sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Congresso e governo podem acabar com o jogo nas bets. Se quiserem, VTF, FSP

 Vivemos sob restrições de liberdades, para resumir uma discussão enorme. É obrigatório usar cinto de segurança ou votar. A interrupção voluntária da gravidez é proibida, afora exceções minoritárias. Podemos beber álcool até morrer ou matar, mas não usar maconha, crack ou heroína. Não se pode criar uma empresa gestora de prostituição (Cafetinex S.A.), mas não é crime se prostituir. Não se pode comprar dinamite ou urânio para uso recreativo (sarcasmo), embora se possa comprar fuzil de guerra. O sabido.

O que vai ser proibido ou permitido depende de regras de moralidade geralmente aceitas e de barganhas políticas e sociais de liberdades e de direitos. Com sorte, depende também de alguma ideia de autonomia, bem-estar social e redução de violências. Um meio razoável de interferir no debate moral ou político é ponderar custos e benefícios de proibições e liberações. É o que falta na discussão da desgraça das bets.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Opinião Preços mais justos para medicamentos, José Serra - OESP (definitivo)

 Numa população cada vez mais idosa, é imperativo discutir os custos associados à assistência à saúde. Hoje, cerca de 16% da população brasileira tem 60 anos ou mais de idade, o dobro do que tínhamos no início deste século. Até 2025, esse grupo etário terá novamente dobrado de proporção. Significa que estamos vivendo mais, o que é ótimo, mas precisamos estar desde já preparados para os impactos que o avanço demográfico acarretará na vida de todos. A saúde é onde essa mudança produzirá uma das consequências mais evidentes.

É nos tratamentos de saúde que os avanços tecnológicos mais se fazem notar. Novos equipamentos, novos medicamentos, novas terapias ajudam a salvar mais vidas e a produzir mais bem-estar para as pessoas. No entanto, essas inovações estão entre os bens mais caros que as modernas sociedades têm produzido, obrigando os decisores a mensurarem seus reais benefícios para a população, sejam eles custeados pelos serviços públicos – no nosso caso, o SUS – ou pela saúde privada.

Lidamos com recursos escassos e, portanto, precisamos fazer escolhas que maximizem os resultados para a sociedade. A melhor técnica sugere a tomada de decisões a partir de critérios científicos objetivos, baseados em evidências. Na saúde, o fundamento respalda-se na avaliação de custo-efetividade, avaliando benefícios adicionais que determinada terapia produz em comparação a outras já disponíveis. Os melhores, mais abrangentes e mais equilibrados sistemas de assistência do mundo, como o NHS inglês, funcionam assim.

Nessa equação, um item em particular merece maior atenção, pois nem sempre é percebido como um dos fatores mais relevantes da formação de custos na saúde: os medicamentos. Segundo o IBGE, eles consomem 34% das despesas das famílias brasileiras com saúde, o que equivale a R$ 180 bilhões por ano ou cerca de 2% do PIB. Medicamentos são, conforme a OCDE, o gasto em saúde com crescimento mais acelerado no mundo, também refletindo interesses poderosos e de toda ordem em jogo, a começar pela indústria farmacêutica.

O Brasil tem um sistema de incorporação de medicamentos que se mostra muito aquém do que a realidade atual e as perspectivas demográficas futuras recomendariam. Os sistemas público e privado têm estruturas paralelas de avaliação, com critérios distintos e efeitos diversos sobre as respectivas parcelas da população atendidas. Modelo que induz a uma discriminação entre os cidadãos quanto a seu acesso à saúde, o que é claramente indesejável.

Além disso, as decisões relativas à adoção de novos medicamentos, infelizmente, não se baseiam em políticas públicas de saúde pré-estabelecidas, como seria de se esperar quando se persegue o máximo de benefícios para a população. Os números atestam o predomínio do interesse mercadológico: em 2022, 83% dos pedidos de incorporação de medicamentos no País foram apresentados pela indústria farmacêutica. Ou seja, a partir da demanda de quem quer vender, uma evidente distorção.

Não estamos falando de alguma nova dipirona, mas de produtos cuja dose única pode chegar a alguns milhões de reais, como é o caso do Zolgensma, utilizado no tratamento de atrofia muscular espinhal e adotado no Brasil com critérios e preços diferentes para o SUS e para a saúde suplementar. Não se trata de exemplo isolado, mas de algo, como vimos, que tende a se tornar cada vez mais recorrente, com impactos crescentes sobre as contas de saúde nacionais.

Além de caras, muitas dessas tecnologias entram no mercado sem evidências científicas robustas. A literatura internacional é fértil em demonstrar que, nem sempre, aos altos custos cobrados pela indústria estão associados benefícios compatíveis. Um exemplo: dois terços das drogas para tratamento de câncer – cujo custo cresceu dez vezes na última década – aprovadas pela agência europeia de medicamentos entraram no mercado sem evidência de aumento de sobrevida ou de ganho de qualidade de vida. Para as que demonstraram algum benefício, a mediana de sobrevida foi de menos de três meses.

Um mercado com tamanhas assimetrias é um prato cheio para judicializações, como temos visto acontecer no País. E os tribunais são, sem sombra de dúvida, a pior forma de fazer política de saúde. A boa notícia é que, há duas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para estabelecer critérios mais rígidos, baseados em evidências, para o fornecimento de medicamentos de alto custo não cobertos pelo SUS – com provável consequência futura sobre os planos de saúde. A decisão envolve competência, custeio e ressarcimento em demandas relacionadas a medicamentos não incorporados, alvo de milhares de causas dirigidas ao Judiciário.

É preciso ir um pouco mais além, contudo. A adoção de uma agência unificada de avaliação de tecnologias em saúde, que examine as incorporações tanto para o SUS quanto para a saúde privada, é essencial. Além disso, é importante um compartilhamento de riscos, em que a indústria farmacêutica seja corresponsável pelo financiamento dos novos medicamentos mediante critérios de sucesso dos tratamentos. Sem isso, a sociedade vai continuar arcando com custos cada vez mais altos sem saber ao certo se estão ou não produzindo o benefício prometido.

*

ECONOMISTA

30% dos brasileiros que têm conta em banco fazem empréstimos para pagar apostas, mostra pesquisa, OESP

  O crescimento exponencial do mercado de apostas esportivas no Brasil pode elevar o nível de endividamento da população. Segundo uma pesquisa realizada pela fintech Klavi, 30% dos brasileiros com contas em bancos já buscaram empréstimos nos últimos 12 meses para financiar apostas em ‘bets’. Procurados, os representantes das empresas não responderam ao pedido de entrevista.

PUBLICIDADE

A empresa analisou o comportamento de crédito de 5 mil clientes de todo o território nacional para entender como o público gastava em sites de apostas e jogos de azar via aplicativos. A companhia usou seu banco de dados e informações obtidas por meio do Open Finance para compilar as informações de forma anônima. Ela verificou o extrato dos correntistas, separou os demais gastos e comparando com os pagamentos feitos a CNPJs vinculados a empresas de apostas.

O levantamento mostra um perfil de aposta variável por indivíduo. Dos correntistas que fizeram empréstimos para custear os jogos, o gasto médio por apostador foi de R$ 1.113,09. Porém, em alguns casos, os valores são maiores.

Para 5% das pessoas que realizaram apostas, os valores gastos com as bets foram em torno de R$ 4 mil, enquanto em casos mais extremados, há casos de apostadores contumazes que chegam a desembolsar valores acima de R$ 50 mil nas apostas, antes de recorrerem aos empréstimos bancários.

Empresas de apostas foram autorizadas a operar no País em 2018, durante governo de Michel Temer
Empresas de apostas foram autorizadas a operar no País em 2018, durante governo de Michel Temer Foto: vectorfusionart/Adobe Stock

O presidente e fundador da Klavi, Bruno Chan, conta que o levantamento feito pela fintech é uma resposta a demanda por informações de grandes bancos e financeiras, clientes da companhia. O executivo explica que eles querem entender o impacto das apostas online nas finanças de seus clientes e como essa mudança no comportamento de consumo pode afetar a análise de crédito dessas instituições.

Os jogos online foram liberados no Brasil em 2018, quando o então presidente Michel Temer assinou um decreto autorizando a operação das bets no País. De lá para cá, as casas de apostas proliferaram rapidamente, alcançando algo na casa de 2 mil empresas no mercado. Esse número deve cair consideravelmente a partir de 1º de outubro, quando as bets que não regularizaram sua situação serão proibidas de operar.

Calcula-se que o mercado de bets já movimenta R$ 100 bilhões no País, o que representa quase 1% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo projeções da Strategy & Brasil, consultoria estratégica da PwC. Isso tira dinheiro do consumo e impacta o desempenho do varejo doméstico. “Pegamos 5 mil pessoas aleatórias, e começamos a olhar o perfil de gastos. É uma análise do fluxo de caixa das pessoas, vendo para onde elas estão mandando esse dinheiro”, diz Chan.

Publicidade

Ele explica a empresa deve fazer esse levantamento todo mês de agora em diante, para analisar as mudanças e o impacto das apostas online no endividamento da população. “Há muita empresa de crédito querendo entender como as pessoas gastam em apostas e como isso influencia a inadimplência”, afirma o executivo.

Perfil do apostador

De acordo com o levantamento da Klavi, a maioria dos clientes que buscam crédito na praça para apostar é homem (58%). Ao todo, 47% das pessoas têm entre 35 e 49 anos, enquanto 28% pertencem à faixa etária que vai de 26 a 34 anos. Quanto à região, a pesquisa mostra que 60% desse público está localizado no Sudeste do País; já os demais, têm uma distribuição igualitária entre os Estados.

A pesquisa mostra que 64% dos entrevistados ganham de um a três salários mínimos, ou seja, de R$ 1,4 mil a R$ 4,2 mil. Desse total, 40% deles trabalham com vínculo empregatício CLT. “As pessoas gastam com as apostas e ficam inadimplentes”, diz o CEO da Klavi. Ele alerta que as apostas não estão sendo feitas com “dinheiro que sobra”, mas sim, com a alavancagem pessoal, através de empréstimos.

Quanto aos valores do crédito solicitado, a companhia revela que a maioria busca quantias relativamente baixas, variando entre R$ 500 e R$ 4 mil. Os números indicam uma relação preocupante entre o comportamento de apostas e a necessidade de crédito, sugerindo que, para muitos, o custo do jogo pode estar diretamente relacionado à busca por auxílio financeiro.

Bruno Chan, Ceo da Klavi, conta que levantamento surge para atender demanda de bancos e financeiras que querem entender o impacto das apostas na inadimplência do País
Bruno Chan, Ceo da Klavi, conta que levantamento surge para atender demanda de bancos e financeiras que querem entender o impacto das apostas na inadimplência do País Foto: VIVIAN KOBLNSKY

PUBLICIDADE

Para o presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), Pedro Afonso Gomes, o crescimento de empréstimos para financiar as apostas se deve, em grande parte, pela falsa ideia de que é possível multiplicar o dinheiro, como mostram alguns poucos players dentro desse setor. Gomes lembra que estatisticamente, as chances de um apostador conseguir se consagrar em detrimento da máquina é ínfimo. “Isso faz com que as pessoas acreditem que é possível mudar suas vidas através do jogo.”

Gomes acredita que o aumento dos problemas de endividamento pelo jogo (e, posteriormente, uma inadimplência) está diretamente relacionado à falta de educação financeira no País, que afeta principalmente grupos de menor renda. Outro reflexo negativo dos problemas envolvendo as apostas online, diz ele, é o possível encarecimento do crédito em determinados produtos financeiros, que consideram a inadimplência como fator de precificação.

“O mercado de crédito trabalha na sua precificação dos juros com a inadimplência. Quanto mais as pessoas se endividam, maior é a chance de elas não pagarem a conta, elevando a inadimplência e pressionando as taxas de juros em determinados segmentos”, analisa o executivo.

Publicidade

Bolsa família

O avanço do número de apostadores no País não afeta só a inadimplência, mas alguns programas sociais de transferência de renda. Nesta semana, o Banco Central divulgou que cinco milhões de pessoas, de famílias beneficiárias do Bolsa Família, enviaram R$ 3 bilhões via Pix a plataformas de apostas.

“O BC está atento ao tema e precisa ainda de mais dados e tempo para avaliar com maior robustez suas implicações para a economia, a estabilidade financeira e o bem-estar financeiro da população”, diz a nota técnica, elaborada pelo Banco Central sobre o tema.

Presidente da VG Research, Vicente Guimarães, pontua que no caso de apostadores contumazes, é importante ressaltar que esse não é apenas um problema ligado a inadimplência, mas também um problema de saúde e que, em muitos casos, pode demandar tratamento com especialistas. “Toda vez que a pessoa joga descargas imensas de adrenalina e dopamina são geradas. Isso gera uma dependência química. Por isso que existem muitos programas de assistência a jogadores compulsivos”, diz.

O especialista ainda pondera que educação financeira deve preconizar pelo jogo zero, já que não há, segundo Guimarães, um limite mínimo aceitável para vícios na vida das pessoas.