quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Claudia Costin - O anti-intelectualismo e os livros queimados, FSP


Participei recentemente de um debate muito interessante, no MIS de São Paulo, sobre o filme "Fahrenheit 451", de François Truffaut. Para me preparar, reli o livro de Ray Bradbury em que ele se baseou, o que me trouxe algumas reflexões sobre o que hoje vivemos.

A produção de Truffaut é de 1966, apenas 13 anos depois da obra de Bradbury. Em ambas, emerge uma sociedade distópica, onde se queimam livros, percebidos como perigosos à segurança social. Um bombeiro (em inglês "firefighter", o que traz uma ressignificação ao termo), neste contexto, repensa sua função de responsável pela queima de bibliotecas inteiras, secretamente possuídas por alguns habitantes.

A Segunda Guerra, terminada havia pouco quando do lançamento da obra de Bradbury, trazia lembranças atrozes de livros queimados em cenas públicas e da perseguição a pensadores como Stefan Zweig, Thomas Mann ou Erich Maria Remarque. Ser intelectual era, no contexto, um fato visto com grande desconfiança não só por governantes como por turbas ensandecidas, que, por algum tempo, engrossaram os quadros da SA, posteriormente suplantada pelas temidas SS.

O escritor Ray Bradbury (1920-2012), em sua casa em Los Angeles, em 2009 - Ethan Pines/The New York Times

O alerta do poeta alemão Heinrich Heine, feito pouco menos de um século antes, soava como profético: "Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas".

Mas Ray Bradbury, autor de "Fahrenheit", estava se referindo não só ao passado, mas sobretudo a uma realidade viva em sua época, o macarthismo, período em que, findo o ajuste de contas com o nazismo, o senador McCarthy liderara um movimento para combater o que ele percebia como "comunismo" —e, aqui novamente, intelectuais e suas obras pareciam muito perigosos e deveriam ser combatidos de todas as formas.

O filme de Truffaut não se restringe ao que coloca a obra literária e dá nova dimensão a personagens, como a jovem Clarisse McClelland, que orienta o bombeiro em sua descoberta da importância dos livros. As mulheres, que somem na parte final do livro, aparecem no filme com papel de destaque, afinal uma década depois da publicação já vivíamos um período em que o movimento de emancipação da mulher ganhava destaque.

O tema ressurge agora, num contexto em que movimentos populistas de extrema direita se expandem pelo mundo, mesmo com revezes recentes na Europa e nos EUA. O anti-intelectualismo, o desprezo pelo saber letrado e uma visão racista reemergem, num processo que nos relembra um passado que preferiríamos esquecer.

Proteger livros e pessoas de ataques ao pensamento é fundamental para não criarmos, como bem mostra "Fahrenheit 451", uma sociedade hedonista de seres robotizados.


Conrado Hübner Mendes - Ministério Público precisa ser controlado, não anulado, FSP

 

Há muito lavajatismo no antilavajatismo. Destoam no alvo. Um quer sanitizar a política pela Justiça, livrá-la do pecado e substituí-la por "testes de integridade". Uma gincana para credenciar pessoas de bem, com Deltan de bedel. O outro quer debilitar a Justiça pela baixa política, desossar meios de investigação, intimidar e varrer vestígios de autonomia.

São movimentos de desinstitucionalização com sinal trocado. De mãos dadas, enfraquecem instituições constitucionais. Sobram mandonismo, personalismo e orçamentos secretos. Arthur Lira e Gilmar Mendes desfilam na Esplanada de mestre-sala e porta-bandeira ao samba do centrão político e magistocrático.

Antilavajatismo, aqui, não se confunde com qualquer crítica à Lava Jato. Refere-se a um tipo de reação à Lava Jato, à moda brasiliense. Lavajatismo também não se confunde com combate à corrupção. Evoca estilo populista, sectário e antijurídico de se forjar luta contra a corrupção via corrupção institucional e agressão a direitos. Ao gosto curitibano.

Imaginam-se em quadrantes opostos, num jogo de soma zero. No universo binário, o crachá de combate à corrupção pertence só ao lavajatista. E "triunfo do Estado de Direito", só ao antilavajatista. Moro e Aras encarnam um e outro. Gilmar, autor dos atos mais lavajatistas e antilavajatistas da história, encarna os dois lados, a depender de quando e para quem. Legalidade à parte.

Sede do Conselho Nacional do Ministério Público, em Brasília
Sede do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em Brasília - (Divulgação)

A Lava Jato promoveu abuso interinstitucional, um concerto entre Judiciário e Ministério Público. Causou danos individuais e coletivos. Foi novidade porque chacoalhou os sistemas político e econômico, não só prendeu ladrão de miojo. Distribuiu arbitrariedade sem distinção de classe, apenas de partido. Fez do sistema de Justiça uma "instituição com causa" e o desnaturou.

Essa orquestra do vandalismo engravatado se explica pela fúria antipolítica que grassou o país, mas também pela grave leniência e cumplicidade de instâncias de controle funcional e de mérito. STF, CNJ, TRF-4 e corregedoria abraçaram Moro. CNMP, CSMPF e corregedoria se renderam a Deltan. Falharam pessoas entorpecidas no freestyle messiânico; e falharam instituições, cujos buracos regulatórios facilitaram a cruzada sem lei.

Uma arquitetura mais bem desenhada resistiria ao charme dos cruzados curitibanos e à cólera do pato da Fiesp? Talvez não. Mas perguntas contrafactuais ajudam o pensamento e sugerem reformas que atenuem o risco de novo descalabro.

A PEC 5 compartilha da premissa e tenta reforma profunda no Ministério Público. Com base em diagnóstico de senso comum, porém, erra no foco. Aprofunda erros, ignora problemas.

Chama atenção, para começar, pelo que não faz: nada diz sobre ouvidorias, participação social em conselhos, mecanismos de transparência, seleções internas, sujeição de procuradores-gerais a prestação de contas e mitigação de seu poder irrecorrível de arquivamento. E nada diz sobre Judiciário.

Mas assusta pelo que faz. Primeiro, aumenta cadeiras de indicação congressual ao CNMP. O javanês do cinismo político costuma chamar de "vaga da cidadania". Valeria fazer balanço de quem foram e o que fizeram as indicações congressuais em mais de 15 anos de CNJ e CNMP. Exemplo recente foi a nomeação ao CNJ, com antecipação estratégica, de filho do ministro Napoleão Maia, do STJ. Investiguem o xadrez magistocrático por trás. Não é bonito.

Segundo, faz da posição central de corregedor-geral, com amplos poderes monocráticos, um cargo de indicação congressual.

Terceiro, e mais grave, dá ao CNMP poderes que interferem na atividade-fim do Ministério Público. A redação foi atenuada em recente substitutivo, mas a ambiguidade permanece. Ainda permite que medidas extrajudiciais em defesa do meio ambiente, de indígenas ou da saúde, por exemplo, sejam invalidadas por coalizão política sob pressão do poder econômico.

Permanece uma proposta muito aquém da criatividade dos debates constituintes e reformistas pós-88 sobre sistema de Justiça, que culminaram na emenda constitucional 45, de 2004. Muito aquém das contribuições do PT, que à época não confundia indicação do fisiologismo congressual com "vaga da cidadania" ou participação da sociedade. Criatividade e ousadia murcharam.

PEC 5 está para o furor antilavajatista como as "10 medidas contra corrupção" estavam para a presunção lavajatista. Uma confusão entre meios e fins: ferramentas não guardam relação com o propósito anunciado. O ônus reformista pede menos impressionismo e mais diagnóstico.

James Madison, o Oscar Niemeyer do desenho institucional, diria que facções estão vencendo. Com esse pastiche, a Lava Jato de amanhã pode ser maior.

Vice-presidente do PSDB de SP anuncia apoio a Eduardo Leite contra Doria, Painel FSP

 

Vice-presidente do diretório paulista do PSDB, Evandro Losacco decidiu apoiar Eduardo Leite na disputa contra João Doria e Arthur Virgílio na prévia nacional tucana, marcada para 21 de novembro.

Ele divulgou uma carta com oito motivos para explicar a escolha pelo governador do Rio Grande do Sul.

As qualidades de Leite listadas por Losacco são: identidade com o PSDB, social-democrata, respeito à história e às lideranças, gestão de qualidade, apoio popular, é a melhor via e é o presidente que o Brasil precisa (capacidade de diálogo para romper polarização).

Ex-deputado, Losacco é próximo de José Serra e Geraldo Alckmin, figuras históricas do tucanato paulista. O segundo decidiu deixar o partido após atritos com Doria e deve disputar o governo do estado em 2022.

Os itens listados por Losacco como favoráveis a Leite também tem embutidas críticas ao governador paulista.

Doria teve atritos com líderes tucanos (chegou a chamar Alberto Goldman de "fracasado", "improdutivo" e disse que ele vivia "de pijamas") e aqueles que não o apoiam veem nele um perfil agressivo, inadequado para romper a polarização entre Jair Bolsonaro e Lula (PT).

O presidente do diretório estadual do PSDB é Marco Vinholi, secretário de Desenvolvimento Regional e um dos principais aliados de Doria.

Losacco é o terceiro vice-presidente do PSDB-SP: o primeiro é Vanderlei Macris e o segundo, Dilador Borges.