sábado, 27 de abril de 2024

Bolsonaro, um libertário em causa própria, Alvaro Costa e Silva, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

O ato com público decepcionante em Copacabana não pode servir de parâmetro, não significa que a fé cega em Bolsonaro —professada tanto por quem mora longe como perto da praia— esteja perdendo o gás. Recente pesquisa mostra que o prefeito Eduardo Paes, candidato à reeleição, tem 42% das intenções de voto, enquanto Alexandre Ramagem, do PL, já aparece com 31%.

Além de atrapalhar o lazer dos banhistas, a manifestação funcionou como culto religioso dominical, com citações do Velho Testamento, ataques ao Supremo, elogios à testosterona e acenos em inglês à extrema direita transnacional. Inelegível e enroladíssimo na Justiça, Bolsonaro, quem diria, não mais defende a ditadura ou o golpe de Estado, inventou uma democracia sui generis para tentar safar-se da cadeia. Um libertário em causa própria.

Mais do que nas ruas ou nas redes —estas sujeitas à manipulação de robôs—, a força concreta do bolsonarismo reside nas entranhas do Legislativo. Disposto a garantir sua sucessão na presidência da Câmara, Arthur Lira usa o cronograma da reforma tributária como barganha e guarda na cartola coelhos em formato de comissões parlamentares de inquérito. Em caso de qualquer contrariedade, está aberto o espaço para a oposição.

A mais suculenta das CPIs investigaria um suposto abuso de autoridade no STF (leia-se ministro Alexandre de Moraes). Mal formulou a ideia, Lira desistiu, e não porque Moraes o procurou para conversar, mas porque lhe sopraram a inconstitucionalidade da comissão.

De onde Lula não esperava, veio a maior facada, a pauta-bomba. De olho na eleição a governador de Minas em 2026, o presidente do SenadoRodrigo Pacheco, insiste na PEC do Quinquênio, que prevê um aumento automático de 5% a juízes e promotores —penduricalho aviltante para a maioria dos trabalhadores— e poderá ter um impacto de dezenas de bilhões nos cofres públicos.

Tragédia brasileira, Helio Schwartsman, FSP

 Fazer política é negociar, isto é, tentar entender o ponto de vista de outros atores, o que ajuda a formular respostas inovadoras para os problemas, e encontrar soluções de compromisso, que permitam às partes ceder e ainda sair com vitórias parciais. Grupos altamente ideológicos ou religiosos tendem a ser autoritários porque veem o mundo em termos de valores absolutos, que não comportam nenhum tipo de negociação.

Parlamento brasileiro dominado pelo centrão não pode ser acusado de ter pouca abertura a negociações. Ainda assim, é quase um consenso que a regulamentação da reforma tributária que acaba de ser proposta pelo governo sairá do Legislativo pior do que entrou. A expectativa é que deputados e senadores ampliarão a lista de setores e atividades que receberão alguma vantagem, resultando numa alíquota básica maior para todos.

Fernando Haddad entrega projeto da regulamentação da reforma tributária ao Congresso; na foto, abraça o presidente da Câmara, Arthur Lira - Marina Ramos/Câmara dos Deputados

O problema não é que empresários e corporações façam seus lobbies. Isso é esperado e, em alguma medida, desejável. O direito de peticionar é uma das liberdades republicanas e, frequentemente, o melhor caminho para levar informações relevantes daqueles que produzem para os tomadores de decisão. A tragédia brasileira é que o Parlamento é muito mais sensível aos interesses concretos de grupos específicos do que aos mais difusos interesses da coletividade, que deveriam ser o norte da ação política. E isso tem muito a ver com nosso sistema eleitoral, que favorece uma representação política muito fragmentada e que deixa pouco espaço para o fortalecimento dos partidos.

A moral da história é que é altamente improvável que regras tributárias que fazem todo o sentido do ponto de vista do bem comum, mas contrariem demandas de grupos poderosos, venham a ser mantidas pelo Congresso. Não acho que os parlamentares recolocarão o foie gras entre os produtos desonerados da cesta básica, mas duvido que a tributação punitiva a veículos a combustão sobreviva.

Aos 100, Liceu Pasteur de SP se separa dos franceses e se une ao Anglo, FSP

 Laura Mattos

SÃO PAULO

Embora houvesse muito a se comemorar, algo pouco festivo se passava nos bastidores da celebração dos 100 anos do Liceu Pasteur, um dos mais tradicionais colégios de São Paulo, muito conhecido pela lista de ex-alunos ilustres, como a cantora Rita Lee, o maestro João Carlos Martins e o médico Drauzio Varella.

O Liceu Pasteur foi fundado em 1923 por empresários e intelectuais brasileiros e franceses, com a cooperação do governo da França. E, em pleno ano do centenário dessa parceria cultural e educacional franco-brasileira, selou-se justamente a separação entre a parte "brasileira" e a "francesa" da instituição.

No lugar dos franceses, entrou o Anglo, famoso pelos cursinhos pré-vestibulares e pelo sistema de ensino. Ambos, Liceu e Anglo, preparam para 2025 uma nova escola. Já neste ano, a antiga unidade da rua Sergipe do Anglo, de Higienópolis, que tem cursinho e ensino médio, foi transferida para o prédio do Liceu.

Corredor localizado ao lado do pátio interno do Liceu Pasteur, na Vila Mariana, em São Paulo, fundado por empresários e intelectuais franceses e brasileiros; prédio histórico, projetado pelo renomado arquiteto Ramos de Azevedo, completou 100 anos em 2023 - Eduardo Knapp/Folhapress

Por ora, Anglo e Liceu, embora dividam o mesmo prédio, funcionam separadamente. Banners com o leão logotipo do Anglo marcam nos corredores as áreas dos novos ocupantes —são cerca de 250 alunos. Essa guinada tem deixado as famílias de alunos inseguras.

Quadros e banners com o leão símbolo do Anglo nos corredores do Liceu Pasteur, de São Paulo
Quadros e banners com o leão símbolo do Anglo nos corredores do Liceu Pasteur, de São Paulo - Laura Mattos/Folhapress

A sede do Liceu Pasteur é um casarão histórico com pátio central, janelões de madeira e pé direito alto, projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo na rua Mairinque, na Vila Mariana. A escola, hoje cercada de prédios, ocupa um terreno de cerca de 19 mil m2, com quadras, piscina e um campo de futebol.

A partir da Segunda Guerra (1939-1945), muitas empresas da França se instalaram no Brasil, o que fez aumentar o número de famílias francesas que procuravam o Liceu. Com isso, uma nova unidade foi construída na rua Vergueiro, também na Vila Mariana, em um terreno de cerca de 15 mil m2.

Na unidade antiga, ficou o ensino brasileiro com forte carga de francês. Na nova, inaugurada em 1964, o ensino francês, com matérias em português e diploma válido nos dois países. A relação entre as duas se complicou quando o número de estudantes da parte "brasileira" começou a cair, e os "franceses", ao final, é que pagavam as contas, inclusive com subsídio do governo da França.

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A derrocada começou no início dos anos 2000. De mais de 1.500, chegou a aproximadamente 600 por volta de 2005. Hoje são 128. Já no caso dos franceses, a escola está atualmente com 1.250, perto de sua capacidade máxima.

Com uma unidade ociosa e a outra precisando de mais espaço, foi feita uma reunificação, com um currículo trilíngue (português, francês e inglês) para todos. Na Vergueiro ficariam os alunos do infantil ao 7º ano, e na Mairinque, os do 8º até o 3º do ensino médio.

O projeto, chamado Grand Lycée Pasteur, teve início em 2019. Na prática, contudo, no prédio da Mairinque funcionavam duas escolas, com as turmas "francesas" de um lado, e as poucas "brasileiras", de outro. Houve tensão entre professores, alunos e famílias. Além disso, foram encerradas matrículas do currículo brasileiro, e as turmas iam sendo fechadas.

Veio a pandemia, tudo piorou e, em 2023, selou-se a separação. Neste ano, os franceses voltaram para a Vergueiro e, a fundação que geria ambas, foi cindida.

A Fundação Liceu Pasteur —que antes geria as duas escolas e agora ficou com a parte "brasileira"— é presidida pelo ex-prefeito e atual secretário de governo do estado, Gilberto Kassab. Ex-aluno do colégio, ele assumiu o cargo em 2009, ano da morte de seu pai, o médico e escritor Pedro Kassab, diretor da fundação e do colégio por mais de 50 anos. Cláudio Kassab, irmão de Gilberto, é o diretor da escola.

Ele recebeu a reportagem no prédio da Mairinque e minimizou as mudanças. "Separamos as escolas para que cada uma tenha sua identidade", afirmou. Questionado sobre a situação financeira da fundação, fugiu dos números: "Está razoavelmente equilibrada. A fundação é auditada."

Sobre o Anglo, afirmou que o contrato não foi de venda, mas de parceria. "Há 15 anos usamos o sistema de ensino Anglo. Resolvemos convidá-los para fazermos juntos a nova escola trilíngue."

Um comitê, com representantes do Liceu e do Anglo, decidirá os rumos pedagógicos e de marca, por exemplo, se a nova escola se chamará Liceu Pasteur Anglo ou Anglo Liceu Pasteur.

Nenhum dos envolvidos dá detalhes sobre o acordo financeiro, mas é certo de que não será uma divisão meio a meio. "Eles terão uma participação nos resultados", afirmou à Folha Guilherme Mélega, CEO da Somos Educação, da qual o Anglo faz parte.

Ele disse que a proposta do Liceu veio justamente quando o Anglo teve que entregar os imóveis, que eram alugados, de duas unidades. Além da Sergipe, que foi para o Liceu, também o da rua Tamandaré, na Liberdade (região central) –essa unidade foi para um prédio na rua Bela Cintra.

Segundo ele, a ideia é "revitalizar o currículo" do Liceu, "manter o francês, mas dar mais peso para o inglês". Será uma "flagship", disse, termo do mercado empresarial que significa produtos que são referência da marca, algo como um Anglo-conceito.

Enquanto isso, a parte "francesa", agora separada com sede na Vergueiro, foi rebatizada como Liceu Internacional Francês de São Paulo. "Foi um divórcio", afirmou à Folha, em tom bem-humorado, Bruno Martin, diretor da escola e representante da Aefe (Agência para o Ensino Francês no Exterior), entidade ligada ao governo da França.

"Divórcio amigável. Estamos dividindo os bens, que são os terrenos e imóveis, e as dívidas. Os valores estão sendo negociados."

Sede do Liceu Internacional Francês de São Paulo, que ocupa um terreno de quase 15 mil m2 , na rua Vergueiro, na Vila Mariana (zona sul de São Paulo)
Sede do Liceu Internacional Francês de São Paulo, que ocupa um terreno de quase 15 mil m2 , na rua Vergueiro, na Vila Mariana (zona sul de São Paulo) - Divulgação

Segundo ele, a separação foi mediada por um representante do governo francês, que subsidiava o Liceu Pasteur e agora está com a escola francesa –uma sinalização importante foi o fato de o presidente da França, Emannuel Macron, em viagem ao Brasil em março, ter visitado o Liceu Francês.

Segundo Martin, o lado francês investiu R$ 20 milhões em reformas no prédio da Mairinque, à época da unificação das escolas. "Não deu certo, estamos nos divorciando e deixando a casa reformada para eles", afirmou, seguindo, em tom de brincadeira, com a metáfora.

"Agora cada um precisa recomeçar. Por aqui, acredito que em dois anos a gente consiga pagar a dívida e equilibrar as contas", afirmou. A mensalidade gira em torno de R$ 4.000 para o período semi-integral, valor semelhante ao integral do Liceu Pasteur.

O presidente da França, Emannuel Macron, discursa em visita ao Liceu Internacional Francês de São Paulo, na rua Vergueiro, na Vila Mariana, em 27 de março deste ano
O presidente da França, Emannuel Macron, discursa em visita ao Liceu Internacional Francês de São Paulo, na rua Vergueiro, na Vila Mariana, em 27 de março deste ano - Ludovic Marin/AFP