terça-feira, 23 de maio de 2023

CARLOTA AQUINO COSTA E CARLOS OCTÁVIO OCKÉ-REIS - A saúde financeira dos planos de saúde, FSP

 Carlota Aquino Costa

Diretora-executiva do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)

Carlos Octávio Ocké-Reis

Economista, é doutor em saúde coletiva pelo Instituto de Medicina Social Hesio Cordeiro

Nas últimas semanas multiplicaram-se notícias alertando para a eclosão de uma crise no mercado de planos de saúde. Mais do que focar nos motivos, as informações miravam principalmente a resposta à "ruína" do setor: altos reajustes nas mensalidades e ações de combate a fraudes são alguns exemplos.

A estratégia não é nova. Argumentos similares foram usados em outras datas, sempre a justificar o sacrifício do consumidor em prol do reequilíbrio financeiro do mercado: entre 2015 e 2019, em função da crise econômica, houve queda no número de consumidores, o que foi alardeado como ameaça à sustentabilidade dos planos. Na prática, a despeito da crise, o setor cresceu em receita e lucro no período.

UTI (Unidade de Terapia Intensiva) da Santa Casa de São Paulo - Joel Silva - 4.jul.2018/Folhapress - Folhapress

Na mesma linha, em 2020, no início da pandemia, as incertezas foram usadas contra demandas justas como a unificação de filas de leitos públicos e privados, a não aplicação de reajustes ou a realização de testes em massa —e até mesmo a suspensão de prazos de atendimento conseguiram garantir. O resultado foi inequívoco: lucros e operações financeiras recordes.

Derivada da retomada do uso de serviços de saúde após o arrefecimento da pandemia, além dos elevados custos administrativos (leia-se ineficiência), a alegada nova crise se resume aos resultados operacionais das operadoras. Na prática, a "financeirização" permitiu o equilíbrio das contas, com o setor fechando o ano no "zero a zero", segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Enquanto isso, a lucratividade e rentabilidade que antecederam a suposta crise jamais foram mencionadas, sobretudo nas operadoras líderes, e análises que apontam para o seu colapso passam ao largo de entendimentos favoráveis ao mercado no Judiciário, bem como de fusões e aquisições e do pico histórico de novos usuários em 2022.

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Ao mesmo tempo em que diversos mercados —como turismo e aviação, para dar alguns exemplos— sofreram duras perdas na pandemia, os planos de saúde testemunharam o período de menor sinistralidade e lucros recordes em 2020. E agora mobilizam a opinião pública sinalizando um resultado que não chegou nem perto do caos enfrentado em outros mercados para justificar reajustes estratosféricos. Será mesmo que o setor esperava que os anos seguintes seriam de desempenho parecido com 2020? E, se chegamos nesse nível de amadorismo, é justo ainda repassar ao consumidor a ineficiência que o mercado —e indiretamente a reguladora— produziu?

É preciso dar um basta à retórica alarmista, sempre oposta ao consumidor, à concorrência regulada, à qualidade dos serviços e ao interesse público. Um setor com volumosas isenções fiscais e que no ano passado faturou R$ 237,6 bilhões no segmento médico-hospitalar não está à beira do colapso.

Erros na quantificação e diluição dos riscos não podem ser repassados ao consumidor sob a ameaça de que a alternativa será a desassistência. E a mera ausência de lucro não deveria pautar decisões da ANS ou qualquer outra autoridade, uma vez que essas sim poderão causar prejuízos incalculáveis à saúde física, mental e financeira das famílias brasileiras.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Tribunal decide afastar novo juiz da Lava Jato das ações da operação, OESP

 O Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu nesta segunda-feira, 22, afastar cautelarmente o juiz Eduardo Appio da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, na qual tramitam ações remanescentes da Lava Jato. A decisão foi proferida pela Corte Especial Administrativa, por maioria de votos, no bojo de uma investigação sobre a conduta do juiz que é desafeto do senador Sérgio Moro e do deputado cassado Deltan Dallagnol - artífices da Operação.

A decisão foi dada após uma representação feita pelo desembargador Marcelo Malucelli, que se envolveu em imbróglio no caso do advogado Tacla Duran - ex-operador da Odebrecht que hoje acusa Moro e Deltan (veja mais abaixo). A Corte regional suspeita da ligação de Appio com 'ameaças' narradas pelo filho do desembargador, o advogado João Malucelli. João é sócio do escritório Wolff Moro, em Curitiba - do qual também constam como sócios a deputada Rosângela Moro e seu marido, o senador Sergio Moro.

O procedimento estava sob sigilo. Após a decisão pelo afastamento de Appio, o TRF-4 decidiu dar publicidade ao caso, que está sob relatoria do corregedor regional, desembargador Cândido Alfredo Silva Leal Júnior. O juiz terá 15 dias para apresentar defesa prévia.

Os desembargadores ainda determinaram que Appio devolva aparelhos eletrônicos por ele usados - desktop, notebook e celular funcionais. Os equipamentos ficarão acautelados com a Corte. O TRF-4 ressaltou a necessidade de adotar os 'devidos protocolos de cadeia de custódia de eventuais indícios e provas'.

Após a decisão vir a público, um dos principais desafetos de Appio, o deputado cassado Deltan Dallagnol, chamou o magistrado afastado de juiz militante. Em tuíte, o ex-procurador da República fez referência ao fato de o magistrado ter usado a expressão 'LUL22' como sigla de acesso aos sistemas da Justiça Federal no Paraná.

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Mais cedo, Appio disse que usou a sigla como uma forma de 'protesto isolado contra uma prisão que considerava ilegal'. O magistrado argumenta que, à época em que usava tal identificação, trabalhava com direito previdenciário e o hoje presidente estava detido na Lava Jato.

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O afastamento foi divulgado horas após o magistrado afirmar ter admiração por Lula. O magistrado disse que o presidente 'é uma figura histórica, muito importante para o País'. Frisou, no entanto, que tal 'admiração' 'não interfere em nada em suas decisões'.

Eduardo Appio assumiu como titular 13ª Vara Federal de Curitiba em fevereiro, após o juiz Luiz Antônio Bonat ser promovido a desembargador do TRF-4. Bonat inclusive participou do julgamento que culminou no afastamento de Appio - seu nome consta como suplente na certidão de julgamento da Corte Especial Administrativa da Corte regional.

A cadeira da qual o juiz agora foi afastado foi ocupada pelo ex-juiz Sérgio Moro, hoje senador, no auge da Lava Jato. Desde que assumiu o juízo base da Operação, Appio tomou uma série de medidas que inquietam a antiga força-tarefa, como o resgate do capítulo Tacla Duran, ex-operador financeiro da Odecbrecht que acusa Moro e Deltan Dallagnol. Algumas decisões inclusive geraram confrontos diretos com os artífices da Lava Jato.

O embate com Malucelli

Antes de ser afastado cautelarmente, Appio já havia sofrido embates com o TRF-4. O principal deles inclusive culminou na renúncia de um desembargador da Corte à relatoria dos processos da Lava Jato. Trata-se do desembargador Marcelo Malucelli, que é pai do advogado João Malucelli, sócio do escritório Wolff Moro, em Curitiba. Ele é o autor da representação no bojo da qual foi determinado o afastamento de Appio.

Malucelli renunciou aos processos da Lava Jato no TRF-4 após entrar na mira do Conselho Nacional de Justiça. O magistrado se envolveu em um imbróglio ao proferir despacho no caso do advogado Rodrigo Tacla Duran. Primeiro, o TRF-4 divulgou que o desembargador havia derrubado uma decisão de Appio e restabelecido a prisão preventiva do desafeto de Moro e Deltan. Depois, a Corte voltou atrás, e disse que houve erro de interpretação sobre a decisão.

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Antes da retificação do TRF-4, Appio também entendeu que o desembargador do TRF-4 havia restabelecido a prisão de Tacla Duran. O juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba chegou a instar diretamente Malucelli sobre o caso. O desembargador não só acabou na mira do CNJ, mas também teve que explicar sua decisão para a presidente do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber.


Eduardo Appio, Sergio Moro e Deltan Dallagnol. Fotos: Divulgação, Wilton Junior/Estadão e Gabriel Cruz/Podemos
Eduardo Appio, Sergio Moro e Deltan Dallagnol. Fotos: Divulgação, Wilton Junior/Estadão e Gabriel Cruz/Podemos  

Outros reveses antes do afastamento

O revés mais recente sofrido por Appio ocorreu na sexta-feira, 19. Na ocasião, o desembargador Loraci Flores de Lima, relator da Lava Jato na Corte regional, suspendeu audiência em que ex-ministro Antônio Palocci Filho (Fazenda/Governo Lula; Casa Civil/governo Dilma) pretendia rediscutir termos de seu acordo de delação premiada. O magistrado não só desmarcou a oitiva que havia sido determinada por Appio, mas também tirou o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba da discussão sobre a colaboração premiada de Palocci.

Em outro caso, o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores suspendeu decisão de Appio que havia anulado condenação de 14 anos de prisão imposta por Moro ao ex-governador do Rio Sérgio Cabral. Thompson Flores considerou que juiz descumpriu decisão anterior do TRF-4 - a qual havia mandado Appio analisar pedidos de suspeição contra ele formulados.

No sábado, 20, rejeitou um dos processos que alegava sua suspeição. A ação em questão foi movida por uma procuradora de Ponta Grossa, no interior do Paraná, pedindo o afastamento do juiz da Lava Jato. Ao rejeitar as alegações, Appio disse ser vítima de uma narrativa 'leviana'. Afirmou ainda que as acusações contra ele não passam de 'conjecturas, de caráter absolutamente genérico, desprovidas de qualquer lastro probatório'.

Embrapa estuda árvore amazônica para substituir mercúrio em garimpo, FSP

 O uso do mercúrio na extração de ouro pode estar com os dias contados. Pesquisas mostram que folhas de uma planta da região amazônica poderão ser a solução. Além de resolver uma série de problemas deixados pelo uso do mercúrio, a planta recomporá áreas removidas pelos próprios garimpos.

Pesquisadores da Embrapa, cooperativa de garimpeiros, três universidades e até o setor de joias estão voltados para esse projeto, que visa a obtenção de um extrato das folhas de pau-de-balsa ("Ochroma pyramidade"). A árvore, frondosa, com crescimento rápido e que pode atingir 30 metros, tem vários nomes populares, como pau-de-balsa, pau-de-jangada, pata-de-lebre e outros, dependendo da região do país.

"Ochroma pyramidade", também conhecida por pau-de-balsa e pau-de-jangada
"Ochroma pyramidade", também conhecida por pau-de-balsa e pau-de-jangada - Wikimedia Commons

"Não estamos inventando a roda, mas tentando melhorá-la", diz Marina Morales, pesquisadora da Embrapa Florestas e responsável pela condução dos estudos. A fala tem sentido, porque a utilização da folha do pau-de-balsa já ocorre, embora de forma artesanal, na região de Chocó, na Colômbia.

O que se pretende agora é obter um bioextrato, retirado das folhas da árvore, para que seja um bioextrator do ouro e, se competitivo, um possível substituto do mercúrio. Na Colômbia, a planta mostrou viabilidade como substituta do mercúrio na extração do ouro, quando feita a céu aberto.

Morales ainda prevê muitos desafios dentro do laboratório. O caminho traçado pelo grupo, no entanto, tem grandes chances de obter uma produção em escala. A pesquisa está sendo bem aceita, mas ela acredita que ainda terá de tirar muita gente da zona de conforto no desenrolar do projeto.

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A primeira parte do estudo, que se iniciou em 2020, visou elevar o potencial do que já está sendo feito, com a caracterização química das folhas do pau-de-balsa. O objetivo é buscar um extrator mais competitivo do que o mercúrio, ou pelo menos igual, afirma a pesquisadora.

Folhas de pau-de-balsa (Ochroma pyramidade). A árvore, frondosa, com crescimento rápido e que pode atingir 30 metros, tem vários nomes, como pau-de-balsa, pau-de-jangada, pata-de-lebre e outros. Planta da Amazônia pode substituir mercúrio na extração de ouro
Folhas de pau-de-balsa ("Ochroma pyramidade") - Divulgação Embrapa

Neste ano, o estudo entra na segunda fase, com o intuito de melhorar o bioextrato. Por meio da Coogavepe (Cooperativa dos Garimpeiros do Vale do Rio Peixoto), na região de Peixoto de Azevedo (MT), serão recolhidas amostras para a comparação entre a extração tradicional com mercúrio e a com o bioextrator da folha de pau-de-balsa. A cooperativa reúne 150 garimpos de pequena escala liberados para minerar.

A extração do ouro em céu aberto é feita com a remoção do solo e a utilização de jatos de água para a separação de minérios, gerando o "concentrado". O passo seguinte é a utilização do mercúrio para a separação do ouro de outros minerais.

Nesse último passo, os pesquisadores vão utilizar o bioextrator do pau-de-balsa, em vez do mercúrio. Na primeira fase do projeto, foram apuradas quatro possíveis formulações, que serão testadas e aprimoradas para ver qual melhor substitui o mercúrio.

A pesquisadora da Embrapa diz que o objetivo é ter um bioextrator atóxico competitivo, de maneira que possa ser utilizado não apenas de forma artesanal mas também por pequena mineração, com indicação de análises de toxicidade e de citotoxicidade.

Os testes nas novas formulações vão indicar a toxicicidade do produto. Será medida a atuação do bioextrator em pequenos crustáceos e feita a varredura química deles para avaliar possíveis interferências. A citotoxicidade mede os efeitos do produto tanto em modelo animal quanto em vegetal.

O bioextrator, em fase final e já melhorado, será posto em contato com raízes de plantas —nesse caso, a cebola— para verificar eventuais aberrações. No modelo animal, o teste será em peixes.

São normais ajustes finos no desenrolar de uma pesquisa, mas Morales crê que a partir de 2025 a fase de laboratório passe para a de testes em garimpos de pequena escala. Em um cenário ideal, uma nova etapa do processo seria encaminhada, a da produção das árvores de pau-de-balsa em área próxima à dos garimpos.

A proximidade do plantio das árvores aos garimpos tem vários fatores positivos. Permite a montagem de uma biofábrica na própria região, evitando o transporte de folhas e reduzindo custos. O plantio serve para uma revegetação das áreas já utilizadas pelos garimpos e para a exploração comercial da madeira de pau-de-balsa. Leve e resistente, a madeira tem várias utilidades, que vão de hélices para geradores de energia eólica a artesanatos e brinquedos.

A introdução do pau-de-balsa na extração do ouro trará uma série de benefícios, que vão da proteção à saúde dos trabalhadores e da população ribeirinha à maior sustentabilidade ambiental e econômica.

A utilização do mercúrio em áreas específicas de manipulação em garimpos legalizados pode diminuir a liberação desse metal no ambiente, o que não ocorre nos garimpos ilegais. O problema maior do mercúrio é ser cumulativo, diz a pesquisadora. Vai seguindo na cadeia e traz sérios riscos de saúde e ao ambiente, podendo levar, no caso humano, a uma síndrome neurodegenerativa.

Além da Embrapa Florestas, participam dos estudos do desenvolvimento do extrato a Embrapa Agrossilvipastoril, a Coogavepe, a UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), a UEM (Universidade Estadual de Maringá) e a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). O estudo preliminar foi financiado por Raquel de Queiroz, designer de joias.