domingo, 24 de outubro de 2021

O mundo passa, Godard fica, Ruy Castro - FSP

 


Não se sabe a que ponto Jean-Luc Godard se deixou abalar pela morte, recente, de Jean-Paul Belmondo. Os dois surgiram juntos em "Acossado" (1960), filme que mudou suas vidas e, talvez, o cinema. Em fevereiro último, já morrera outro nome decisivo para a aura de "Acossado": o fotógrafo de divulgação Raymond Cauchetier. Foi o autor das imagens que todos ligamos ao filme e, só agora notamos, não estão na tela. Uma delas é o beijo de Jean Seberg no rosto de Belmondo. No filme, é um beijo que mal vemos, filmado à distância, do outro lado da rua. Na foto posada de Cauchetier, é uma cena para a eternidade.

A maioria dos colegas de Godard na Nouvelle Vague morreu: François Truffaut, em 1984; Georges Franju, em 87; Jacques Démy, em 90; Louis Malle, em 95; Claude Chabrol e Éric Rohmer, em 2010; Chris Marker, em 12; Alain Resnais, em 14; Jacques Rivette e Alexandre Astruc, em 16; Agnès Varda, em 19. Para não falar de pessoas tão importantes em sua vida: Henri Langlois, fundador da Cinemateca Francesa, em 1977; o produtor Georges de Beauregard, que o inventou como cineasta, em 84; seu fotógrafo Raoul Coutard, em 2016; Michel Légrand, em 19. E a fundamental, decisiva Jean Seberg, em 1979.

Entre suas mulheres e atrizes, Anne Wiazemsky, em 2017, e Anna Karina, em 19. Todos os críticos da revista Cahiers du Cinéma que ajudaram a construir o seu mito, assim como os dois brasileiros que mais o admiraram: Mauricio Gomes Leite, em 1993, e José Lino Grünewald, em 2000. O Cahiers também morreu várias vezes. E quem conhece Paul Gégauff, dândi e sedutor, em quem Godard baseou o Michel Poiccard de Belmondo em "Acossado"? Morreu em 1983, esfaqueado pela mulher.

Uma geração inteira se foi e Godard, aos 91, continua firme e filmando. O mundo já não lhe dá tanta atenção.

Mas Godard também nunca ligou para o mundo. Todas as causas que abraçou foram, no fundo, um abraço no cinema.

Pôster, livro, EPs com a trilha sonora, fotos e anúncio de “Acossado” e o livro de Raymond Cauchetier
Pôster, livro, EPs com a trilha sonora, fotos e anúncio de “Acossado” e o livro de Raymond Cauchetier - Heloisa Seixas

Hélio Schwartsman Livro faz a genealogia da igualdade, FSP

 

A igualdade se tornou um valor fundamental —não só a igualdade em ato, aferível no índice de Gini, mas também a imaginada, que esculpe nossas utopias. Nem sempre foi assim. Ideias de igualdade pareceriam exóticas a um europeu do século 16. É a partir dos séculos 17 e 18 que o conceito vai sendo forjado e ganha corpo, especialmente na França. "A Paixão da Igualdade", de Vinicius de Figueiredo, um velho amigo dos tempos da graduação, conta essa história.

A obra tem uma pegada mais acadêmica do que os livros que costumo recomendar aqui, mas é perfeitamente legível. Na verdade, é um banquete intelectual de erudição, já que Vinicius mostra a gênese da noção de igualdade não só através de textos de filósofos como Descartes, Pascal, Voltaire, Rousseau e Diderot mas também da análise de obras da literatura, notadamente Corneille e Racine, e de pintores, como Watteau, Le Brun e Poussin.

A igualdade não surge de forma muito enaltecedora. Um dos primeiros a proclamá-la foi Pascal e num contexto bem negativo: somos iguais porque estamos todos lascados, já que temos parte no pecado original. Outras reflexões, às vezes sutis, irão enriquecer o conceito, que, de todo modo, comporta múltiplas acepções. Esse movimento coincide historicamente com a ascensão da burguesia, mas seria empobrecedor tentar explicar tudo pela economia, sem recurso às ideias e às retóricas.

Vinicius inicia e encerra o livro explorando a tensão entre liberdade e igualdade. As duas não são tão compatíveis. Um sujeito que não tenha nem o que comer não é muito livre. E a liberdade não serve para muita coisa se não permitir que cada um de nós se singularize e, assim, se diferencie dos demais. Cada sociedade, por definição, vem com seu "blend" de liberdades e igualdades.

Os ingleses sempre deram mais atenção às liberdades. Inventaram o liberalismo. Os franceses nutrem paixão pela igualdade. Deu na revolução.

Ilustração de Annette Schwartsman para a coluna de Hélio Schwartsman de 24.ou.2021
Ilustração de Annette Schwartsman para a coluna de Hélio Schwartsman de 24.out.2021 - Annete Schwartsman

Empresas ajudam outros negócios a eliminar desperdícios e reduzir gastos, FSP

 Flávia G. Pinho

SÃO PAULO

Cortar custos dentro de uma empresa nem sempre depende só da atenção do empreendedor. Há casos em que a tarefa de identificar desperdícios e eliminar gastos desnecessários exige a expertise de profissionais.

À frente de uma consultoria em Florianópolis (SC), o engenheiro de produção Flávio Luís de Souza Lima, 44, foi diversas vezes contratado pelo Sebrae para organizar a gestão de pequenas empresas —em 15 anos, foram mais de mil clientes atendidos.

Ao longo desse tempo, ele notou que havia um nicho promissor a ser explorado. "Além de gerenciar custos, eu ajudava empresas a eliminar desperdícios e precificar corretamente seus produtos e serviços", conta Lima.

Assim, em 2017, ele teve a ideia de criar a ReduzaCusto. Em quatro anos de atuação, a ferramenta permitiu que os clientes cortassem mais de R$ 7 milhões em despesas desnecessárias, afirma Lima. Empresas de pequeno porte, que raramente têm profissionais dedicados à gestão de gastos, representam cerca de 80% da clientela.

Homem de camisa preta em frente a uma projeção de número e gráficos
Flávio Luís de Souza Lima, criador da ReduzaCusto, em Florianópolis (SC) - Anderson Coelho/Folhapress

Por um plano básico, a partir de R$ 250 mensais, a ferramenta permite analisar o custo de produção, mensurar o desperdício de cada item separadamente, comparar setores da empresa e simular melhorias no processo.

A alimentação de dados deve ser periódica. "Informações como salários e despesas fixas devem ser atualizadas mensalmente", explica o criador da ferramenta.

Também é possível contratar o serviço de controladoria remota e deixar esse trabalho a cargo da ReduzaCusto. "Nossa equipe ajuda a fechar o mês, entender os custos e decidir se vale a pena aumentar um preço, por exemplo. Cerca de 70% dos clientes contratam esse serviço, porque não dispõem de tempo para gerenciar o software."

A BrasilRad, empresa especializada em controle de qualidade de equipamentos radiológicos, é cliente da ReduzaCusto há pouco mais de um ano e meio.

Como a equipe de 20 funcionários passa boa parte do ano viajando para visitar clientes, a companhia contratou a ferramenta para enxugar as despesas relacionadas a transporte —só de combustível, o gasto anual da BrasilRad chegava a R$ 100 mil.

Bastou usar o software uma vez para descobrir que retornos desnecessários aos clientes correspondiam a 9% do custo operacional.

"Desde então, conseguimos economizar até 8% do faturamento anual, o que é muita coisa para uma empresa de prestação de serviço, que trabalha com margem pequena", afirma Walmoli Gerber Junior, 40, fundador da BrasilRad.

Criada em 2005, a paulistana Wappa é outra empresa que tem como objetivo ajudar outros negócios a cortar custos. No início, a plataforma contemplava várias linhas de despesas, sobretudo benefícios concedidos a colaboradores, como vale-refeição.

Com o passar dos anos, porém, o fundador Armindo Freitas Mota Junior, 43, resolveu focar uma dor comum a várias empresas: as despesas com táxi. "Na época, os métodos usados eram o famoso voucher de papel e o reembolso, que não permitiam um controle adequado e ainda davam margem para fraudes", lembra Mota.

Lançado em 2010, o aplicativo Wappa atua em 2.500 cidades, tem 120 mil motoristas cadastrados e contabiliza 10 mil clientes, sendo que 27% deles são pequenos negócios. Em 2017, a partir da aquisição da ferramenta VaiMoto, incorporou o serviço de motoboys à plataforma.

Os usuários não pagam nada pelo serviço. A Wappa cobra, dos motoristas e motoboys, 20% de comissão por corrida. Eles recebem no dia seguinte, embora a empresa contratante só faça o pagamento à Wappa 40 dias depois.

O usuário pode definir previamente um orçamento para transporte, controlar trajetos e o consumo de cada colaborador separadamente. Além disso, faz a gestão dos reembolsos, eliminando o vaivém de comprovantes em papel —o funcionário fotografa a nota e a envia ao gestor.

"Em média, nossos clientes economizam de 30% a 40% nas verbas de transporte. Isso é dinheiro em caixa no fim do mês", diz Mota.

Ele tem planos ambiciosos para a empresa, que hoje tem 80 funcionários. Mota acaba de lançar a conta digital Wappa para motoboys e motoristas. Também pretende oferecer seguros com preços mais competitivos e, em breve, atuar em outros segmentos. "Talvez a gente avance para os setores de transporte aéreo e hospedagem", afirma.