quarta-feira, 4 de junho de 2025

Gilmar articula ofensiva para volta da homologação de rescisão trabalhista em sindicato, FSP

 Raphael Di Cunto

Brasília

O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), articula com parlamentares e com o setor financeiro um projeto de lei para a volta da homologação das rescisões de contratos de trabalho nos sindicatos. O objetivo é estimular a tentativa de conciliação prévia e diminuir o volume de litígios que chegam ao Judiciário.

As ações trabalhistas tiveram queda logo após a reforma trabalhista, aprovada pelo Congresso em 2017, mas voltaram a subir e bateram recorde. Em 2023, foram 4,19 milhões de novos processos na Justiça do Trabalho, alta de 28,7% em relação ao ano anterior, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Uma das mudanças da reforma trabalhista foi excluir os sindicatos dos processos de homologação das rescisões. Para o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (Solidariedade-SP), isso aumentou a litigância nos tribunais. "Como não tem mais representante do trabalhador junto, ele assina e depois vai para a Justiça contestar", diz.

Um homem de cabelos grisalhos e óculos está olhando para baixo, com uma expressão séria. Ele usa um terno escuro e uma gravata clara. O fundo é desfocado, com algumas luzes e formas indistintas, sugerindo que ele está em um evento ou conferência. A imagem transmite um clima de reflexão ou preocupação.
O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), defende medidas para conciliação entre trabalhador e patrão para evitar judicialização de demandas trabalhistas - Allison Sales - 21.nov.24/Folhapress

Especialistas apontam como um dos fatores para a alta dos processos o afrouxamento das regras da reforma, após decisões do TST (Tribunal Superior do Trabalho) e do STF sobre Justiça gratuita. Em 2021, o Supremo decidiu que o trabalhador que tem direito à gratuidade e perde o processo contra o ex-empregador não pode ter cobrança de custas processuais.

Gilmar Mendes se reuniu com parlamentares há duas semanas para defender a necessidade de uma agenda legislativa positiva para o Congresso, de modo a evitar pautas que escalem a crise entre os dois Poderes, como a anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. O principal projeto sugerido no jantar foi esse, segundo quatro fontes ouvidas pela reportagem.

O texto foi protocolado por Paulinho da Força na Câmara nesta segunda-feira (2), após conversas com o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). Segundo o autor, Motta gostou da iniciativa e pretende incluí-la num pacote de projetos estruturantes para o país. "Vai tramitar com celeridade. Acredito que em agosto temos condições de votar", diz Paulinho.

O projeto propõe que a convenção coletiva da categoria ou acordo coletivo possa prever que a homologação das rescisões de contratos de trabalho tenha, obrigatoriamente, a assistência dos sindicatos, federações ou confederações. Esse acompanhamento poderá ocorrer presencialmente ou de forma remota, por meio de plataformas digitais.

Se houver divergência sobre as verbas devidas ao trabalhador, a homologação será assinada com essa ressalva, e o empregador terá 60 dias para oferecer proposta de conciliação para quitar as verbas questionadas. Se o prazo acabar sem acordo, o termo de homologação com a ressalva servirá como petição inicial para entrar com reclamação trabalhista na Justiça.

As verbas rescisórias que não forem contestadas no momento de assinatura da homologação serão consideradas quitadas de forma "ampla e irrestrita", o que impede que sejam questionadas judicialmente depois.


Trump falha com a 'metis' grega, Deirdre Nansen McCloskey., FSP

 Trump não está conseguindo o que deseja: a morte da democracia americana, com o rei Donald no comando. Já falei sobre a queda na sua aprovação nas pesquisas de opinião.

Por que isso? Não porque os americanos sejam adultos racionais que desejam claramente a igualdade de permissão e sabem que o estatismo não a produz. Os eleitores americanos são tão obtusos quanto os brasileiros. Eles são, em sua maioria, como dizem os cientistas políticos, "eleitores mal informados". Muito mal.

Na verdade, não é racional coletar informações para votar como um adulto. Seu único voto, apontam os economistas, tem impacto banal no resultado. A menos que você seja louco, o menor inconveniente para votar —uma chuva— deveria fazê-lo ficar em casa. Por isso faz sentido permitir que as pessoas votem de casa pelo computador, como na Estônia.

Uma pessoa está segurando uma bandeira azul com o texto em letras grandes: 'TRUMP - 2024' e abaixo, 'TAKE AMERICA BACK'. A bandeira tem um design com estrelas brancas e listras ao redor do texto.
Bandeira pró-Trump em Parkersburg, Virgínia Ocidental, após a eleição de 2024 - Megan Jelinger - 28.fev.25/Reuters

Eu disse "a menos que você seja louco". Vocês, caros leitores, certamente não são, mas a maioria das pessoas é. Elas votam de acordo com suas paixões, seus ódios, seus medos irracionais, suas esperanças absurdas. Uma campanha eleitoral serve para despertar emoções, não para explicar prudência e justiça adultas. Se fosse assim, o Brasil teria livre comércio, tanto externa quanto internamente, e Trump não conseguiria se safar com tarifas absurdas sobre países que não se curvassem ao rei Donald.

Mas governar não é eleição. É verdade que tanto Trump como Milei, com objetivos diferentes para seus países —um autoritário, o outro libertador—, são hábeis em manter o despertar das emoções. É como os faraós egípcios, que navegavam pelo Nilo para que seus súditos pudessem ver seu deus-líder, ou como os reis ingleses, que viajavam de castelo em castelo de seus subordinados aristocráticos para lembrar-lhes quem mandava e mostrar ao povo quem era o glorioso. A mídia moderna torna essas viagens desnecessárias se os eleitores simplesmente ouvirem os meios de comunicação que expressam suas paixões, como Fox News ou MSNBC nos EUA.

Mas, repito, por que ele perderá? Porque fez tudo rápido demais. Isso alarmou até alguns de seus eleitores mal informados. Trump não tem paciência nem inteligência para um jogo duradouro. Tiranos bem-sucedidos vão devagar e vencem, como Erdogan na Turquia, ou Putin, querido amigo de Trump, ou outro amigo, o húngaro Orbán, ou outro amigo autoritário, o príncipe Mohammed bin Salman Al Saud. Todos conhecem o provérbio do sapo que é cozido sem protestar em água cada vez mais quente.

Trump elaborou seus planos rapidamente, de modo desleixado e inconstitucional. Falta-lhe o que os gregos chamavam de "metis" —capacidade sábia, em comparação, digamos, com a força bruta dos persas. É judô, usa-se o peso do oponente contra ele mesmo, ou como em "A Arte da Guerra", de Sun Tzu, usa-se a preparação lenta e inteligente em vez de improvisação precipitada e imprudente. "Metis" é trapaça inteligente, como a que os ucranianos estão usando contra os russos desastrados. Os truques de Trump são impulsivos demais para o sucesso em longo prazo numa autocracia.

Até o impulso funciona numa autocracia tradicional. Mas não em um país onde a opinião pública importa.

Humorista Leo Lins é condenado à prisão por discriminar minorias em show de stand-up, Conjur

 Por constatar que as falas do réu causam constrangimento, humilhação, vergonha, medo e exposição indevida a negros, idosos, portadores do vírus HIV, homossexuais, judeus, indígenas, pessoas com deficiência, nordestinos e pessoas gordas, a 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo condenou o humorista Leo Lins a oito anos e três meses de prisão no regime fechado por discriminação e preconceito em um show de comédia stand-up.

Reprodução/Instagram
Humorista Leo Lins falando ao microfone

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Lins foi condenado pela prática dos crimes do artigo 20 da Lei do Racismo (praticar e incitar “discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”) e do artigo 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (“discriminação de pessoa em razão de sua deficiência”).

Ele também precisará pagar uma multa equivalente a 1.170 salários mínimos (no valor da época em que o show ocorreu) e indenização de R$ 303,6 mil por danos morais coletivos.

Contexto

A apresentação em questão aconteceu em Curitiba em 2022 e foi disponibilizada no YouTube. A exibição do vídeo foi suspensa no ano seguinte por decisão liminar, após o Ministério Público Federal denunciar o comediante. À época, já contava com mais de três milhões de visualizações.

O órgão alegou que Lins fez comentários “odiosos, preconceituosos e discriminatórios” contra diversos grupos vulneráveis, “reproduzindo discursos e estereótipos que incentivam a perseguição religiosa, a exclusão das minorias e discriminação contra pessoas com deficiência”.

Em sua defesa, o humorista alegou que apenas interpretou um personagem no palco, sem intenção de incitar discriminação ou preconceito. A defesa disse que as piadas “proporcionam um ponto de vista diferente às pessoas, fazendo-as se sentirem incluídas”.

Na ocasião, Lins disse que alguns nordestinos têm “aparência primitiva” e que um deles — visto pelo comediante em um avião — seria apenas “72%” humano.

Ele ridicularizou pessoas gordas e sugeriu que elas “comessem” homossexuais sem camisinha com o objetivo de contrair Aids e emagrecer. Nesse momento, o próprio humorista admitiu que a piada era preconceituosa.

Lins ainda comparou pessoas gordas a aparelhos de musculação e aos robôs da franquia de brinquedos e filmes Transformers.

Em outro momento do show, o comediante ironizou a ideia de que pessoas negras não conseguem arrumar emprego: “Na época da escravidão já nascia empregado e também achava ruim.”

Na sequência, ele disse que a Quarta-Feira de Cinzas deveria ser um feriado para os judeus. Na mesma apresentação, o humorista se referiu ao “índio” como “uma coisa primitiva que não devia mais existir”.

Lins também afirmou que não respeita as testemunhas de Jeová, “imitou” pessoas mudas de forma pejorativa, disse já ter contratado intérprete de Libras “só para ofender surdo-mudo”, caçoou dos movimentos corporais de cadeirantes, simulou atirar pessoas com nanismo no chão e zombou de pessoas com autismo.

Fundamentação

A juíza Barbara de Lima Iseppi lembrou que a Lei 14.532/2023 alterou a Lei do Racismo e passou a prever que qualquer “constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida” direcionado a pessoas ou grupos minoritários em razão da cor, etnia, religião ou procedência deve ser considerado como uma atitude discriminatória.

Ela viu incitação à discriminação e ao procenceito “em razão de procedência nacional ou regional” nas falas sobre nordestinos, além de “declarações depreciativas e injuriosas” contra idosos, pessoas gordas, portadores do vírus HIV, homossexuais, judeus, evangélicos, indígenas e negros — “inclusive exaltando o período escravagista como época em que negros gozavam de privilégios”.

Todas essas ofensas foram suficientes para enquadrá-lo na Lei do Racismo. Já as falas, os gestos, as imitações e humilhações quanto a pessoas com deficiências auditivas e físicas, com nanismo e autismo justificaram a condenação pelo crime previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Iseppi verificou dolo no conteúdo das falas do comediante, já que ele próprio disse “saber ser preconceituoso” e fez piada de tal fato. “O réu, ao criar as falas de seu show, reflete sobre a real possibilidade de ofender pessoas e, mesmo assim, além de decidir prosseguir com a ‘piada’, demonstrando inclusive descaso com possível reação das vítimas.”

Na visão da magistrada, se Lins não tivesse plena consciência de que promovia discuros discriminatórios, “nada diria a respeito de ser preso, processado, ‘cancelado’”. Ela entendeu que a ação foi “livre e voluntária”.

Ainda segundo a juíza, a tese de que ele não deveria ser punido devido à intenção de causar humor ou diversão — o chamado “animus jocandi” — vem de uma época em que piadas com referências a minorias eram toleradas “sob o fundamento da liberdade ilimitada do humor”.

Mas, atualmente, esse recurso argumentativo é “dissonante da dignidade da pessoa humana” e não pode ser usado como um “Habeas Corpus perpétuo” para a prática de ofensas. Isso já foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (AREsp 2.326.818).

“A sociedade chegou em um ponto de evolução de direitos em que não se pode admitir retrocessos como a prática de crimes sob pretexto de humor”, disse Iseppi. Para ela, as falas do réu “manifestam ideias preconceituosas e discriminatórias que não podem ser toleradas ou normalizadas sob o escudo de ‘humor'”.

A magistrada ainda afirmou que o contexto de “descontração e diversão”, na verdade, é uma causa de aumento para o crime, trazida pela Lei 14.532/2023 com o intuito de punir o chamado “racismo recreativo”.

A norma prevê duas hipóteses qualificadoras do crime de preconceito e discriminação aplicáveis ao caso: o crime foi cometido por intermédio da internet e no contexto de atividades artísticas e culturais.

Embora a defesa dissesse que as falas eram parte de um personagem restrito ao ambiente reservado de um show de comédia, a juíza lembrou que o vídeo foi divulgado pelo próprio réu na internet, “cujo alcance é incontrolável”.

De qualquer forma, ela considerou “não se tratar de personagem, mas sim da pessoa, o comediante Leo Lins quem ali está a proferir os discursos”.

Algumas testemunhas alegaram que não se sentiram ofendidas ou discriminadas pelas falas do humorista. Mas Iseppi afirmou que isso não interfere na sua conclusão, pois os crimes em questão não dependem de “um resultado específico ou dano material”. Basta a intenção de discriminar.

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Processo 5003889-93.2024.4.03.6181