quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Vinicius Torres Freire - Pedalada da Americanas escondeu elefante vermelho no balanço, FSP

 

Depois de uma semana de escândalo sobre a Americanas, se sabe apenas que alguém maquiou os balanços por pelo menos uns cinco anos (o período foi estimado, por assim dizer, pelo ex-presidente da empresa, Sérgio Rial). O resto é fofoca, especulação e escárnio eufemístico.

Não se sabe quase nadinha sobre a mumunha contábil (onde esconderam o elefante vermelho no balanço), quem comandou a mutreta, quem sabia do rolo, qual o peso do paquiderme, por qual motivo gente da empresa decidiu esconder prejuízos contábeis por anos ou se os resultados contábeis fictícios engordaram o pagamento de alguém (ou em quanto).

Chamar tudo isso de "inconsistência contábil" é, além de analfabetismo, camuflagem de rolo grosso ("inconsistente" é um anglicismo tosco, como tantos que infestam a língua, por causa dos iletrados "translate": significa incoerência, incompatibilidade ou cascata grossa mesmo).

Fachada de uma unidade da Americanas
Fachada de uma unidade da Americanas - Reuters

A empresa, ao que parece e em resumo simples, se endividava com bancos a fim de pagar fornecedores de mercadorias, mas preferiu, por assim dizer, não contar o tamanho do papagaio pirata. Ainda não se sabe nem o tamanho total da camuflagem, segundo Rial.

Dirigentes da empresa fraudaram, pois, a própria medida da qualidade de seu crédito, para dizer o mínimo. Enganaram acionistas, bancos e fornecedores, entre outros interessados (como aqueles que acreditam no funcionamento e na supervisão do mercado). Se aconteceu o que Rial relatou, é fraude, a não ser que alguém imagine que o estagiário tenha bagunçado a planilha do Excel.

Pensem bem: esse tipo de pedalada causaria o maior escândalo se, por hipótese, acontecesse em um governo petista, né? Até poderiam derrubar o presidente. Imaginem só. No caso de "o mercado", é "inconsistência".

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Mesmo pedalando e cantando, a Americanas, supostamente, fazia seus pagamentos a bancos (que de outro modo gritariam, certo?). Se tinha dívidas desse tipo, supostamente vendera ou tinha em estoque (mínimo) as mercadorias que financiava. Isso a julgar pelas escassas explicações divulgadas. Em tese, supostamente, o dinheiro entrava e saía. A Americanas disse que o rolo não teria "impacto material".

Mas a empresa estava no vermelho contábil. De algum modo, estava pedalando, sabe-se lá por iniciativa, conivência, dolo ou omissão de quem (vários executivos, pois não se faz uma pirueta dessas sem a colaboração de um monte de gente).

Para usar um eufemismo, a Americanas tem mais dívidas do que declarava, provavelmente pagava mais juros do que contava e seu lucro "na contabilidade" era menor do que dizia oficialmente em público.

Para falar a linguagem de alguns credores, tal como banco BTG Pactual, trata-se de "lambança contábil" e da "maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país". Para a Associação Brasileira de Investidores, foi "fraude bilionária".

Os bancos certamente viram a dívida da Americanas crescer muito. Deveriam saber quanto crédito seus pares haviam concedido (Santander, Bradesco, Safra, Itaú, Banco do Brasil e BTG Pactual) e nem um deles apenas deve ter ficado tão mais exposto que os outros. Obviamente, a culpa não é das vítimas do (potencial) calote, mas ninguém sentiu o cheiro de queimado?

A empresa deve ir para recuperação judicial. Vai dar calote, em parte, ao menos. Supondo que o papagaio morto (baixa contábil para os bancos) seja de R$ 20 bilhões e tirando o abatimento fiscal de 45%, temos aí um buraco de uns R$ 10 bilhões. Não vai quebrar ninguém, mas vai fraturar as canelas, assustar fornecedores, bagunçar crédito de capital de giro e assemelhados, desacreditar o mercado de ações e, rir, rir, rir, empresas de auditoria.

A história se repete na Fiesp, FSP

 Fernanda Perrin

SÃO PAULO

Uma oposição que se forma contra um presidente por se sentir desprestigiada, alienada do centro do poder. Essa é a história da Fiesp hoje, e da Fiesp 20 anos atrás.

Entre 1998 e 2004, a entidade foi presidida por Horácio Lafer Piva. Como Josué Gomes da Silva, destituído do comando por uma assembleia realizada nesta segunda (16), Piva vem de uma família tradicional da grande indústria. De um lado, Klabin, do outro, Coteminas.

Ambos, ao que tudo indica, mexeram em um vespeiro. Em sua gestão, Piva demitiu 4.000 pessoas (incluindo na conta Sesi e Senai), entre eles muitos apadrinhados de dirigentes sindicais que orbitam a Fiesp, segundo reportagens da época.

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Josué Gomes da Silva, ex-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) - Governo do Estado de São Paulo

Em seu plano de modernização da entidade, em um período em que a indústria sofria uma reconfiguração diante da abertura comercial, Piva centralizou o poder, desmantelou departamentos e atacou regalias. Caminho que Josué parecia estar trilhando.

Mesmo em termos de personalidade os dois se parecem. Como Josué, Piva era visto como fechado e pouco habilidoso na política diária da entidade.

Entre os dois mandatos, apenas um presidente: Paulo Skaf –que não poderia ser mais diferente de ambos.

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Skaf não é um empresário tradicional. Seus críticos, inclusive, gostam de destacar que se trata de um industrial sem indústria. O próprio gosta de contar sua história como uma narrativa de ascensão do underdog, à margem da elite do setor, que, não obstante, dominou a principal porta-voz da indústria no país.

Outro jeito de contar essa história, porém, é de um político habilidoso que soube reunir em torno de si os interesses de dirigentes de sindicatos de pouco peso, sintomas de uma indústria combalida, que vivem de e para a Fiesp.

Foi assim que Skaf conseguiu eleger-se pela primeira vez e, ao que tudo indica, é assim que ele busca voltar ao poder agora, embora negue oficialmente qualquer relação com a rebelião enfrentada por Josué.

Há, porém, uma diferença importante entre os dois momentos. À insatisfação miúda manifestada por sindicatos com falta de espaço em departamentos e conselhos e desprestígio soma-se uma oposição genuinamente política à mudança de posicionamento que o atual presidente implementava.

Nos 17 anos em que Skaf comandou a Fiesp, a entidade andou mais para a direita, a ponto de apoiar explicitamente o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Embora seja comum atribuir a Skaf a responsabilidade por esse deslocamento, ele já vinha ocorrendo, reflexo de um apequenamento da Fiesp. De fórum da grande indústria nacional em seus tempos áureos, a entidade foi se fragilizando no mesmo passo do setor.

Longe da caricatura do grande capitalista, boa parte do empresariado que frequenta o prédio da avenida Paulista hoje tem um perfil muito mais próximo da classe média. Lidera negócios pequenos e médios, frágeis, dependentes de afagos e favores. Vive da mão para a boca, como descreveu um grande industrial.

Skaf é, na verdade, tanto sintoma quanto parasita da desindustrialização. É este o cerne da crise de representatividade que se aplaca sobre a Fiesp há décadas.

Josué é um estranho no ninho, sobrevivente de uma elite contra a qual a massa de pequenos e ressentidos –em outras palavras, bolsonaristas– se volta.

A rebelião atual parece ser, finalmente, o esgotamento de um símbolo que se esvazia.