso de placas solares no Brasil para geração de eletricidade tem crescido exponencialmente. Há instalações de pequeno e médio porte, conectadas à rede elétrica da distribuidora local de eletricidade, chamadas de geração distribuída (GD); e de grande porte, conectadas à rede de alta tensão gerenciada pelo Operador Nacional do Sistema (ONS).

Placas solares acrescentam "energia" ao sistema, mas não "potência". Explico: "energia" é a capacidade de atender à demanda energética média num intervalo de tempo e "potência" é a capacidade de atender à demanda energética instantaneamente. Essa distinção é relevante porque atualmente o sistema elétrico tem sobra de energia e falta de potência.

Num ambiente de decisões racionais, com sinais econômicos corretos e não deformados por subsídios que há muito deveriam ter sido extintos, os investimentos no curto prazo seriam direcionados somente para fontes provedoras de potência. Porém, na medida em que a demanda por eletricidade volte a crescer, também crescerá o espaço na matriz elétrica por novas instalações solares.

A imagem mostra uma usina solar flutuante instalada sobre um corpo d'água. A estrutura retangular composta por painéis solares está posicionada no centro do lago, cercada por água verde. À esquerda, é possível ver uma área de terra com vegetação e uma estrada. No fundo, há uma pequena construção e uma linha de separação na água.
Usina Fotovoltaica Flutuante (UFF) Araucária, a maior do país, localizada na represa Billings, próximo do encontro com o rio Jurubatuba - Eduardo Knapp/Folhapress

Com essa visão, é importante considerar a opção de expansão da geração solar não apenas por meio de instalações terrestres, mas também por meio de placas flutuantes. Atualmente há poucas instalações desse tipo, algumas beneficiadas por verbas de pesquisa a fundo perdido e outras por subsídios destinados à GD. No médio prazo, é preciso pensar em placas flutuantes nos reservatórios das usinas hidroelétricas (UHEs) que não dependam de subsídios e que sejam conectadas à rede gerenciada pelo ONS. Idealmente, essas UHEs se tornariam usinas híbridas, passando a produzir energia não só com água que passa pelas turbinas, mas também por meio da radiação solar.

A consultoria PSR desenvolveu um estudo para verificar a viabilidade técnica e econômica dessa hibridização. Considerou os preços horários da energia (PLD) no período 2015-2023, a insolação em cada UHE e a capacidade da correspondente subestação de absorver a geração extra. O estudo mostrou que seria possível instalar 25 GW (geração média seria de 4,2 GWm) em 28 UHEs com cobertura média dos correspondentes espelhos de água de apenas 0,7%. Ou seja, o impacto ambiental seria insignificante.

Placas solares flutuantes têm duas desvantagens quando comparadas às terrestres. Primeiro, custam mais caro devido à estrutura onde são montadas e à ancoragem. Segundo, não dispõem de rastreadores para acompanhar o movimento do Sol.

Por outro lado, placas solares não ocupam áreas agricultáveis e podem ser instaladas nas UHEs do Sudeste e Sul, onde ocorre o maior consumo de eletricidade. Podem ser conectadas às subestações das UHEs e usar a rede de transmissão já existente, resultando em menos cortes forçados de geração, os chamados curtailments.

A unidade de geração híbrida (geração com água e radiação solar) ofereceria ao sistema não apenas energia, mas também os demais atributos necessários para a confiabilidade de atendimento: potência, flexibilidade e inércia. Porém, o enquadramento como híbrida —e não como uma associação entre duas usinas, uma hídrica e outra solar, para compartilhamento da mesma estrutura de transmissão— demandaria alguns ajustes regulatórios que escapam ao alcance desse artigo.

Sérgio Rodrigues - Trairagem é sabor de sorvete da moda. FSP

 Palavras são bichos muito engraçados. Que sentido faz que a tradição e a traição tenham um ancestral comum, o verbo latino "tradere", se são vocábulos tão diferentes e quase opostos em espírito —o primeiro traduzindo um patrimônio ancestral que impõe respeito e o segundo, uma deslealdade, uma quebra de confiança?

Como diria Chicó, só sei que foi assim. O mais curioso é que essa bifurcação semântica não teve origem em derivas históricas posteriores, como ocorre com frequência. O "tradere" do latim clássico já trazia os dois significados de berço.

A explicação é mais simples do que parece. O sentio do verbo (nascido de "trans + dare") era basicamente o de dar algo a outro, isto é, entregar –palavra que também combina lados positivos e negativos, dependendo daquilo que (e para quem) se dê. Cabe dentro dela a distância astronômica que separa o entregador do entreguista.

É assim que o ato de "tradere" abarcava tanto o que se ensinava a discípulos ou se deixava de herança aos filhos, ideia que veio a dar na palavra tradição, quanto aquilo –causa ou pessoa– que se atraiçoava de forma vil para entregar ao inimigo ou ao carrasco.

A traição chegou primeiro ao português, ainda no século 13. Era o tempo em que os falantes daquele canto da Península Ibérica se empenhavam em exterminar as consoantes latinas que vinham entre vogais. Mataram o D de "tra(d)ição" sem dó, como o plano Punhal Verde e Amarelo previa fazer com Alexandre de Moraes.

Motocarreata pelo impeachment de Alexandre de Moraes na avenida Paulista - Rafaela Araújo/Folhapress

A tradição demorou bem mais a dar as caras. Só desembarcou por aqui no início do século 17, quando, envergonhada de suas raízes plebeias, nossa língua desandou a buscar formas cultas diretamente no latim para se gentrificar. Desse modo, como Alexandre de Moraes quando o comandante do Exército disse não ao golpe de Bolsonaro, o D de "tradição" teve sua vida poupada.

Se as palavras são bichos muito engraçados, a história consegue ser ainda mais pândega. Basta ver o modo como a família do ex-presidente e seus partidários remanescentes tentam, esgotados os demais recursos, refundir tradição e traição na tentativa de livrá-lo da cadeia inevitável.

A tradição é uma bandeira associada à banda direita do espectro político-ideológico. Vamos deixar de lado a hipocrisia oportunista que sempre esteve associada a essa defesa dos "valores tradicionais" e apontar que, de todo modo, a pátria é um dos mais sacrossantos entre eles.

No entanto, eis que gente à beça dessa mesma banda direita não hesita nem por um segundo em oferecer de bandeja a soberania nacional –instituições, riquezas, dignidade, tudo– a uma superpotência nuclear estrangeira. Pior: a uma superpotência nuclear estrangeira governada por um autocrata infantiloide e desequilibrado.

Sim, o momento histórico é inédito e muito intrigará os estudiosos do futuro, se futuro houver. Quem podia imaginar que tradição e traição se dariam as mãos depois de tantos séculos? No tempo de Judas Iscariotes esse tipo de trairagem saía muito caro. Está saindo baratinho agora, mas o jogo não terminou.

E daí que Bolsonaro tem liberdade de expressão?, Thiago Amparo, FSP

 É fácil defender em abstrato que Jair Bolsonaro tem direito à liberdade de expressão, como qualquer outro possui (ou deveria possuir) no Brasil.

A zona adquire 50 tons de cinza quando a análise abstrata se espatifa no chão da realidade: Bolsonaro não tem direito à expressão se e na medida em que a expressão em si é uma das ilicitudes pela qual está sendo acusado. Bolsonaro ter a liberdade de expressar, por si ou por terceiros, ordens de coação e obstrução de Justiça é o mesmo que dizer que um estelionatário tem a liberdade de postar um link falso para vender coisa que não seja sua.

Um namorado acusado de crime de agressão possui a liberdade de expressar em rede social a vontade de matar sua companheira? Um funcionário acusado de crime de racismo possui a liberdade de expressar pelo WhatsApp que seu colega de trabalho parece um escravo? Uma vizinha acusada de crime de perseguição possui a liberdade de expressar sua obsessão pela moradora ao lado monitorando as redes sociais desta e enviando-lhe mensagens incessantemente?

O namorado abusivo, o funcionário racista e a vizinha obsessiva, todos, possuem liberdade de expressão, mas não possuem a liberdade de, por meio da expressão, perpetuar o ilícito sobre o qual estão sendo acusados, sob pena de frustrar a própria eficácia da persecução penal.

Bolsonaro não possui a liberdade de forçar goela abaixo no STF a sua própria absolvição. Comparar o caso de Bolsonaro ao da censura condenável à entrevista de Lula em 2018 é comparar maçãs com laranjas.

Manifestantes têm o pleno direito de ocupar a avenida Paulista com as cores verde e amarelo a favor de uma intervenção dos EUA no Brasil, políticos bolsonaristas e advogados de Bolsonaro têm o pleno direito de criticar Moraes e de questionar, por vias legais, a decisão de Moraes.

O tipo de liberdade que Bolsonaro defende é a de destruir o país sem se responsabilizar pela destruição que causa, como um incendiário que ordena que se ateie fogo ao parquinho mas se recusa a pagar pelo dano e ainda reclama que se queimou.