Luara Calvi Anic
Quando a fotografia como a conhecemos passou a ser usada em jornais e revistas, ali nos anos 1930, ela era celebrada por sua incrível capacidade de mostrar coisas nunca antes vistas, países e costumes a que jamais teríamos acesso. Tente imaginar o privilégio que era ter uma revista ilustrada em mãos e poder ver o mundo. A fotografia também foi exaltada como uma prova incontestável da verdade. Finalmente havia se chegado a uma maneira de comprovar os fatos.
Os editores então tiveram a ideia de seguir o formato do rolo do filme e publicar uma sequência de fotos sobre um mesmo assunto. Nascia a reportagem fotográfica. A verdade ficaria ainda mais factível. As revistas Münchner Illustrierte Presse, na Alemanha, Vu, na França, e Life, nos Estados Unidos, eram as grandes referências desse formato. Por aqui, O Cruzeiro inaugurou esse modelo pelo olhar do fotógrafo e editor Jean Manzon.
Com o tempo, no entanto, mídia, fotógrafos e pesquisadores da imagem começaram a admitir que fotos poderiam ser manipuladas. Não apenas como se faz no Photoshop hoje em dia, mas na hora do próprio clique, a partir da escolha do ponto de vista. "Existe a realidade do fato e a realidade da representação. Falamos de diferentes realidades", como escreve o pesquisador da imagem Boris Kossoy.
Em seus livros, ele afirma que realidades e ficções permeiam a imagem fotográfica. Um clique carrega a bagagem cultural do fotógrafo, suas crenças e intenções. No caso do fotojornalismo, a imagem ainda passa pelas escolhas e pelos filtros do veículo, dos editores.
Isso não quer dizer, no entanto, que a busca pelos fatos não deva estar sempre na mira do fotojornalista, de quem escolhe as fotos para a capa do jornal, daquele que escreve a legenda. Até porque, mesmo que a fotografia não seja a prova definitiva da verdade, ela ainda é usada como tal.
Não faltam exemplos de fake news, de influencers cobertos de filtros e tratamentos, de imagens falsas geradas por videogame circulando como reais. Se até o streamer Casimiro teve seu balão de aniversário transformado no "22" de Jair Bolsonaro, e houve gente que acreditou, como esperar que o leitor tenha um olhar suficientemente crítico para interpretar infinitas imagens que são produzidas diariamente?
Será que os leitores da Folha que viram a imagem de Lula na Primeira Página do jornal foram imediatamente capazes de identificar que o presidente "ajeita a gravata e sorri", como explicou a fotógrafa Gabriela Biló, autora da imagem? Ou será que essas costas curvadas nos dão a entender que ele sofreu um atentado a bala?
Está certo que o jornal avisou na legenda: "Foto feita em múltipla exposição mostra Lula ajeitando a gravata e vidro avariado em ataque". Mas tudo indica que não foi suficiente. Biló teve que fazer vídeos para explicar esse truque fotográfico, como num curso de fotografia.
De fato, imagens são abertas para interpretação, e também é papel do jornalismo provocar seus leitores.
Mas o que define se uma fotografia é trabalho de arte, fotojornalismo, ensaio de moda ou publicidade é a essência da sua expressão e o lugar onde ela foi inserida.
Seria exagero dizer que a foto incita a violência. Mas, diante de uma tentativa de golpe e ameaça à democracia, essa fotomontagem —um fato que não existiu, algo que não aconteceu na vida real— é a melhor escolha para estampar a capa do jornal?
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