Quase todo o lixo de Manaus vai parar em um aterro que não apenas deixa de seguir as normas ambientais como também já está fora da validade desde 2023. Ainda assim, a capital amazonense vive um dilema para colocar em funcionamento um aterro sanitário moderno e já pronto.
A Marquise Ambiental, uma das maiores empresas de coleta e tratamento de resíduos sólidos do país, finalizou no ano passado um empreendimento de R$ 200 milhões com o intuito de receber os resíduos sólidos de Manaus. A empresa ainda pretende investir mais R$ 70 milhões com a instalação de equipamentos capazes de gerar biometano (um combustível limpo) a partir do lixo armazenado.
Mas faltou combinar com a prefeitura. Isso porque, para colocar o aterro em operação, a Marquise Ambiental –que também atua na coleta de lixo em Manaus– precisa assinar um contrato com o Executivo municipal para que ela seja a prestadora do serviço da capital.
Hoje, o aterro que recebe o lixo manauara é administrado pela própria prefeitura. O executivo conseguiu no ano passado uma decisão da Justiça para que ele continue operando até 2028, ainda que a pilha de lixo no local esteja cada vez maior.
O impasse tem origem na localização do novo aterro, a 40 quilômetros da capital e a 200 metros de um igarapé importante para a cidade –acima dos 30 metros restringidos pelo código florestal.
Apesar de o empreendimento já ter a licença ambiental para operar, estudiosos, organizações da sociedade civil e vereadores apontam para a possibilidade de o aterro contaminar o igarapé do Leão, que faz parte da bacia do Tarumã-Açu, afluente do Rio Negro.
A resistência é tão grande que a prefeitura tem evitado assinar o contrato com a empresa, dona também de um aterro semelhante próximo a Fortaleza, referência no tratamento de resíduos sólidos e responsável por 10% da produção de biometano do país.
Evento organizado na última terça-feira (20) pela empresa em Manaus, por exemplo, reuniu jornalistas, mas não contou com a presença de autoridades do alto escalão tanto da prefeitura quanto do governo estadual. O fato chamou atenção, já que em outros contextos eventos organizados por empresas desse porte tendem a reunir prefeitos, governadores e parlamentares.
Além da aparente contradição com a atual realidade de Manaus, a situação é curiosa porque o biometano é um dos principais combustíveis com potencial de descarbonizar parte da indústria energointensiva. Ele tem a mesma molécula do gás natural e pode ser injetado nos gasodutos do país, fazendo com que parte do gás consumido pela indústria venha de fontes limpas.
Justamente por isso, a eventual produção de biometano na região poderia alimentar o parque industrial de Manaus ou até mesmo compor a rede de gasodutos do estado –a exemplo do que já é feito no Ceará, onde o biometano é 15% do gás transportado. A lei do combustível do futuro, sancionada pelo presidente Lula no ano passado, fixa que a partir de 2026 ao menos 1% da comercialização de gás natural no país seja feita com biometano (a proporção vai subindo gradualmente até atingir 10%).
"Já estamos em conversa com a distribuidora de gás do Amazonas, que é uma empresa que tem visão muito forte da necessidade de descarbonização. Mas também estamos fazendo análise com o polo industrial de Manaus, que é próximo, para entregar via caminhão", afirma Hugo Nery, diretor-presidente da Marquise Ambiental. "Mas a nossa intenção primeiro é fazer com que o CTTR [Centro de Tratamento e Transformação de Resíduos] opere", pondera.
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