Na semana passada, visitei aquelas cidades que ficam na região da Estrada dos Tropeiros perto da Serra da Bocaina. Areias, São José do Barreiro e Bananal surgiram como rota de escoamento do ouro, cresceram com o café e foram minguando com o esgotamento do solo e a mudança da rota entre Rio e São Paulo, após a inauguração da Dutra.
A riqueza de outros tempos está expressa nos bonitos casarões, nas praças bucólicas e até na simpática Pharmacia Popular, em Bananal, a mais antiga em funcionamento no Brasil. A decadência foi retratada em Cidades Mortas, de Monteiro Lobato, que foi promotor público em Areias. No livro, a vida cotidiana do início do século XX é letárgica, pastosa, deslocada do resto do país, com uma atividade econômica de subsistência.
A visita fez pensar. O que faz com que algumas cidades cresçam e outras desapareçam?
A história está cheia de exemplos de cidades que surgiram e depois foram destruídas. Uma das primeiras grandes do mundo, Uruk, foi tragada pelo deserto após o rio Eufrates mudar seu curso. De Harapa, no vale do rio Indo, uma cidade com infraestrutura bem distribuída entre pobres e ricos, não sobrou nada. Cartago foi completamente destruída pelos romanos.
No livro Colapso o geógrafo e historiador americano Jared Diamond explica que grande parte do fim das civilizações do passado está ligada ao clima: falta d´água, mudanças climáticas ou esgotamento dos recursos ambientais. Tikal, uma das cidades mais importantes do império maia, desapareceu pelo crescimento populacional e erosão das terras após desmatamento. A população da Ilha de Páscoa consumiu todos seus recursos naturais num processo irracional que acabou com sua própria civilização.
O clima não explica todas as mudanças, há também a má gestão dos recursos e transformações econômicas.
Bruges, na Bélgica foi uma das cidades mais importantes do norte da Europa durante a Idade Média. Quando o acesso ao mar pelo canal foi barrado pelo lodo, seu porto perdeu importância econômica até ser reconstruído em outro lugar.
Recentemente o exemplo de Detroit dá a dica de como movimentos econômicos podem ser poderosos. A cidade é a sede da GM, Ford e Chrysler e declarou falência depois que a indústria automobilística americana perdeu espaço para a japonesa. A população caiu de quase dois milhões na década de 1950 para menos de 650 mil. Casas, escolas, estruturas e ruas se esvaziaram e hoje a cidade se esforça para retomar o uso desses espaços vazios transformando-os em hortas e espaços públicos.
As cidades também sucumbem pelas guerras. Na Segunda Guerra Mundial, Dresden sofreu um dos maiores bombardeios da história e Hiroshima foi aniquilada. Ambas foram reconstruídas e estão vivas.
Hoje, estamos assistindo atônitos à destruição sistemática das cidades ucranianas, como Mariupol, que perdeu 90% das estruturas urbanas – e torcendo para que um dia, os habitantes que fogem possam voltar e fazer reviver a cidade.
No Brasil, mesmo com uma história mais curta, não faltam exemplos de lugares que, em vez de crescer, minguam, desde as cidades que feneceram ao fim dos ciclos da cana e do ouro, até Fordlândia, que quase sumiu com o fim do projeto de plantar seringueiras, passando pelo incrível caso de Cococi, no Ceará, cuja população de 4 mil pessoas na década de 1960 foi migrando até chegar a seus atuais sete (!) habitantes.
Diante da constatação de finitude, vale a pena fazer o exercício de pensar nos cenários de eventos possíveis. Provavelmente, nosso maior risco deve estar mesmo nas mudanças climáticas. Desde a redução do ‘rio voador’ de umidade que vem do norte até a perda de cobertura vegetal que ameaça as nascentes, a falta d´água que vivemos em São Paulo em 2014 é um risco concreto.
Se é difícil imaginar o que pode acontecer quando uma cidade tão grande sucumbe, vale lembrar de Roma. Quando foi invadida, tinha quase um milhão de habitantes. Na Idade Média, esse número era de 40 mil pessoas, 4% da população original. Se uma catástrofe acontecesse aqui, melhor não pensar no que seria a luta pela sobrevivência, o caos de uma fuga em massa e o cenário apocalíptico de pessoas morando em meio a edifícios, museus, shopping centers, parques e ruas abandonados.
O exercício de considerar a finitude poderia e deveria nos ajudar a refletir sobre a importância de políticas públicas com relação ao clima, desde cuidar da Amazônia e do Cerrado até tomar conta das nascentes ao redor da cidade ou aumentar a cobertura verde. As eleições estão aí e o tema está soterrado embaixo de arranjos políticos e dezenas de pautas extemporâneas.
85% dos brasileiros vivem em regiões urbanas, que são menos de 1% do território brasileiro. Como seres vivos, as cidades nascem e crescem. Naturalmente, porém, como os seres vivos, também adoecem e podem até morrem. Cuidar delas e do ambiente que as alimenta parece ser o único caminho para garantir um futuro para quem vier depois de nós.