domingo, 25 de maio de 2025

Hélio Schwartsman - Imortalidades, FSP

 "Imortalidades", o mais recente livro de Eduardo Giannetti da Fonseca, é muito bom. Trata do que possivelmente é o tema mais relevante que existe —a vida como a experimentamos é tudo o que há ou podemos transcendê-la?— e o faz com erudição, rigor e arte.

Antes de continuar, o alerta que costumo lançar quando o autor do livro que resenho é meu amigo. Sempre tento ser objetivo, mas a própria definição de amizade já embute uma boa dose de benevolência. Ciente disso, cabe ao leitor aplicar os descontos que julgar necessários.

A imagem apresenta um homem sentado em uma cama, com uma expressão pensativa e triste. Ele está vestido com um pijama azul e apoia a cabeça em uma das mãos. Ao fundo, há várias figuras femininas, algumas com flores na cabeça, que parecem estar interagindo entre si. O ambiente é colorido, com um fundo rosa e detalhes em azul e verde, incluindo uma cruz na parede e um quadro. A cena transmite uma sensação de solidão e reflexão.
Releitura de desenho sem título, de Tarsila do Amaral - Annette Schwartsman

"Imortalidades" consiste de 235 microensaios —forma a que Giannetti parece ter aderido definitivamente— que podem ser lidos de modo mais livre do que um texto corrido. Neles, o autor traça uma radiografia panorâmica das várias imortalidades que podemos conceber e as destrincha, recorrendo à ciência, à filosofia e à literatura.

Giannetti começa com a mais óbvia das imortalidades, que é a que atingimos ao não morrer. Ele discute as possibilidades de driblar a morte por meio de avanços tecnológicos (ou de ao menos prolongar bastante nossas existências) e examina as implicações psicológicas e, por que não
dizer, metafísicas disso.

Outras imortalidades retratadas são a dos religiosos (as várias versões da vida post-mortem), a dos que buscam perenizar-se através de realizações terrenas (obras, glória, descendência etc.) e aquelas que podemos vislumbrar ainda que só muito brevemente com o auxílio de drogas, meditação e mesmo das experiências de quase morte.

Cada uma das quatro partes do texto começa objetiva e impessoal, mas, nos parágrafos finais, Giannetti vai confessando a sua posição pessoal em relação ao tema e, ao fazê-lo, nos convida a também nos posicionarmos.

Você, leitor, é um imortabilista ou um mortabilista, isto é, gostaria de viver para sempre ou pensa que é justamente a duração limitada de nossas vidas que lhes dá beleza e significado? As melhores respostas são sempre menos óbvias do que clama nosso instinto de sobrevivência.

A censura do Judiciário à divulgação de seus privilégios, Editorial FSP

 

Imagem em primeiro plano mostra mulher negra posando para foto usando uma toga
Iris Helena Medeiros Nogueira, desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) - Divulgação/ TJ-RS

Servidores do Estado, incluindo integrantes do Poder Judiciário, são custeados por recursos públicos e estão sujeitos a críticas e questionamentos a respeito de seu trabalho e sua remuneração, desde que baseados em informações corretas. Esse entendimento singelo parece escapar a tribunais do país.

Por uma publicação de julho de 2023 que divulgava valores pagos em abril daquele ano no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), o jornal Zero Hora e a colunista de política do veículo Rosane de Oliveira foram condenados a pagar a indenização de R$ 600 mil à desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, então presidente da corte.

Nogueira recebeu à época o rendimento líquido de R$ 662.389,16, valor que inclui pagamentos de natureza indenizatória —os infames penduricalhos, por meio dos quais magistrados e outros profissionais da elite do funcionalismo driblam o teto salarial dos servidores, hoje de generosos R$ 46,4 mil mensais.

O valor exorbitante da indenização imposta representa evidente tentativa de desestimular o trabalho da imprensa na fiscalização do poder público, essencial para a democracia.

Na decisão da Justiça estadual, afirma-se que a reportagem criou um "narrativa enviesada e sensacionalista que associava a autora [a desembargadora] à figura de suposto privilégio imoral ou injustificado, fomentando a incompreensão do público leigo". Note-se que não se mencionam informações erradas no argumento.

Juízes não compõem uma casta isenta de escrutínio. A sociedade tem o direito de tomar conhecimento dos valores que destina ao custeio do Judiciário por meio de impostos, de modo a cotejá-los com o serviço que recebe em troca. Comparações internacionais mostram que o custo do sistema de Justiça no Brasil não tem paralelo entre as principais economias ricas e emergentes.

A despesa com tribunais aqui chega a 1,33% do Produto Interno Bruto, ante uma média de 0,3% do PIB entre 50 países examinados em análise do Tesouro Nacional. A disparidade evidencia salários incompatíveis com a realidade brasileira, dado que cerca de 80% do gasto do Judiciário é destinado a pagamento de pessoal.

Magistrados têm obviamente o direito de reivindicar a remuneração que lhes pareça adequada —embora não o de desrespeitar de modo sorrateiro o limite ora fixado na legislação. Inadmissível, sem dúvida, é que usem seu poder para intimidar veículos de comunicação e profissionais que apenas exercem seu papel de informar com dados públicos.

editoriais@grupofolha.com.br

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Atrasos do Supremo, Luís Francisco Carvalho Filho, FSP

 A mais alta corte do país vai discutir anistia. A da ditadura e dos torturadores, não a de Bolsonaro. Editada em 1979, a lei ainda é objeto de incerteza: o crime de ocultação de cadáver, pelo seu aspecto permanente, estaria mesmo perdoado?

O filme de Walter Salles reacende um debate que poderia estar encerrado há décadas. O país já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por não investigar os desaparecimentos do Araguaia.

Um dos processos, a ADPF 320, tramita desde 2014 no STF. Descansou por sete anos no gabinete do ministro Luiz Fux. Desde 2021 está na antessala de Dias Toffoli.

Pesadelos do arbítrio e da inflação sempre incomodam o sono de brasileiros.

Notícia da última semana, com 30 anos de atraso, o Supremo julga virtualmente perdas inflacionárias de planos econômicos dos presidentes Sarney e Collor de Mello: Bresser (1987), Verão (1989), Collor (1990) e Collor 2 (1991).

Na contramão da Constituição de 88, que impõe aparência moral para a coisa pública, a falta de transparência se instala no STF. Familiares de ministros advogam em causas judiciais milionárias. Não se sabe quanto recebem os ministros por palestra e os seus institutos pelos negócios que realizam por aí. Privilégios indenizatórios dos juízes se esparramam pela administração.

Em 2009, com atraso, o Supremo implodiu a Lei de Imprensa, inconstitucional. Um dos princípios estabelecidos é o de que "todo agente público está sob permanente vigília da cidadania", que qualquer autoridade pode sofrer críticas contundentes ou ásperas: ainda que injustamente ofendido, a indenização estará presa à "cláusula de modicidade".

Imagem aberta de plenário do tribunal, com juízes posicionados e um crucifixo ao fundo
Plenário do STF - Antonio Augusto - 18.set.24/STF

Pois o Código Penal está na direção oposta. A pena de prisão é maior em caso de crime contra a honra do funcionário público.

Mais uma incursão no túnel do tempo, o Supremo está inclinado a contrariar o enunciado de 2009, validar a diferença corporativa, estimular autocensura e proteger a reputação de seus próprios integrantes.

É comum o direito de crítica esbarrar no exagero. A contundência faz parte do jogo e a avaliação da gravidade de eventual desatino retórico, falado ou escrito, é eminentemente subjetiva.

Os ministros Barroso e Gilmar Mendes já trocaram ofensas em plenário. O atual presidente da corte afirmava, em 2018, que Gilmar é "pessoa horrível", uma "mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia". Chegou a dizer que o colega "não tem patriotismo" e que está "sempre atrás de algum interesse que não o da Justiça", "uma vergonha, um constrangimento". Em outra oportunidade, disse que Gilmar muda "a jurisprudência de acordo com o réu" e que isso não é "Estado de Direito", é "estado de compadrio".

Possivelmente, um magistrado de inclinação corporativista enxergaria graves ofensas nas frases destinadas ao ministro do STF, punindo-as com rigor, desde que proferidas, é claro, por uma pessoa qualquer. Mas seria tolerante em relação ao tom áspero e rude adotado pelo interlocutor, também ministro do Supremo, pela ausência de dolo e pela emoção que costuma temperar controvérsias políticas e jurídicas.

A intangibilidade que o ministro Flávio Dino tanto deseja ("não me chamem de ladrão") remete o Brasil para a década de 1940. Não faz sentido.