segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

O futuro pertence às wallets, Ronal do Lemos, FSP

 Ter conta em banco pode se tornar algo obsoleto e sem graça em um futuro próximo. A razão principal é que as contas tradicionais de banco são capazes de guardar praticamente uma única coisa: dinheiro em espécie. Por isso tendem a ficar cada vez mais demodês. O futuro pertence às chamadas "wallets", termo em inglês que significa "carteira".

O nome é bom. Pense em tudo que você guarda na carteira (para quem ainda usa carteira!): sua identidade, o ingresso para um show no fim de semana, cartões de crédito, cartões de visita e assim por diante. Essa é a característica das wallets digitais: elas são capazes de guardar qualquer tipo de ativo. Tanto os que a gente carrega hoje na carteira física como infinitos outros que existem hoje no presente ou poderão ser criados no futuro.

Plataforma de entregas oferece soluções rápidas e econômicas
Ter conta em banco pode se tornar algo obsoleto - Unsplash

Em outras palavras, uma wallet pode carregar dinheiro tradicional, pode carregar criptomoedas de qualquer natureza, títulos e valores mobiliários, notas de crédito e débito, ingressos, passagens aéreas, debêntures, identidades, certificados, diplomas, NFTs, stablecoins de qualquer moeda, dados pessoais e assim por diante.

Outra beleza das wallets é que ela torna todos esses ativos também facilmente circuláveis. Não vai conseguir ir no show do fim de semana? Mande o ingresso digitalmente para uma amiga. Precisa dar entrada em um documento ou assinar um contrato? Use sua identidade e assinatura digital armazenada na sua wallet e faça tudo pelo celular sem sair de casa.

O último relatório do "Global Payments Report" mostrou que as wallets crescem também no Brasil. De acordo com o relatório, as carteiras digitais móveis já representam 8% dos pagamentos em pontos de venda físicos e 16% dos pagamentos no comércio eletrônico.

No entanto, é preciso também qualificar as características das wallets. Muita gente defende que para que elas seja inovadoras para valer é importante que sejam descentralizadas e autocustodiadas. Em outras palavras, depositar ativos virtuais na conta de alguma instituição não muda muita coisa. Já custodiar os ativos você mesmo muda tudo. No primeiro caso, se a instituição falir, você perde tudo. Já se eles estiverem sendo autocustodiados na sua wallet, você não perde nada (os ativos, seja dinheiro, ingressos ou criptomoedas, estão sob seu total controle).

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Inclusive a Fundação Linux criou a importante iniciativa chamada "Open Wallet Foundation". Seu objetivo é criar e manter código livre, aberto, seguro e gratuito para que qualquer pessoa possa criar e gerir sua própria carteira digital. Isso abre uma oportunidade gigantesca para os bancos e outras instituições: podem se tornar também custodiantes das credenciais de acesso que as pessoas têm sobre suas carteiras digitais descentralizadas, cuidando da segurança delas.

Quando as wallets crescerem, a mercadoria que vai se tornar mais valiosa será a confiança. O surgimento de agentes de confiança que protegem os detentores das wallets sem necessariamente custodiarem seus ativos será promissor. Esse modelo pode se tornar realmente revolucionário. Imagine, por exemplo, que seus dados pessoais possam ser um dos ativos da sua wallet. Você poderá fazer a gestão deles diretamente (e ser pago em dinheiro por seu uso se quiser). Talvez 2023 seja um ano em que muita gente vá baixar e experimentar com o potencial das wallets pela primeira vez.

Já era – armazenar ativos apenas em contas mantidas por uma instituição

Já é – armazenar ativos você mesmo, mas se perder a chave de acesso a eles, adeus!

Já vem – armazenar ativos você mesmo, mas a chave de acesso ser custodiada por uma instituição

LUARA CALVI ANIC Um fato que não existiu é a melhor escolha para a capa do jornal?, FSP

 Luara Calvi Anic

Jornalista, pesquisa fotografia contemporânea e cursa mestrado em ciências da comunicação pela ECA-USP

Quando a fotografia como a conhecemos passou a ser usada em jornais e revistas, ali nos anos 1930, ela era celebrada por sua incrível capacidade de mostrar coisas nunca antes vistas, países e costumes a que jamais teríamos acesso. Tente imaginar o privilégio que era ter uma revista ilustrada em mãos e poder ver o mundo. A fotografia também foi exaltada como uma prova incontestável da verdade. Finalmente havia se chegado a uma maneira de comprovar os fatos.

Os editores então tiveram a ideia de seguir o formato do rolo do filme e publicar uma sequência de fotos sobre um mesmo assunto. Nascia a reportagem fotográfica. A verdade ficaria ainda mais factível. As revistas Münchner Illustrierte Presse, na Alemanha, Vu, na França, e Life, nos Estados Unidos, eram as grandes referências desse formato. Por aqui, O Cruzeiro inaugurou esse modelo pelo olhar do fotógrafo e editor Jean Manzon.

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Foto feita com técnica de múltipla exposição mostra o presidente Lula e vidro avariado após ataques do dia 8 - Gabriela Biló - 18.jan.2023/Folhapress - Folhapress

Com o tempo, no entanto, mídia, fotógrafos e pesquisadores da imagem começaram a admitir que fotos poderiam ser manipuladas. Não apenas como se faz no Photoshop hoje em dia, mas na hora do próprio clique, a partir da escolha do ponto de vista. "Existe a realidade do fato e a realidade da representação. Falamos de diferentes realidades", como escreve o pesquisador da imagem Boris Kossoy.

Em seus livros, ele afirma que realidades e ficções permeiam a imagem fotográfica. Um clique carrega a bagagem cultural do fotógrafo, suas crenças e intenções. No caso do fotojornalismo, a imagem ainda passa pelas escolhas e pelos filtros do veículo, dos editores.

Isso não quer dizer, no entanto, que a busca pelos fatos não deva estar sempre na mira do fotojornalista, de quem escolhe as fotos para a capa do jornal, daquele que escreve a legenda. Até porque, mesmo que a fotografia não seja a prova definitiva da verdade, ela ainda é usada como tal.

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, durante entrevista à Folha, em Brasília; foto foi feita com técnica de múltipla exposição - Gabriela Biló/Folhapress - Folhapress

Não faltam exemplos de fake news, de influencers cobertos de filtros e tratamentos, de imagens falsas geradas por videogame circulando como reais. Se até o streamer Casimiro teve seu balão de aniversário transformado no "22" de Jair Bolsonaro, e houve gente que acreditou, como esperar que o leitor tenha um olhar suficientemente crítico para interpretar infinitas imagens que são produzidas diariamente?

Será que os leitores da Folha que viram a imagem de Lula na Primeira Página do jornal foram imediatamente capazes de identificar que o presidente "ajeita a gravata e sorri", como explicou a fotógrafa Gabriela Biló, autora da imagem? Ou será que essas costas curvadas nos dão a entender que ele sofreu um atentado a bala?

Post de Casimiro Miguel pelos seus 29 anos e depois, manipulando, como apoiador de Bolsonaro
Post de Casimiro Miguel pelos seus 29 anos e, depois, manipulado como apoiador de Jair Bolsonaro - Reprodução/Instagram

Está certo que o jornal avisou na legenda: "Foto feita em múltipla exposição mostra Lula ajeitando a gravata e vidro avariado em ataque". Mas tudo indica que não foi suficienteBiló teve que fazer vídeos para explicar esse truque fotográfico, como num curso de fotografia.

De fato, imagens são abertas para interpretação, e também é papel do jornalismo provocar seus leitores.

Mas o que define se uma fotografia é trabalho de arte, fotojornalismo, ensaio de moda ou publicidade é a essência da sua expressão e o lugar onde ela foi inserida.

Seria exagero dizer que a foto incita a violência. Mas, diante de uma tentativa de golpe e ameaça à democracia, essa fotomontagem —um fato que não existiu, algo que não aconteceu na vida real— é a melhor escolha para estampar a capa do jornal?

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