terça-feira, 28 de novembro de 2023

OPINIÃO - CLARA COUTINHO O cobertor é curto, FSP

 

Clara Coutinho

Advogada de direito administrativo e regulatório da infraestrutura

São Paulo vive mais uma greve contra o plano de concessões e privatizações de linhas metroferroviárias, em meio a uma discussão sobre o destino dos recursos da conta centralizadora que recebe as tarifas do Bilhete Único.

A sugestão de que as tarifas deveriam ser distribuídas igualmente entre os diversos operadores das linhas desconsidera os contratos celebrados com parceiros privados, que assumiram investimentos, operação e riscos, e que cada uma das linhas possui características específicas que impactam tanto custo quanto arrecadação. Mais do que superficial, a sugestão é inocente: se os investimentos não forem bancados pela tarifa paga pelos usuários, todas as despesas seriam assumidas pelo Estado de qualquer outra forma.

A estação Vila Sônia do Metrô, da linha 4-Amarela, privatizada pelo governo paulista - Foto Governo do Estado de São Paulo

Quando a prestação é assumida ou subsidiada pelo poder público, a conta chega para todos os contribuintes. Ao delegar a exploração dos serviços aos privados que cobram tarifas, o grupo pagador se torna o dos usuários. Não tem mágica nem escapatória: quem paga pelo serviço público é a população. A pergunta que o gestor público deve responder é qual a ponta capaz de absorver melhor essas despesas —e é nesse cenário que os arranjos com os privados podem ser soluções para desonerar o Estado e disponibilizar infraestrutura com mais urgência.

A escolha da origem dos recursos deve levar em consideração sua disponibilidade, os riscos de cada negócio e a capacidade de se auferir receitas. Mais importante: é preciso avaliar qual modelo serve melhor ao interesse coletivo, inclusive considerando subsídios cruzados, tarifas sociais e isenções.

Os variados modelos e mecanismos podem e devem ser utilizados para viabilizar o serviço ao mesmo tempo em que se promove distribuição de renda, mas só são eficazes quando os contratos são devidamente cumpridos e fiscalizados. Criticar sem considerar as regras e sem propor alternativas viáveis é jogar para a galera.

Método permite obter colorantes e enzimas de cascas de laranjas descartadas pela indústria de suco, Agencia Fapesp

 Thais Szegö | Agência FAPESP – A cultura de laranjas é bastante difundida ao redor do mundo. Entretanto, há uma questão a ser observada: a indústria de suco gera aproximadamente 10 milhões de toneladas métricas de resíduos por ano. E com elas há aproximadamente 50% de suco fresco, já que durante a elaboração do produto uma significativa porção da fruta, de 45% a 55%, normalmente é descartada como lixo. Além de poluir o meio ambiente, tal prática representa um desperdício, pois nessas sobras são encontradas diversas substâncias que podem ser aproveitadas com fins industriais e comerciais, como os açúcares fermentáveis, polissacarídeos, polifenóis e óleos essenciais.

Pensando nisso, cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em colaboração com pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica de Valparaíso (Chile) e da Escola de Engenharia e Ciência de Monterrey (México), desenvolveram um sistema para produzir colorantes e enzimas a partir desse material. E, com base nos resultados obtidos, fizeram uma análise econômica do processo, descrita em artigo publicado na revista Sustainable Chemistry and Pharmacy.

Para realizar o trabalho, que teve o apoio da FAPESP (projetos 14/01580-319/15493-921/06686-8 e 21/09175-4), eles lançaram mão de uma biorrefinaria, instalação industrial que usa matérias-primas renováveis, como plantas e resíduos orgânicos, para produzir uma variedade de produtos úteis, incluindo energia, combustíveis, materiais e produtos químicos. A planta funciona de maneira semelhante à refinaria de petróleo, mas usando ingredientes naturais em vez de petróleo bruto.

“É uma abordagem mais sustentável para a produção de produtos e energia, visando reduzir a dependência de recursos não renováveis e fornecendo matéria-prima de baixo custo, além de contribuir para a redução de resíduos e, consequentemente, prevenir a contaminação ambiental, a disseminação de doenças, os danos ecológicos e outros problemas relacionados à eliminação desses restos no ambiente”, diz Valéria de Carvalho Santos Ebinuma, professora do Departamento de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp e uma das pesquisadoras responsáveis pelo grupo Bioproducts Production and Purification Lab (BioPPul).

Vários resíduos da indústria de alimentos e/ou agrícolas, como bagaço de cana-de-açúcar, palha e cascas de laranja, são ricos em celulose e hemicelulose, substâncias que, após a hidrólise, ou seja, a quebra da molécula com uso da água, são convertidas em glicose e xilose, respectivamente. Esses açúcares fermentáveis podem ser usados como fontes de carbono para obter bioprodutos de valor comercial, como colorantes naturais e enzimas.

“Como nosso grupo de pesquisa tem se dedicado ao estudo da produção de diferentes colorantes naturais a partir de microrganismos, juntamos esses dois conhecimentos para propor o projeto, que foi o tema do trabalho de mestrado de Caio de Azevedo Lima”, conta Ebinuma.

Para isso, os pesquisadores fazem uma cultura de microrganismos que se multiplicam e crescem em meio líquido fazendo a biossíntese das biomoléculas desejadas. Todo o sistema é cuidadosamente monitorado para garantir condições adequadas de temperatura, pH e concentração de nutrientes, entre outros fatores, o que ajuda a otimizar a produção das biomoléculas. Quando os microrganismos atingem o ponto de crescimento e produção desejado, o cultivo é interrompido e as biomoléculas são recuperadas, o que pode envolver a sua separação do meio líquido para posterior purificação.


Biorreator tanque agitado durante a produção de colorante microbiano (foto: acervo dos pesquisadores)

“O cultivo submerso é amplamente utilizado na indústria biotecnológica para produzir uma variedade de produtos, pois é uma abordagem que permite o controle preciso das condições de cultivo, maximizando a produção das biomoléculas de interesse”, explica a professora.

Os colorantes microbianos já estão sendo produzidos e, no futuro, poderão ser aplicados na indústria de alimentos, têxtil e farmacêutica. Contudo, ainda são necessários mais estudos para tornar esse processo competitivo com o usado na produção de outros colorantes disponíveis no mercado, principalmente os sintéticos. As moléculas também precisam passar por testes de toxicidade, que estão sendo feitos por outras equipes parceiras.

Segundo Ebinuma, essa pesquisa nasceu da necessidade de um mercado que está em ampla expansão. “Incentivos à pesquisa como o feito pela FAPESP são essenciais para o desenvolvimento de projetos que poderão trazer novos produtos ao mercado. Este é um projeto que poderá render frutos grandiosos”, afirma.

O artigo Process development and techno-economic analysis of co-production of colorants and enzymes valuing agro-industrial citrus waste pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2352554123002383.

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Aliados de Bolsonaro resistem a Dino no STF, e líder do governo fala em pedir voto na oposição, FSP

 Thaísa Oliveira

BRASÍLIA

O núcleo bolsonarista no Senado sinalizou trabalhar para conseguir um placar robusto contra a indicação do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), ao STF (Supremo Tribunal Federal), marcando as diferenças entre o atual indicado e Cristiano Zanin, aprovado em junho para a corte.

Já o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou estar confortável em pedir votos para a oposição em favor do ex-governador maranhense.

Apesar da resistência da oposição mais próxima a Jair Bolsonaro (PL), a cúpula do Senado e até mesmo senadores da oposição avaliam que as nomeações de Dino e de Paulo Gonet para a PGR (Procuradoria-Geral da República) serão aprovadas sem maiores empecilhos.

Flávio Dino durante audiência na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados - Pedro Ladeira - 25.out.23/Folhapress

Nas conversas em que tiveram com Lula (PT) antes do anúncio, tanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), como o presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Davi Alcolumbre (União-AP), afirmaram que a Casa não criaria impasse em relação aos escolhidos.

Pacheco e Alcolumbre têm apelado ao espírito de corpo da Casa, e batido na tecla de que Dino é um senador da República —apesar de ter se afastado do mandato para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

A avaliação, no entanto, é de que Dino não deve encontrar um cenário tão fácil como o enfrentado por Cristiano Zanin Martins —aprovado em junho para a vaga de Ricardo Lewandowski por 58 votos a 18, 17 a mais que os 41 necessários.

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O Palácio do Planalto já foi informado que a oposição vai trabalhar para conseguir um placar robusto e dar uma demonstração de força ao governo. O núcleo bolsonarista também faz questão de marcar as diferenças entre Zanin e Dino.

Flávio Bolsonaro (PL-RJ), senador e filho 01 de Bolsonaro, disse em publicação nas redes sociais nesta segunda (27) que a Casa legislativa "tem a obrigação moral de rejeitar o nome do perseguidor de políticos, Dino, para o STF".

Já a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) —que chegou a elogiar Zanin publicamente— afirma que o ministro da Justiça pode repetir o modus operandi do ministro do STF Alexandre de Moraes e diz que ele não tem "serenidade" para atuar no Judiciário.

"O Dino não tem perfil para ser ministro do Supremo. Ele é um grande xerife e, como gestor, não deixou muitos resultados positivos na segurança. O Zanin tinha conhecimento jurídico, o Dino é muito barulhento", afirma.

"Eu acho que a [principal] característica é que ele não tem a serenidade para sentar em uma cadeira como ministro do Supremo. A gente já não tem lá um barulhento? Já não tem um Alexandre barulhento? Aí vai outro barulhento."

O líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN), afirma que a indicação de Dino "joga lenha na fogueira". O senador e ex-ministro de Bolsonaro diz que ele é "intrinsecamente ligado a um espectro político ideológico" e coloca em risco a imparcialidade do STF.

"Embora a indicação de um ministro à Suprema Corte seja uma prerrogativa do presidente da República, o nome indicado não representa a imparcialidade necessária para uma instituição que deve ser o bastião da Justiça e Constituição."

Apesar das críticas públicas, a ala mais independente do Senado afirma que o ex-governador maranhense deve ser aprovado pela Casa. Diz, entretanto, que ele vai precisar demonstrar humildade, pedir votos e se apresentar aos senadores que não o conhecem pessoalmente.

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), diz estar confortável em pedir votos para Dino e Gonet ao núcleo bolsonarista porque votou a favor dos ministros indicados por Jair Bolsonaro (PL) —Nunes Marques e André Mendonça.

"Óbvio que tem pessoas que têm resistência. O pessoal do 8 de janeiro, que acha que tem a versão de que ele sabia de tudo e deixou acontecer. Mas aqui não tem tradição de barrar indicação. Minha opinião: a prerrogativa é do presidente, respeite-se", diz.

"Sempre defendi isso na bancada [do PT]. E acho difícil que tenha tido votos na bancada contra os dois indicados por ele [Bolsonaro]. Então, eu me considero com condições de pedir aos outros a reciprocidade ao gesto. Se eu vou ter, o voto é secreto, não sei."

Dino será sabatinado em 13 de dezembro. A data da sabatina de Gonet não está definida, mas será entre os dias 12 e 15 de dezembro, com outras autoridades pendentes de avaliação.

Questionado se a PEC que limita decisões monocráticas facilita a aprovação dos indicados, o senador respondeu que as duas coisas "são independentes". O presidente do Senado também evitou dar sua opinião sobre o titular da Justiça.

"Acho que as indicações são prerrogativas do presidente da República e nos cabe agora fazer uma aferição dos requisitos que cada um dos indicados preenche. E esse é um papel naturalmente da Comissão de Constituição e Justiça e depois do plenário", afirmou.

O Planalto avalia que Gonet deve ser aprovado pelo Senado com facilidade. Considerado conservador, o procurador foi inclusive cotado por apoiadores de Bolsonaro em 2019. Na ocasião, o ex-presidente escolheu Augusto Aras.

Na campanha para conquistar o apoio de Lula, Gonet contou desta vez com dois padrinhos políticos de peso, os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.

Apesar do clima hostil ao Supremo que culminou na aprovação da PEC que limita decisões monocráticas, defensores da proposta negam que haja uma crise institucional em curso capaz de contaminar as indicações de Lula