Procurava-se acelerar o processo de democratização, que só se completaria, cerca de dez anos depois, com a nova Constituição e as eleições diretas para presidente.
Garantiu-se, com aquele acordo, que exilados e perseguidos políticos voltassem ao país. Pessoas como Leonel Brizola, Betinho, Fernando Gabeira, Paulo Freire, Almino Affonso e Luiz Carlos Prestes puderam retornar sem correr o risco de serem postos na cadeia.
Pois bem. Aquele acordo, hoje em dia, está rompido. Quando o então deputado federal Jair Bolsonaro declarou seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff, homenageando o animal que a torturara, ficou nítido que o país entrava em nova fase.
Os militares e seus capachos, até então, tinham vergonha do que fizeram; ou, pelo menos, fingiam ter. Quando se falava em tortura, negavam que tivessem algo a ver com o que acontecera; fizeram de tudo para impedir e atrapalhar os trabalhos da Comissão da Verdade. Recorriam ao velho refrão dos nazistas em Nuremberg: "Eu não sabia de nada do que estava acontecendo".
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E, se nada disso funcionasse, lançavam a última defesa: a Lei da Anistia colocara uma pedra em cima do assunto, a página estava virada, não fazia sentido relembrar o passado.
Bolsonaro e seus seguidores mudaram completamente o modo de tratar esse assunto. Eles próprios elogiam os torturadores, enaltecem os assassinos. O país passou a ouvir frases como a de que a ditadura devia ter matado 30 mil, e não só 3.000 pessoas. Brilhante Ustra foi chamado ‘herói nacional’.
O sempre admirável André Trigueiro, na Globonews, lembrou que no gabinete de Bolsonaro havia um cartaz dizendo "Quem procura osso é cachorro". O então deputado "brincava" com os familiares de desaparecidos que buscavam, ainda, identificar os restos mortais daqueles a quem a ditadura trucidou.
Estranho esse sistema de fazer brincadeirinhas com as unhas arrancadas, com os fetos que se perderam em meio a espancamento, com as pessoas jogadas vivas do alto de um avião, com os que, ao entrar numa sala de tortura, encontraram espalhados no chão o sangue misturado a pedaços de massa encefálica do interrogado anterior.
De um cantor de rock troglodita ao presidente e ao vice-presidente da República, todos esses palhaços acham que ninguém irá reagir de verdade ao que dizem.
Acham interessante provocar indignação. Afinal, são sempre os mesmos que se chocam. O resto, a maioria, não vai se importar muito, e no médio prazo vai-se consolidando o projeto da extrema direita, aqui e em todas as partes do mundo. A saber, o de tornar as pessoas insensíveis a qualquer tipo de barbaridade que se venha a cometer.
Fuzilamentos em favelas já fazem parte do cotidiano brasileiro há muito tempo. Se jogarem napalm numa aldeia de índios, vai ficar um pouco chato, mas logo se chega lá.
Guilherme Boulos (PSOL), pré-candidato a deputado federal por São Paulo e coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), ingressará nesta terça-feira (19) com uma ação popular na Justiça Federal de São Paulo contra a estatal Codevasf e as empreiteiras Engefort Empreendimentos e Del Construtora Ltda..
A Folha revelou que a Engefort tem conquistado a maioria das concorrências de pavimentação do governo Jair Bolsonaro (PL) em diferentes licitações nas quais participou sozinha ou na companhia de uma empresa de fachada registrada em nome do irmão de seus sócios, a Del Construtora.
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A construtora, com sede em Imperatriz, sul do Maranhão, explodiu em verbas na atual gestão e sob Bolsonaro foge de sua tradição ao obter também contratos para asfaltamento longe de sua base.
Até agora, o governo reservou cerca de R$ 620 milhões do Orçamento para pagamentos à empresa —o valor total já quitado a ela soma R$ 84,6 milhões. Apesar do volume, a empresa é uma caixa-preta e silencia sobre seus contratos e a firma de fachada usadas nas concorrências.
O objetivo da ação de Boulos é o de anular todos os contratos entre a estatal e a empreiteira.
"Bolsonaro e o centrão estão desviando mais de R$ 3 bilhões em emendas para uma empresa de fachada enquanto milhões de brasileiros passam fome", afirma Boulos.
Na ação, o líder do MTST também irá pedir investigação e indiciamento criminal e administrativo de todos os envolvidos, além da suspensão imediata dos pagamentos feitos pela estatal à empresa.
Lá pelos idos do ano 2000, quando eu era gerente de produtos da AOL (America Online) e tinha sob minha responsabilidade as versões brasileiras do Instant Messenger e do ICQ, percebi que a empresa que oferecesse o melhor aplicativo de mensagens conquistaria o coração dos internautas. Duas décadas depois, essa empresa é a Meta, com seu Facebook Messenger e principalmente seu WhatsApp.
Isso é tão verdade que hoje um presidente compra briga com outro poder da República por causa desses programas. Na mais recente bravata, nesse sábado, Jair Bolsonaro disse que não aceitará o acordo da Meta com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que fará com que novos recursos sejam incorporados ao WhatsApp apenas após a eleição desse ano.
Mas, afinal, o que há de tão especial nesse programa a ponto de provocar essa balbúrdia toda?
Veja esse artigo em vídeo:
O WhatsApp hoje é usado por 120 milhões de brasileiros, o que o coloca muito à frente de qualquer outra forma de comunicação por aqui. Estima-se que esteja instalado em 99% dos smartphones no país. Por isso, as mensagens distribuídas pelas plataformas têm uma incrível capacidade de se disseminar rapidamente.
O comunicador da Meta teve um papel importante nos resultados das eleições de 2018 e 2020: os candidatos que melhor dominaram a plataforma conseguiram muitos votos assim, não raro valendo-se de farta distribuição de notícias falsas. Por isso, o TSE firmou um acordo com as principais plataformas digitais para minimizar o problema com ações em conjunto na campanha desse ano, tentando “desarmar essa bomba” que o aplicativo se tornou. Participam da iniciativa a Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp), o Google (dono do YouTube), o Twitter, o TikTok e o Kwai.
A confusão começou na quinta, quando a Meta anunciou novos recursos do WhatsApp, que serão liberados gradativamente para usuários do mundo todo a partir das próximas semanas. Mas, pelo acordo com o TSE, eles chegarão aos smartphones brasileiros apenas após o segundo turno das eleições.
A principal novidade é o recurso de “comunidades”, que permitirão a união de até dez grupos em um único espaço. Como cada grupo permite hoje até 256 usuários, uma mensagem publicada em uma comunidade poderia atingir imediatamente até 2.560 usuários. A Meta ainda estuda dobrar a capacidade de cada grupo para 512 usuários. No Telegram, concorrente direto do WhatsApp, os grupos podem conter 200 mil usuários.
Outros recursos do pacote de melhorias são a possibilidade de se realizar chamadas de voz com até 32 pessoas simultaneamente e a transferência de arquivos com até 2 GB. Atualmente esse limite é de 16 MB para arquivos no celular e 64 MB no WhatsApp Web.
Todos esses recursos seriam muito úteis em uma campanha eleitoral, sem dúvida. Postergar seu lançamento para depois da eleição é um grande revés para candidatos que usam muito essas plataformas. Isso explica a reação de Bolsonaro, que chamou a decisão de “inadmissível”.
A Meta reforçou que o WhatsApp não deve ser usado para atividade política, mas obviamente nenhum candidato ou seus apoiadores deve respeitar isso.
Baixando a guarda
Existem várias explicações para essa incrível capacidade de convencimento pelos aplicativos de mensagens instantâneas. Ao contrário de e-mails, que trazem blocos inteiros de conversas, desestimulando os interlocutores a fazer muitas trocas, os programas como o WhatsApp, com suas mensagens curtas, informais e divertidas, favorecem isso. Essa mistura de serviço de mensagens com rede social torna a comunicação mais fluida, o que é positivo para a troca de ideias, mas faz com que os usuários “baixem a guarda” e acreditem muito mais facilmente no que chega por ali.
Esse é o motivo pelo que o WhatsApp se tornou o canal preferido por criminosos para aplicar diferentes tipos de golpes digitais. Não se trata de falhas técnicas da plataforma: os bandidos se valem justamente dessa vulnerabilidade das pessoas para enganá-las, às vezes com mentiras em que raramente cairiam em outros casos.
Os políticos usam exatamente a mesma estratégia, porém de maneira orquestrada e em escala industrial.
A criação de suas mensagens agrada a sua base de eleitores, essência, aliás, do jogo político. A diferença é que, com as plataformas digitais, essas ideias são distribuídas com uma velocidade avassaladora, inicialmente por robôs, e depois pelos próprios usuários, que gostariam que aquela informação acontecesse, mesmo que seja uma mentira deslavada. Com os aplicativos de mensagens, elas se espalham de maneira exponencial, podendo atingir rapidamente uma porcentagem muito expressiva do eleitorado.
Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolph Hitler, disse que “uma mentira dita uma vez é apenas uma mentira; já uma mentira dita mil vezes se torna verdade”. Foi assim que convenceu os alemães na década de 1930 a apoiarem seu Fürher contra os “inimigos do povo”, levando à Segunda Guerra Mundial e ao Holocausto.
Hoje a mentira é dita aos milhões, e esse recurso é usado por políticos no mundo todo! No ano passado, a Universidade de Oxford (Reino Unido) divulgou um estudo que indica a disseminação dessas táticas. Segundo os autores, no Brasil, as “tropas cibernéticas” se dedicam principalmente a atacar opositores e aumentar a polarização na sociedade, que lhes é benéfica.
Os aplicativos de mensagens se constituíram na ferramenta perfeita de disseminação de mentira, mas um ponto que não pode ser desprezado é que as pessoas acreditam no que lhes for mais conveniente.
Outro estudo demonstra isso claramente. Publicado na capa da revista Science, a mais importante publicação científica do mundo, no dia 9 de março de 2018, ele mostra que, a despeito das ações de robôs, são as pessoas as grandes responsáveis pela disseminação das fake news. Isso acontece, em parte, porque a desinformação dispara mecanismos emocionais que induzem ao engajamento com esse material.
Bons tempos aqueles do AIM, do ICQ e do MSN Messenger, em que esses aplicativos de mensagens eram usados apenas por pessoas querendo conversar alegremente com seus amigos. A inclusão desses recursos de disseminação em massa de mensagens, ainda que bem intencionada, transformou essas plataformas em “bombas” que colocam em risco o próprio conceito de sociedade organizada.
Como nós, os usuários, somos o elo frágil nessa corrente, acreditando em muito do que nos chega por esse canal, cabe à Justiça e aos próprios desenvolvedores desses produtos cuidarem desse incrível espaço de comunicação. Não se pode encarar inocentemente todo esse poder de convencimento, ou a população corre o risco de ser convertida em um bando de robôs teleguiados.