sábado, 27 de abril de 2024

Hélio Schwartsman A geração ansiosa, FSP

 Sou fã do psicólogo Jonathan Haidt, cujas ideias e livros comento neste espaço já há vários anos. Sua obra mais recente, "The Anxious Generation", tem recebido grande atenção na imprensa. A razão principal é que ele pede a proibição de redes sociais para menores de 16 anos. Pode parecer extremo, mas ele constrói um bom caso.

Haidt mostra que, a partir de 2010, com a proliferação da internet rápida e das redes sociais, passamos a registrar muito mais casos de doença mental entre jovens, em especial as meninas. São quadros de ansiedade, depressão e tentativas de suicídio, que atingem a geração Z. O fenômeno é mais acentuado nos EUA, mas ocorre em diversos países. As evidências são majoritariamente correlacionais, mas Haidt as concatena de forma que soam convincentemente causais. Há quem ache que isso bastaria para justificar o veto das redes para crianças.

A ilustração de Annette Schwartsman, publicada na Folha de São Paulo no dia 28 de abr de 2024, mostra cinco adolescentes sentados sobre um muro de tijolos, todos usando seus telefones celulares e de costas para um parquinho infantil (gangorra, balanças, trepa-trepa e escorregador) completamente vazio; o grupo é formado por quatro meninas e um menino  de cerca de 11, 12 anos.
A ilustração de Annette Schwartsman para coluna de Hélio Schwartsman, 'Geração Ansiosa' - Annette Schwartsman

A história que Haidt conta, porém, é mais complexa. Para ele, a crise de saúde mental é resultado não só da superexposição da geração Z às redes mas também de uma mudança mais profunda na forma de socialização das crianças. Especialmente a partir dos anos 1990 nos EUA, consolidou-se uma cultura parental de segurança extrema. Pais pararam de deixar seus filhos saírem sozinhos e de brincarem com seus pares sem a supervisão de adultos.

Pode parecer um detalhe, mas há fartos indícios do mundo natural de que, para mamíferos como nós, brincadeiras são um elemento fundamental do aprendizado. São elas que nos preparam para lidar com riscos do mundo real e para resolver as arestas sociais que inevitavelmente surgem. O excesso de vigilância frustra esse aprendizado, deixando marcas profundas no desenvolvimento. Esse segundo ingrediente, mais libertário, do modelo proposto por Haidt não vem ganhando o mesmo destaque do primeiro, que é mais censório.

Qualquer que seja o peso de cada ingrediente, o novo livro de Haidt é importante.

Brasil! Selva!, Muniz Sodré FSP

 Pelo que se vê na mídia, toda a expertise e o dinheiro de Elon Musk não lhe valem uma fala com algum sentido. Ele padece da mesma afecção linguística da ultradireita brasileira, cujo vocabulário político ativo, fora as narrativas mentirosas, resume-se a "liberdade". Isolada, a palavra não significa nada.


O mesmo drama transparece nas investigações do ataque do 8 de janeiro: nos relatos quase etnográficos sobre o famigerado acampamento dos insurretos salta à vista a escassez de palavras de ordem coerentes.

O CEO do X Elon Musk durante conferência na Cracóvia - Sergei Gapon/AFP

Reconfortaram-se um dia ao saberem que a esposa de um general, ícone do golpismo, em visita ao local, faria um discurso. E ela fez: "Brasil! Selva!". Curto, não grosso, sem narinas dilatadas nem olhar de ódio.
Mas enigmático: isoladas, essas duas palavras não explicam grande coisa. Não são "action-words", no sentido concreto de indução ao ato. Presume-se que faziam parte de um vocabulário próprio à movimentação. O nexo entre uma e outra estaria implícito na mente de cada um por sintaxe oculta, talvez por condensação, como no sonho.

Por mais disparatado que seja, o golpismo precisa de algum discurso. É o que se infere de pensadores do liberalismo americano para os quais um movimento desse calibre carece de novo jogo de linguagem, que faça o anterior parecer ruim. O golpe de 1964 manejava o vocabulário do anticomunismo (supremacia do mercado, silêncio civil, fervor cristão etc.), compartilhado com a matriz americana. Aos golpistas de agora, faltam consentimento (mídia, apoio externo) e linguagem.

Por outro lado, é considerável o desgaste do vocabulário político e moral. E se os valores se esvaziaram por anacronismo, perde força a linguagem da esquerda contra o reacionarismo, por falta de vigor histórico-social das palavras. Daí a insuficiência do arrazoado progressista frente à cacofonia insensata das redes sociais.

Insuficiente também frente ao código moral do Velho Testamento, com emoções de vingança, ódio e guerra aos supostos inimigos do Senhor. É a porta de entrada exitosa dos neopentecostais na vida política. É igualmente uma perspectiva de linguagem para a ultradireita, porque oferece uma linha bíblica de interpretação maleável para acolher chaves do autoritarismo antidemocrático como racismo religioso, homofobia, negacionismo científico e misoginia.

É fala com mais sintaxe do que semântica, isto é, mais conexão do que significado, num contexto delirante. Um discurso de apenas duas palavras não diz nada, mas pode ter poder injuntivo. Donde o segredo da ultradireita: se o ódio é surdo, a sua comunicação, semanticamente muda, faz economia de reflexão, diálogo e sentido. Afinal, como bem sabe Musk, o foguete do delírio não precisa desse combustível.

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Falta de prensado, maconha mais barata, preocupa usuários em São Paulo, FSP

 

SÃO PAULO

Falta maconha em São Paulo. Mais especificamente, a modalidade conhecida como prensado –produto processado, geralmente misturado a outras substâncias, fazendo dele mais barato. Por isso, é também o tipo mais consumido da droga.

A situação vem sendo relatada há duas semanas por usuários e traficantes. Um delegado confirmou a situação à Folha.

Os motivos da escassez seriam grandes apreensões, a entressafra da planta e um suposto problema de distribuição gerado por um racha na facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

Homem acende baseado durante Marcha da Maconha, em 2023 - Ronny Santos - 24.mar.2023/Folhapress

A venda e o porte de maconha são proibidos pela lei brasileira, incluindo para consumo próprio.

Aos usuários, o artigo 28 da Lei de Drogas prevê advertência sobre os efeitos dos entorpecentes, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Já quem trafica a droga pode pegar de 5 a 15 anos de prisão, além de pagar multa de R$ 500 a R$ 1.500.

Após queimar seu estoque de prensado na última sexta-feira (19), a estudante Clara, 24 —que, como os demais ouvidos pela reportagem, pediu para ter seu sobrenome omitido—, enviou mensagem a um traficante. Ele respondeu que recebera pouca maconha, por isso, os preços haviam subido.

Normalmente, o grama da erva é vendido a R$ 10. Estava a R$ 19. O homem também limitou a quantidade por comprador.

Clara, moradora de Perdizes, na zona oeste da capital, optou pelo skunk, variedade mais cara e potente da Cannabis, e tem até experimentado novos entorpecentes, como cogumelos e LSD (ambas drogas psicodélicas).

O traficante da jovem, Gean, 33, diz que o prensado é hoje um artigo de luxo devido à dificuldade em encontrá-lo. Ele explica que o produto tem origem no Paraguai e chega a São Paulo em carros e caminhões —modalidade bastante suscetível a apreensões.

Há ainda outras questões que afetam a disponibilidade da droga na cidade. Neste mês, a maconha está em seu período entressafra, e qualquer interceptação de carga pode prejudicar o fornecimento, afirma ele.

Com clientela nas regiões oeste e central, ele cita como exemplo uma ação da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado em São Paulo, há uma semana, terminada com mais de 300 quilos da droga aprendidos num carro na rodovia Comandante João Ribeiro de Barros (SP-225), em Bauru, interior do estado.

"Essa viagem da maconha do Paraguai até São Paulo é tosca. Ela é feito geralmente por mulas, motoristas de caminho, caminhoneiros ou motoristas de carro", afirma o jornalista Allan de Abreu, autor de "Cocaína: A Rota Caipira" (editora Record), sobre a história do narcotráfico no Brasil.

"Ocorre dessa forma porque a mercadoria é mais barata. Se o transportador for pego, é possível que ela seja reposta com uma certa facilidade", afirma. "Já a cocaína, mais cara, vem de avião."

O delegado de uma unidade especializada em investigação de entorpecentes na capital confirmou o atraso na distribuição de prensado para pontos de tráfico.

Para ele, isso pode estar associado à entressafra, como citado por Gean, mas há outra suposição: um recente racha entre lideranças do PCC, responsável pelo tráfico na cidade, pode estar afetando o segmento.

Como mostrou a Folha, um grupo liderado por Roberto Soriano, o Tiriça, passou a disputar o controle da facção com a ala de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, chefe máximo do grupo.

Tiriça é apontado como o responsável por gerenciar o tráfico de maconha dentro do PCC. Por isso, a distribuição da droga teria sido afetada pela disputa.

Já outro delegado que também se dedica a essas investigações vê a entressafra e o aumento das ações de apreensão como mais determinantes para uma possível falta da droga no mercado. Na avaliação dele, o negócio da facção é predominantemente o tráfico de drogas, mas o tráfico é maior do que a facção.

Enquanto isso, Jonathan, 29, em seu apartamento no Campo Limpo, zona sul, realiza encontros quase diários com amigos para uma espécie de feira de troca. Quem chegar com 10 gramas de prensado pode exigir o triplo de qualquer outra droga.

A escassez do produto, diz o gerente de vendas, motivou a iniciativa.

Usuário de maconha há anos, Jonathan só fuma o prensado, porque acha outros tipos muito fortes.

Quando alertado sobre a baixa disponibilidade da variedade, juntou amigos na mesma situação e firmou uma aliança. Quem conseguir a erva, compartilha. Em troca, recebe outras drogas.

Também foram ouvidos relatos da ausência da maconha barata em pontos de drogas nas regiões do Sacomã e do Jabaquara, ambas na zona sul.