quinta-feira, 22 de agosto de 2024

"Sou vilão, não tem jeito", diz empreiteiro, Vicente Vilardaga, FSP

 

São Paulo

A sensação atual é de que a cidade nunca se verticalizou tão rápido. Num piscar de olhos um velho conjunto de casas vira um prédio de apartamentos. Bairros repletos de pequenas residências estão sendo demolidos e dando lugar a edifícios de oito ou dez andares. Quem está por trás disso são dezenas ou centenas de construtoras que estão sentindo o bom momento econômico para explorar o mercado.

Um desses empreiteiros é André Fakiani, CEO da Global Realty Brasil, uma empresa nacional que tem três projetos de prédios residenciais em andamento. E prepara mais dois para o ano que vem. Um desses está na rua Melo Alves, nos Jardins, e envolve a ameaça de demolição do bar Balcão, patrimônio da história da cidade. Fakiani garante que o bar ficará no mesmo imóvel, podendo inclusive ser ampliado. Segundo ele, a proprietária da casa, quando abriu as negociações, fez a exigência de que o bar seja preservado.

Verticalização: operários trabalham em topo de prédio em construção no bairro de Perdizes

"A gente está na fase de tratar das condições de aquisição do imóvel, estivemos com a proprietária na semana passada", afirma Fakiani. "Uma vez estando tudo alinhado com ela, o próximo passo é falar com os donos do bar Balcão para a gente adequar essas questões, se vamos ampliar, se não vamos, e conhecer suas demandas, interesses e necessidades."

Um dos proprietários do Balcão Francisco Millan critica a ideia da ampliação, que descaracterizaria o lugar, e diz que não tem detalhes do negócio entre a proprietária e a empreiteira. "Até agora não sentaram comigo para nada, absolutamente nada", diz. "O corretor deles me falou que teria que interditar o bar por seis meses para adaptações. Só isso pode comprometer a nossa saúde financeira irremediavelmente."

Seja como for, é mais um prédio se aboletando em uma área ocupada por casas e ameaçando algum patrimônio histórico, num fenômeno que se repete em toda a cidade. O projeto da Global, uma gota nesse oceano, terá 40 unidades e apartamentos de 90 a 120 metros quadrados. Pelos padrões atuais são imóveis para a classe média, com preços superiores a R$ 1 milhão.

As vilas de São Paulo estão seriamente ameaçadas de cederem seu lugar para grandes edifícios

"É uma questão muito cultural do brasileiro", diz. "Em outros lugares do mundo, as pessoas se transferem, conforme o tempo vai passando, para bairros horizontais, mais abertos, com menos fluxo de pessoas. Aqui é exatamente o inverso." Fakiani conta que muita gente está saindo de zona Leste e de cidades como Osasco, além de outras regiões periféricas, querendo morar em locais mais adensados.

Ele diz que o dilema maior do mercado imobiliário hoje é o grande número de interessados em viver nas zonas centrais em apartamentos supercompactos, ainda que percam qualidade de vida.

Segundo o empreiteiro, essa grande quantidade de supercompactos é ruim, sobretudo quando você os coloca numa região com um número gigantesco de pessoas que não criam raiz, são moradores de passagem. Ele se diz Incomodado ao ver empreendimentos inteiros sendo construídos como se fossem hotéis. "O que a gente faz nesse segmento são apartamento de 30 metros quadrados com pé direito de 4,32 metros, como um pequeno loft, que funciona bem para um casal morar", afirma.

Foto do bar Balcão, na rua Melo Alves, em 1995: estabelecimento acaba de completar 30 anos

Fakiani admite a excessiva verticalização da cidade, sabe quanto contribui para ela e lamenta a falta de planos de mobilidade urbana. Atribui ao mercado a aceleração dos números de novas construções. E tem contra si as associações de defesa do patrimônio histórico. "Eu sou o vilão, não tem jeito, a gente só precisa ter um pouco de responsabilidade e juízo para não ser o pior vilão", afirma.

O negócio de apartamentos está dividido em três faixas de preço, segundo Fakiani. Até R$ 1,5 milhão, de R$ 1,5 milhão a R$ 5 milhões e acima de R$ 5 milhões. Os primeiros abrangem os imóveis mais populares, aí vem os intermediários, destinados à classe média, e os mais caros são os apartamentos de luxo. Os dois extremos do mercado estão funcionando a todo vapor e o intermediário patina. Os apartamentos que mais vendem estão na faixa de R$ 450 mil, e as vendas raras vezes estiveram tão aquecidas. Os empreiteiros não têm do que reclamar.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

O que fazer com essa angústia de não ter futuro, esse alívio misturado a desespero?, Roberto DaMatta, OESP

 


Foto do author Roberto DaMatta

Por Roberto DaMatta

20/08/2024 | 22h00




O que significa isso? - pergunta Robertão, meu lado autoritário e estrangeiro, para Robertinho, meu lado filhinho de mamãe e careta - Como “primaveras”, estás parvo? Fizeste oitenta e oito anos e chegaste ao fenecimento, ao inverno, e não à primavera. É velhice, não há como esconder ou negar.


‘Viva sua angústia de idoso. Tire dela o melhor partido. Curta o seu uísque e amor de sua mulher’

‘Viva sua angústia de idoso. Tire dela o melhor partido. Curta o seu uísque e amor de sua mulher’ Foto: mtrlin/adobe.stock

- Então, o que faço? - respondeu Roberto, que transcreve essa conversa. Tranco-me em casa e rezo esperando uma boa morte?


- Robertinho, esquece esse negócio de boa morte porque sabes bem como toda morte é dolorosa e, muitas vezes, súbita: uma bofetada na cara.


- Certo, mas o que fazer com essa angústia de não ter futuro? Esse alívio misturado a desespero?


- Reze, amigo.


- Tenho tentado, mas o intelecto subversivo bloqueia.



- Que tal o sexo?


- Vamos mudar de assunto, você está muito abusado.


- Então, fazer o quê?


- Não há receita ou remédio. Escreva, seja livre, porque a literatura é a maior ferramenta do conforto e da liberdade humana. Foi ela, e tem sido através dela, que nós atenuamos essa consciência do absurdo que é o viver humano, como disse Albert Camus.



- Concordo...


- Viva sua angústia de idoso. Tire dela o melhor partido porque tudo que você fizer nesta idade conta muito mais do que aquilo que você já foi capaz de fazer. Deguste seu uísque e o amor de sua mulher e seu corpo e sua alma. Continue preocupado e amando aqueles que, por seu intermédio, vieram para esse Vale de Lágrimas.


- Roberto, tu leste tanto sobre as sociedades patriarcais e vives numa. Tire partido desse papel de patriarca que hoje é todo teu. Afinal, o que se acumula deste mundo do qual nada se leva?


- Nada. Na morte, de tudo abrimos mão. A morte é um abandonamento. Choramos na entrada, quando nascemos, e na saída, quando morremos. A gente sempre sabe, mas esconde, porque encobrir é o cerne da nossa humanidade.


Somos, disse Roberto, o único bicho capaz de nos esconder de nós mesmos. Curta seus 88 como eles merecem: com ternuras infinitas ao lado do Rocco, o primeiro dos seus bisnetinhos encantados. Lembre-se da sabedoria antiga dos rabinos: devemos desconfiar de quem jamais sofreu. Feliz aniversário!

Robôs não descem escada, Ruy Castro, FSP

 Ao ler algumas colunas recentes em que tenho demonstrado preocupação pelo avanço da inteligência artificial, um alto informata de minhas relações disse que tenho razão em ficar apreensivo. Mas, por outro lado, me tranquilizou. "Um robô, hoje, é capaz de fazer uma cirurgia num cérebro humano a 1.000 quilômetros do hospital", ele disse. "Pode também desligar todo o sistema de energia de um país com um clique. E tem memória para abrigar o conteúdo de dez Bibliotecas do Congresso dos EUA. Mas há uma coisa que ele ainda não faz: descer uma escada."

Se isso lhe parece tosco, pense melhor. Tente visualizar um robô humanoide, como já existem muitos, tentando descer uma escada. Conseguirá dar um passo à frente do outro, degrau por degrau, sem esboroar-se escada abaixo? Precisará se segurar no corrimão, como nós, reles idosos? Conseguirá deslizar por esse corrimão, como faz qualquer garoto com o dedo no nariz?

E o que dizer de outras façanhas que só os humanos de habilidade e inteligência superiores conseguem desempenhar? Exemplos. Achar a ponta de uma fita durex que grudou no rolo. Colar qualquer coisa com superbonder sem colar também o dedo. Abrir um carrinho de bebê sem ser mãe. Abrir a embalagem da maioria dos produtos brasileiros. Desencravar uma unha. Matar uma pulga na camisola. Diagnosticar uma dor que, como dizia Tom Jobim, "começa aqui de baixo e responde na cacunda". Beijar bem.

Uma robô provavelmente simulará um orgasmo com facilidade, mas será capaz de ter um? Estou supondo que robôs farão sexo. Aliás, como sabemos, eles operam pelo primário sistema binário —0 e 1, sim e não, homem e mulher. É um ou outro. Assim, será possível haver robôs homo, bi, tri, trans, queer, demi, agênero, pangênero, intergênero e outras variações do espectro humano?

Se os robôs um dia nos vencerem, será porque conseguimos perder para nós mesmos.

Os robôs humanoides de ‘O Dia em que a Terra Parou’ (1951) e ‘Planeta Proibido’ (1955)
Os robôs humanoides de 'O Dia em que a Terra Parou' (1951) e 'Planeta Proibido' (1955) - Heloisa Seixas