domingo, 25 de maio de 2025

Aterro com produção de biometano vira dilema em Manaus, e empresa vê R$ 200 milhões em risco, FSP

 Pedro Lovisi

MANAUS

Quase todo o lixo de Manaus vai parar em um aterro que não apenas deixa de seguir as normas ambientais como também já está fora da validade desde 2023. Ainda assim, a capital amazonense vive um dilema para colocar em funcionamento um aterro sanitário moderno e já pronto.

A Marquise Ambiental, uma das maiores empresas de coleta e tratamento de resíduos sólidos do país, finalizou no ano passado um empreendimento de R$ 200 milhões com o intuito de receber os resíduos sólidos de Manaus. A empresa ainda pretende investir mais R$ 70 milhões com a instalação de equipamentos capazes de gerar biometano (um combustível limpo) a partir do lixo armazenado.

CTTR Amazonas, da Marquise Ambiental, em Manaus - Divulgação

Mas faltou combinar com a prefeitura. Isso porque, para colocar o aterro em operação, a Marquise Ambiental –que também atua na coleta de lixo em Manaus– precisa assinar um contrato com o Executivo municipal para que ela seja a prestadora do serviço da capital.

Hoje, o aterro que recebe o lixo manauara é administrado pela própria prefeitura. O executivo conseguiu no ano passado uma decisão da Justiça para que ele continue operando até 2028, ainda que a pilha de lixo no local esteja cada vez maior.

O impasse tem origem na localização do novo aterro, a 40 quilômetros da capital e a 200 metros de um igarapé importante para a cidade –acima dos 30 metros restringidos pelo código florestal.

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Apesar de o empreendimento já ter a licença ambiental para operar, estudiosos, organizações da sociedade civil e vereadores apontam para a possibilidade de o aterro contaminar o igarapé do Leão, que faz parte da bacia do Tarumã-Açu, afluente do Rio Negro.

A resistência é tão grande que a prefeitura tem evitado assinar o contrato com a empresa, dona também de um aterro semelhante próximo a Fortaleza, referência no tratamento de resíduos sólidos e responsável por 10% da produção de biometano do país.

Evento organizado na última terça-feira (20) pela empresa em Manaus, por exemplo, reuniu jornalistas, mas não contou com a presença de autoridades do alto escalão tanto da prefeitura quanto do governo estadual. O fato chamou atenção, já que em outros contextos eventos organizados por empresas desse porte tendem a reunir prefeitos, governadores e parlamentares.

Além da aparente contradição com a atual realidade de Manaus, a situação é curiosa porque o biometano é um dos principais combustíveis com potencial de descarbonizar parte da indústria energointensiva. Ele tem a mesma molécula do gás natural e pode ser injetado nos gasodutos do país, fazendo com que parte do gás consumido pela indústria venha de fontes limpas.

Justamente por isso, a eventual produção de biometano na região poderia alimentar o parque industrial de Manaus ou até mesmo compor a rede de gasodutos do estado –a exemplo do que já é feito no Ceará, onde o biometano é 15% do gás transportado. A lei do combustível do futuro, sancionada pelo presidente Lula no ano passado, fixa que a partir de 2026 ao menos 1% da comercialização de gás natural no país seja feita com biometano (a proporção vai subindo gradualmente até atingir 10%).

"Já estamos em conversa com a distribuidora de gás do Amazonas, que é uma empresa que tem visão muito forte da necessidade de descarbonização. Mas também estamos fazendo análise com o polo industrial de Manaus, que é próximo, para entregar via caminhão", afirma Hugo Nery, diretor-presidente da Marquise Ambiental. "Mas a nossa intenção primeiro é fazer com que o CTTR [Centro de Tratamento e Transformação de Resíduos] opere", pondera.

Mario Sergio Conti -Israel do rio ao mar, FSP

 Às vésperas de completar 600 dias, a guerra em Gaza só piora. As atrocidades de hoje são maiores que as de ontem e menores que as de amanhã. Mais de 51 mil palestinos já morreram, incluindo 15.506 crianças e 916 bebês de menos de um ano. São cifras defasadas: Israel matou mais 29 meninas e meninos na quinta-feira (22).

A contagem é feita pelo Ministério da Saúde local, que, se não diferencia vítimas civis das militares, dá o nome de todas. Como o Hamas o dirige, Israel diz que as cifras mentem, mas oculta quantos cadáveres produziu. Tampouco autoriza a entrada de jornalistas no enclave.

Nem por isso Gaza é indevassável. Há vídeos de repórteres que moram ali e fotos de satélite. As imagens dos últimos dias mostram a agonia de crianças esquálidas e olhos saltados. Moleques de nariz escorrendo que estendem panelas vazias a adultos perplexos. Ruínas e mais ruínas

Como fundo sonoro para os filmes da fome, Netanyahu e seus ministros proclamaram que tanques tomarão territórios; os palestinos serão chutados para os quintos; Gaza será governada por eles. Nada de dois Estados, será Israel do rio ao mar, do Jordão ao Mediterrâneo.

Até os governos europeus protestaram. Pode ter sido um revide extraoficial às críticas, ou os soldados israelenses estavam distraídos, o fato é que mandaram bala em diplomatas europeus que entraram em Gaza. A resposta oficial foi a cabala de sempre: quem contesta a matança é antissemita.

O aluvião de críticas refluiu graças a um terrorista norte-americano. Assim que ele fuzilou um casal de funcionários israelenses, Netanyahu gritou que seus críticos eram cúmplices de "assassinos em massa, estupradores, matadores de bebês e sequestradores". Gastou mais tempo difamando Macron do que censurando o assassino em Washington.

O discurso tétrico lembrou o verso de W.H. Auden que fala da "fria e controlada ferocidade da espécie humana". O poeta também foi lembrado por ser o autor de "Espanha, 1937", a "Guernica" literária da Guerra Civil Espanhola, o canto que cata os cacos dos combates e os atira ao futuro. Ele parece se referir a Gaza, às angústias de agora.

No centro da imagem uma mulher amamenta um bebê. A mulher está vestida com uniforme do exército israelense e, o bebê com um macacãozinho rosa, está envolto em um lenço típico.
Bruna Barros/Folhapress

Aos 30 anos, Auden era uma das figuras mais estimadas da esquerda britânica. Como Hemingway, engajou-se nas Brigadas Internacionais e foi defender a República na Guerra Civil. Na volta, escreveu "Espanha, 1937", que logo estava em todas as bocas.

Houve quem o criticasse. Orwell, um dos primeiros, fixou-se no verso "a aceitação consciente da culpa quando é necessário assassinar". Amigos judeus dizem algo parecido: a morte de inocentes horroriza, mas é necessária para proteger Israel, temos consciência disso.

O autor de "1984" acusou Auden de escrever com essa dureza porque "nunca cometera um assassinato, nenhum de seus amigos fora assassinado, talvez nunca tenha visto o cadáver de alguém assassinado".

Orwell, que também fora à Espanha, tomara um tiro no pescoço e vira pilhas de mortos, disse que "não escreveria com leveza sobre homicídios". A primeira crítica, pois: Auden falava do que não sabia, compunha versos abstratos para falar de mortes concretas, fingia emoções.

"Eu não falaria levianamente sobre assassinatos", continuou. "Para mim, o homicídio deve ser evitado. Qualquer pessoa comum acha isso." Pegou pesado: "Os Hitler e os Stálin acham a morte necessária, mas não propagandeiam sua insensibilidade". Segunda crítica, então: "Espanha, 1937" era irresponsável, amoral, insensível.

Auden mudou-se para Nova York e estava lá no dia em que Hitler invadiu a Polônia e deflagrou a Segunda Guerra Mundial. Rascunhou no balcão de um bar da rua 52 talvez a mais famosa das suas obras, "1º de Setembro de 1939". Ela diz:

"O povo todo sabe, até eu,
O que toda criança aprende:
Aquele a quem se faz o mal
Revidará, e mais mal fará"

O povo todo sabe que os palestinos revidarão o mal de que são vítimas, e os israelenses se vingarão do mal que lhes é feito. Apesar do encadeamento categórico de maldade e revanche, o poema propõe: "Amemos uns aos outros ou morreremos". Na época, Auden se afastava do marxismo e se aproximava do cristianismo, o que pode explicar o verso.

O poeta veio a voltar atrás e abjurou tanto "Espanha, 1937" como "1º de Setembro de 1939". Justificou-se: eram poemas "desonestos", expressavam "sentimentos e crenças que seu autor nunca teve", uma evidente inverdade.

Nenhuma guerra satisfaz a todos, há vencedores e vencidos. A força faz com que uns ganhem e outros percam. A força, não a poesia.

Rodrigo Zeidan - Deitado eternamente em berço esplêndido, FSP

Países melhoram quando governos usam as curtas janelas de oportunidade para implementar políticas certas, mas impopulares. Podemos resumir opções políticas em uma matriz que combina a popularidade de uma medida e sua eficácia para resolver algum problema social. Normalmente, já exaurimos políticas boas e populares há décadas.

Ninguém discute que o governo deve prover saúde, educação e segurança social em alguma medida. O problema é quando o presidente vende medida popular, mas ruim. É nesse rio que os populistas nadam de braçada. Difícil mesmo é implementar reformas impopulares, especialmente de longo prazo. Os incentivos do ciclo político premiam políticas de curto prazo. Além disso, é custoso, politicamente, confrontar o legislativo e o resto da sociedade para passar medida impopular.

O presidente Lula durante cerimônia em Brasília
O presidente Lula durante cerimônia em Brasília - Gabriela Biló/Folhapress

Os primeiros governos FHC e Lula foram excelentes exatamente porque eles exauriram seu capital político em reformas profundas, vencendo oposições ferrenhas e colocando em risco suas reputações. Como exemplo, as privatizações de FHC e o Bolsa Família foram excelentes políticas que até hoje têm seus detratores. O PT foi contra muitas das reformas para sedimentar o Plano Real, enquanto vários partidos de direita tachavam de "assistencialismo baratoa maior política social da história brasileira, o Bolsa Família.

Isso também vale para o mundo. A reforma da previdência francesa, que elevou a idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos, é um consenso entre economistas. Mas Macron só conseguiu fazê-la por estar de saída e, mesmo assim, precisou de medidas extremas e controversas, ignorando os protestos que chegaram a parar o país.

Obviamente, não é preciso ser mágico para entender que um país vai para trás quando o presidente faz medidas ruins, sejam elas populares ou não. Os subsídios tresloucados dos governos Dilma e todo o conjunto da obra bolsonarista estão aí para mostrar isso (para não ser acusado de falsa equivalência, o governo anterior foi mil vezes pior; afinal, Dilma não tinha a pior equipe econômica da história nem vendia negacionismo científico em cadeia nacional de TV, gerando morte e caos).

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Populismo é a guerra comercial de Trump que vai jogar o mundo em uma recessão sem trazer nenhum benefício aos EUA, mas é fácil de ser difundida com o argumento de que vai trazer empregos para o país (não vai). O mesmo acontece com a deportação de imigrantes ilegais. É erro gigantesco de longo prazo, moral e economicamente, mas é fácil de ser vendida para o público.

Lula 3 não se encaixa em nenhum desses modelos. Não está fazendo nada de ruim. Ou de bom. É um governo no qual o presidente escolhe não gastar qualquer capital político, governando em velocidade de cruzeiro. Parece que estamos sendo governados por um político aposentado, deitado em berço esplêndido. Mas Lula já enfrentou crises dentro do partido, oposição ferrenha e mídia crítica para melhorar o país. Ele sabe fazer e também sabe o que acontece quando cai no populismo. Fazer o certo dá trabalho.

É claro que é mais fácil flanar pelo mundo aparecendo em fotos que trabalhar duro em medidas importantes, porém impopulares. Mas precisamos disso. De um presidente presente. Corajoso. E disposto a fazer mais.