quinta-feira, 15 de maio de 2025

Maria Hermínia Tavares - O mau passo de Lula em Moscou, FSP

 Maria Hermínia Tavares de Almeida

Imagine se, em 2022, o presidente chileno Gabriel Boric tivesse vindo ao Brasil para participar dos festejos do 7 de Setembro, organizados por Jair Bolsonaro com o propósito de mobilizar seus apoiadores contra a democracia e as instituições que a garantem. O visitante poderia argumentar que sua presença se justificaria pelos valiosos acordos de cooperação entre os dois países, a serem firmados na visita.

Ocorre que, eleito por uma coalizão da esquerda democrática, lhe seria para lá de difícil explicar o que fazia no meio da extrema direita disposta a degradar as costumeiras comemorações da data nacional brasileira em um pré-carnaval golpista.

O presidente Boric não veio ao Brasil naquele 7 de Setembro, mas o presidente Lula foi a Moscou prestigiar a encenação de que o autocrata Vladimir Putin se serviu para perverter a comemoração da histórica derrota da Alemanha nazista pelos aliados, em 1945 —para a qual a União Soviética contribuiu com 27 milhões de mortos, entre civis e militares—, em exibição de seu vasto poder e legitimação de suas pretensões expansionistas sobre a Ucrânia.

A imagem mostra dois homens se cumprimentando com um aperto de mão. À esquerda, um homem de cabelo curto e claro, vestindo um terno escuro. À direita, um homem com cabelo grisalho e barba, também vestindo um terno escuro com uma gravata colorida. Ao fundo, há outras pessoas e bandeiras visíveis, sugerindo um ambiente formal, possivelmente uma reunião ou cúpula internacional.
Lula da Silva e Putin no Kremlin - Ricardo Stuckert - 9.mai.25/Presidência da República

A diplomacia presidencial, quando bem-feita, fortalece a ação externa de um país, agregando-lhe o peso da autoridade e o prestígio que a figura do primeiro mandatário suscita. Funciona como lente de aumento da atuação, por definição, mais discreta e continuada dos diplomatas profissionais, tão mais eficaz quanto mais capaz de demonstrar coerência de objetivos e escolha adequada dos meios para alcançá-los.

Por uma combinação de escolha e necessidade, a política externa brasileira tradicionalmente apostou em soluções pacíficas para conflitos internacionais e na ação concertada em organizações e arranjos multilaterais. À opção pelo multilateralismo somou-se uma orientação universalista na busca de parceiros para o comércio e para outras formas de cooperação. O país sempre esteve disposto a transacionar com todo o mundo e a se relacionar com todas as nações, fossem quais fossem seus regimes.

Com a Constituição de 1988, a defesa da democracia e o respeito aos direitos humanos vieram lustrar os princípios norteadores da atuação externa do país. Não por acaso, menos ainda por capricho, mas pela presumível convicção de que o regime de liberdades estaria mais bem garantido dentro de nossas fronteiras se também predominasse além delas.

De toda forma, ao longo destas quase quatro décadas, o exercício da política externa brasileira ancorada no universalismo e no respeito à soberania alheia nem sempre esteve sintonizada com o compromisso democrático. Talvez sirva de consolo o fato de que essa tensão real marca não apenas a ação exterior brasileira mas a de outras nações ocidentais.

As relações com regimes ditatoriais —como os da Rússia, Venezuela e China, entre tantos outros menos relevantes para nós—, assim como com países que perigam enveredar pelo mesmo caminho, como os EUA de Trump, colocam íngremes desafios para o país. Requerem pragmatismo, sutileza e muita nitidez quanto ao que se quer alcançar. Dispensam uma diplomacia presidencial desorientada e constrangedoramente submissa aos autocratas de todos os idiomas.

O fantasma à espreita do governo, Adriana Fernandes - FSP

 Brasília

O primeiro relatório do ano do Orçamento, a ser divulgado na próxima semana, vai apontar os desafios políticos que os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) terão ao longo de 2025 para equilibrar desejos antagônicos no governo para as contas públicas na reta final do terceiro mandato do presidente Lula.

O momento é chave porque o documento bimestral é uma peça fundamental da politica fiscal, que determina se será preciso congelar despesas.

O governo terá que ponderar se está disposto a algum sacrifício político em prol de credibilidade junto aos agentes econômicos ou se vai na toada de expansão fiscal.

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Os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Orçamento); os dois devem enviar ao Congresso, na próxima semana, o primeiro relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas do Orçamento deste ano - Gabriela Biló/Gabriela Biló - 11.dez.24/Folhapress

Antecipando-se ao anúncio, o número 2 da Fazenda, Dario Durigan, disse que haverá bloqueio e contingenciamento, mas não falou em valores. Marcou posição antes de Lula bater o martelo.

Os dois instrumentos têm finalidades diferentes —o primeiro é para atingir o teto de gastos e o segundo a meta fiscal—, mas ambos são indigestos para os investimentos do governo e as emendas dos parlamentares.

Neste caso do relatório, tamanho é documento. Há um ceticismo na capacidade da equipe econômica de conseguir aval de Lula para fazer um congelamento das despesas no tamanho suficiente para buscar o centro da meta.

Uma diferença que pode fazer com que o aperto fiscal indicado no relatório tenha uma extensão alargada, que pode variar, por exemplo, de R$ 10 bilhões a R$ 20 bilhões, a depender das hipóteses de estimativas que serão colocadas no papel.

Se o governo não ajustar toda a despesa subestimada, sobretudo com Previdência e BPC, nem reconhecer a receita que não entrará no caixa, ficará claro que o relatório terá um papel marginal ou nulo, ante o rumo que está sendo dado pelo Planalto até a eleição.

Ficaremos no mais do mesmo, sem pôr o país numa trajetória de solvência e sem o grau de investimento que Haddad acredita ser possível conseguir. Nada muda.

Se a preocupação com as contas públicas não ressuscitar neste mandato, esse fantasma vai assombrar perto da eleição.


Influencers e a banalidade do mal das bets, Thiago Amparo - FSP

 Em um mundo governado pelo visual, nenhuma imagem é por acaso. A participação de Virginia Fonseca na CPI das Bets no Senado é uma aula de semiótica em que cada detalhe —do moletom com a foto da filha à cor rosa do copo térmico, passando pela maquiagem leve e os óculos de grau— importa para imprimir uma mensagem de desconcentração e leveza (de inocência, portanto), em contraste com a aspereza da realidade de milhões de brasileiros cujo orçamento tem sido consumido pela compulsão em jogos e a vida devastada por depressão.

Em um mundo imagético —como é hoje o da política institucional, ao qual os senadores pertencem, e o do marketing digital, em que influenciadores faturam milhões—, a imagem não é acessória ao conteúdo; ela é o próprio conteúdo; e o conteúdo é a banalidade da desgraça alheia.

Influenciadores contribuem, dolosamente, com empresas cujo negócio é promover a perda financeira de famílias inteiras, mas se portam como peças inocentes da engrenagem que fingem desconhecer, embora esta não existiria se não lhe emprestassem seus milhões de seguidores.

Alguém desavisado que ligue a TV na sessão da CPI das Bets com influenciadores digitais, regada a perguntas despreparadas e selfies, talvez esqueça que não é uma live ou programa de amenidades.
Contrasta com a aparente descontração o fato de que, a cada mês, 3,5 milhões de novos jogadores passam a apostar em jogos online e bets, que apostadores no país perderam em 12 meses R$ 23,9 bilhões nesses jogos e que quintuplicou o gasto com o setor nas famílias mais pobres e triplicou na população em geral.

Ao assinar contratos que preveem bonificação por metas de lucro das casas de jogos online e bets apenas alcançáveis pela promoção da desgraça alheia (afinal, de nenhum outro lugar vem o lucro exponencial desses jogos destinados a viciar), influenciadores subscrevem um modelo de negócio peçonhento. Influenciadores deveriam responder por vender a imagem de que tal impacto, pimenta nos olhos dos outros, é um refresco cor-de-rosa.

Uma pessoa com cabelo longo e liso, usando óculos e um suéter preto com uma estampa colorida. Ela segura um copo rosa e está em um ambiente com um fundo de paredes em padrão geométrico. A expressão facial da pessoa é pensativa.
Virginia Fonseca na CPI das Bets no Senado - Gabriela Biló/Folhapress