Depois de uma semana de escândalo sobre a Americanas, se sabe apenas que alguém maquiou os balanços por pelo menos uns cinco anos (o período foi estimado, por assim dizer, pelo ex-presidente da empresa, Sérgio Rial). O resto é fofoca, especulação e escárnio eufemístico.
Não se sabe quase nadinha sobre a mumunha contábil (onde esconderam o elefante vermelho no balanço), quem comandou a mutreta, quem sabia do rolo, qual o peso do paquiderme, por qual motivo gente da empresa decidiu esconder prejuízos contábeis por anos ou se os resultados contábeis fictícios engordaram o pagamento de alguém (ou em quanto).
Chamar tudo isso de "inconsistência contábil" é, além de analfabetismo, camuflagem de rolo grosso ("inconsistente" é um anglicismo tosco, como tantos que infestam a língua, por causa dos iletrados "translate": significa incoerência, incompatibilidade ou cascata grossa mesmo).
A empresa, ao que parece e em resumo simples, se endividava com bancos a fim de pagar fornecedores de mercadorias, mas preferiu, por assim dizer, não contar o tamanho do papagaio pirata. Ainda não se sabe nem o tamanho total da camuflagem, segundo Rial.
Dirigentes da empresa fraudaram, pois, a própria medida da qualidade de seu crédito, para dizer o mínimo. Enganaram acionistas, bancos e fornecedores, entre outros interessados (como aqueles que acreditam no funcionamento e na supervisão do mercado). Se aconteceu o que Rial relatou, é fraude, a não ser que alguém imagine que o estagiário tenha bagunçado a planilha do Excel.
Pensem bem: esse tipo de pedalada causaria o maior escândalo se, por hipótese, acontecesse em um governo petista, né? Até poderiam derrubar o presidente. Imaginem só. No caso de "o mercado", é "inconsistência".
Mesmo pedalando e cantando, a Americanas, supostamente, fazia seus pagamentos a bancos (que de outro modo gritariam, certo?). Se tinha dívidas desse tipo, supostamente vendera ou tinha em estoque (mínimo) as mercadorias que financiava. Isso a julgar pelas escassas explicações divulgadas. Em tese, supostamente, o dinheiro entrava e saía. A Americanas disse que o rolo não teria "impacto material".
Mas a empresa estava no vermelho contábil. De algum modo, estava pedalando, sabe-se lá por iniciativa, conivência, dolo ou omissão de quem (vários executivos, pois não se faz uma pirueta dessas sem a colaboração de um monte de gente).
Para usar um eufemismo, a Americanas tem mais dívidas do que declarava, provavelmente pagava mais juros do que contava e seu lucro "na contabilidade" era menor do que dizia oficialmente em público.
Para falar a linguagem de alguns credores, tal como banco BTG Pactual, trata-se de "lambança contábil" e da "maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país". Para a Associação Brasileira de Investidores, foi "fraude bilionária".
Os bancos certamente viram a dívida da Americanas crescer muito. Deveriam saber quanto crédito seus pares haviam concedido (Santander, Bradesco, Safra, Itaú, Banco do Brasil e BTG Pactual) e nem um deles apenas deve ter ficado tão mais exposto que os outros. Obviamente, a culpa não é das vítimas do (potencial) calote, mas ninguém sentiu o cheiro de queimado?
A empresa deve ir para recuperação judicial. Vai dar calote, em parte, ao menos. Supondo que o papagaio morto (baixa contábil para os bancos) seja de R$ 20 bilhões e tirando o abatimento fiscal de 45%, temos aí um buraco de uns R$ 10 bilhões. Não vai quebrar ninguém, mas vai fraturar as canelas, assustar fornecedores, bagunçar crédito de capital de giro e assemelhados, desacreditar o mercado de ações e, rir, rir, rir, empresas de auditoria.