segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Para falar de golpe, mídia não pode ignorar quem está disposto a cometê-lo, FSP


Anna Virginia Balloussier

Repórter especial, está na Folha desde 2010, passando por diversas editorias. De 2013 a 2014, assinou o blog Religiosamente. Em 2016 foi correspondente do jornal em Nova York. Escreveu o livro “Talvez Ela não Precise de Mim: Diários de uma Mãe em Quarentena” (ed. Todavia)


SÃO PAULO

Ok, vamos falar de golpe. Jair Bolsonaro não esconde as suas intenções de bagunçar o coreto democrático no próximo 7 de setembro. O presidente já rubricou um “save the date” para dois atos a seu favor que não descartam nem intervenção militar.


Em Brasília e São Paulo, como criou gosto por dizer, jogará “nas quatro linhas da Constituição”. Bolsonaro não é um bom aluno de geometria constitucional, mas tem senso de oportunidade histórica.


A grande mídia, expressão que se adequou por décadas aos veículos de imprensa que falavam com as massas, precisa fazer mais furos no cinto.


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Bolsonaro participa de homenagem ao Exército em São Paulo


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Reduziu medidas de uns anos para cá, cortesia sobretudo das redes sociais. Enquanto isso, de domingo a domingo, é sempre uma terça livre para protojornalistas apostarem na marcha à ré da pós-verdade.


Ok, como falar de golpe? Os próceres do bolsonarismo não estão de todo errados quando dizem que a mídia profissional não digeriu bem a perda do domínio sobre quais informações circulam pela sociedade.


Enquanto a bile autoritária corrói entranhas virtuais, jornalistas sérios tentam entender que espaço devem dar para vozes que confabulam uma possível ruptura institucional.


Uma coisa é certa: elas chegarão a milhões de “tias do zap”, queiram eles ou não. A missão de combater chistes antidemocráticos é como conter o Atlântico com um rodinho de pia.


Ok, e com quem vamos falar de golpe? Entrevistar quem escancara sandices do Executivo nunca é demais, mas é importante não cair na armadilha da câmara de eco, na qual as mensagens só atingem quem já as assimilou faz tempo.


Quando eu era jovem, não uma anciã de 34 anos que já acompanhou três eleições presidenciais pelo jornal, trabalhava numa revista e sugeri uma reportagem —crítica— com um pastor que, anos depois, viraria o gelo da Coca-Cola bolsonarista.


Sem jamais endossar absurdos, a motivação era investigar uma indiscutível referência para evangélicos, fatia da população que nunca foi bem compreendida por Redações que até hoje têm presença bissexta de repórteres dessa fé.


Um colega se horrorizou e engavetou a ideia. A publicação eventualmente faliu.


É um desserviço limar do noticiário o discurso que soa golpista. Simplesmente porque, tal qual erva daninha, ele vai germinar longe dos olhos de quem prefere distância dele —e se surpreende quando, em vez de sumir só porque você fechou os olhos e chamou sua mãe, ele ganha eleições de forma legítima para, uma vez no poder, tentar implodir a democracia por dentro.


Ok, vamos falar de golpe. Ouvindo todos os lados com isenção, mas, quando necessário, deixando claro quem são os pinóquios do debate. Até porque haja cara de pau.

domingo, 29 de agosto de 2021

‘Paulo Guedes se desmoralizou por completo’, diz Eduardo Giannetti, OESP

 Luciana Dyniewicz, O Estado de S.Paulo

29 de agosto de 2021 | 05h00

Paulo Guedes já se desmoralizou por completo e vai se desmoralizar ainda mais se continuar (atuando do modo atual)”, avalia Eduardo Giannetti. Segundo o economista, a presença de Guedes no governo não garante mais uma condução parcimoniosa da política fiscal. “Parece que o apego dele ao cargo é bem maior do que se imaginava e ele não teria grande restrição ou mesmo firmeza para resistir aos impulsos populistas do presidente.”

Eduardo Gianneti
'Só quem acreditou em Bolsonaro foi o ministro quando aceitou entrar nessa aventura, diz Giannetti. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Giannetti destaca que não há “nenhuma perspectiva” de um crescimento econômico robusto no ano que vem, dado que as reformas prometidas por Guedes não foram feitas e o clima de incerteza política promovido pelo presidente Jair Bolsonaro afasta o investidor. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Houve uma mudança no humor do mercado neste mês. Isso se deve a fatores internos ou o cenário global também dificulta?

Predominantemente à deterioração da situação doméstica. Já está bastante claro que o governo não tem proposta sequer para as reformas tributária e administrativa. Quase não há mais perspectiva de que alguma coisa relevante aconteça. Estamos com um cenário de inflação preocupante, que tem obrigado o Banco Central a conduzir um aperto da política monetária. Isso vai frear o nível de atividade no ano que vem. Por fim, há uma ameaça cada vez mais concreta de uma guinada populista fiscal por parte do governo Jair Bolsonaro, à medida que ele fica acuado e que os hormônios eleitorais começam a funcionar de maneira mais exacerbada.

Como avalia a atuação do ministro Paulo Guedes diante desse cenário?

A presença do Paulo Guedes no Ministério da Economia, que até pouco tempo atrás parecia uma salvaguarda em relação a uma aventura fiscal, já não dá mais essa confiança. Parece que o apego dele ao cargo é bem maior do que se imaginava e ele não teria grande restrição ou mesmo firmeza para resistir – como aliás não tem resistido – aos impulsos populistas do presidente. As atitudes do presidente, aliás, não são novidade nenhuma, porque ele está mostrando o que sempre foi. Só quem acreditou nele foi o ministro quando aceitou entrar nessa aventura. Na época da campanha, eu dizia que os economistas podem ser mais ingênuos sobre a política do que os políticos são ingênuos sobre a economia. E isso o tempo está confirmando.

O ministro deveria deixar o governo ou ele ainda pode fazer alguma coisa?

O último resquício que talvez justificasse a presença dele no governo seria manter o mínimo de responsabilidade na política fiscal. Se ele continuar cedendo – como vem cedendo até aqui – a todas as pressões e exigências, que são crescentes, do governo e do Centrão em relação à política econômica, não vejo mais nenhum sentido. Aliás, já não vejo nenhum sentido na continuidade dele há um bom tempo. Ele já se desmoralizou por completo e vai se desmoralizar ainda mais se continuar.

Em algum momento o sr. viu comprometimento do ministro com a agenda liberal que ele propagou?

Ele dizia que ia zerar o déficit primário no primeiro ano do mandato, que ia privatizar R$ 1 trilhão, que ia fazer reforma tributária e reforma administrativa. Não fez nada disso. Foi quase tudo ao contrário. A privatização praticamente não andou. A aprovação da reforma da Previdência ocorreu muito mais por causa do protagonismo do Congresso. O que se montou no Brasil foi quase um estelionato eleitoral, e pode se chamar assim sem exagero. É lamentável que boa parte do empresariado, em nome de evitar Lula a qualquer preço, mais uma vez tenha embarcado em uma aventura que está custando muito caro para o Brasil e que põe em risco a nossa democracia. Não é a primeira vez que vejo esse enredo de que, contra Lula, vale qualquer coisa. Vimos isso na eleição do Collor também.

Recentemente, houve manifestações de empresários contra posicionamentos do presidente. Acha que o empresariado está desembarcando do governo?

Aí tem havido uma certa injustiça, porque os empresários minimamente lúcidos e informados nunca acreditaram nesse engodo chamado Jair Bolsonaro. Outra parte do empresariado que sempre foi chapa branca e oportunista, agora, muito tardiamente, está começando a se dar conta de que nós estamos indo por um caminho muito ruim e que estamos vivendo um enorme retrocesso nas mais diferentes dimensões, que vão da fiscal à ambiental, passando pelo crescimento econômico, pelo ambiente de negócios e praticamente por qualquer outro tema.

O presidente vem perdendo popularidade e querendo ampliar gastos para reverter essa tendência...

Esse ponto talvez valha a pena analisar um pouco. Você tem de um lado a questão da sobrevivência política de curto prazo, que levou Bolsonaro a ficar de joelhos em relação ao Centrão. De outro, tem os hormônios eleitorais e a questão de viabilizar uma campanha de reeleição em 2022. Essas duas forças convergem para uma guinada populista fiscal - a política já aconteceu há um bom tempo. O próximo capítulo é a tradução disso em ações de política econômica: gastos, cargos, preferências, favores que atendam às demandas crescentes desse grupo (o Centrão) que desde sempre faz o jogo da chantagem em relação ao Executivo.

Tenho usado um modelo de biologia política: você tem na estrutura do governo federal brasileiro uma relação entre hospedeiro e parasita. O Executivo federal é o hospedeiro, e o Congresso fisiológico é o parasita. Quando o Executivo é eleito e está com seu capital político intocado, o parasita fica adormecido. Quando há uma crise política e o Executivo começa a perder capital político, o parasita começa a mostrar vida e apresentar suas demandas. Quando o Executivo está acuado, o parasita manda. Ao fim do mandato, se inverteu aquela relação entre hospedeiro e parasita. Agora, um dos requisitos disso é que o parasita não pode matar o hospedeiro. Então, ele vai aumentando as demandas.

Estamos vendo essa dinâmica se repetir no Brasil desde o início da redemocratização. A pergunta para todos nós brasileiros que queremos aprimorar nossa democracia é como é que nós saímos disso para que não se repita novamente esse enredo que é terrível, porque a partir da segunda metade do mandato o Executivo passa a governar com o que há de mais fisiológico e sinistro na política brasileira.

Qual é a saída?

Tem de haver uma reforma política. Não dá para governar com um Congresso tão fragmentado. Nenhum sistema político vai funcionar se nós não tivermos uma estrutura partidária mais enxuta que permita ao Executivo federal governar com base em negociação, porque isso é parte da democracia, mas negociação de programa, e não negociação de troca de favores. Se a gente não tiver apenas quatro ou cinco partidos apenas no Congresso, com posições razoavelmente definidas em relação aos grandes temas da nação e isso não constituir uma base de sustentação programática, vamos ter um sistema político que já estava em xeque antes do descalabro representado pelo desafio institucional do Bolsonaro. 

Com o governo com a popularidade em baixa e em meio a uma pandemia, a campanha eleitoral foi antecipada? Qual o risco para a economia?

Esse panorama antecipa a campanha eleitoral e ameaça a ordem institucional da democracia brasileira por dois canais. Um é o enfrentamento entre Poderes. Se você tiver uma situação em que uma decisão de um poder soberano, o Judiciário ou o Legislativo, não for acatada pelo Executivo, você estará no meio de uma crise institucional gravíssima. E nós já caminhamos para a vizinhança de situações desse tipo. O outro canal é o desespero de um poder que está derretendo a olhos vistos levar o presidente a uma tentativa de excitar a opinião pública de modo a provocar uma situação muito anárquica e conflituosa, que lhe dê meios e legitimidade para algum tipo de Estado de emergência, para algum tipo de demanda de poderes extraordinários para estabelecer a ordem. É muito perigoso excitar uma população que está claramente polarizada, porque ela pode descambar para algum tipo de enfrentamento e descontrole da ordem pública, que cairia como uma luva para alguém que tem um impulso autoritário, que nem o esconde.

Qual cenário o sr. está vendo para a economia em 2022?

Não há nenhuma perspectiva de o País ter um crescimento satisfatório no ano que vem. O nível de investimento continua no piso histórico. A capacidade de investimento do setor público está comprometida. Não criamos um ambiente de negócios institucional para infraestrutura. Com essa incerteza política e econômica, nenhum empresário vai querer comprometer recursos em investimento de longo prazo. Então, a gente está caminhando para, depois de uma pequena recuperação cíclica (em 2021), um ano de crescimento baixo, que talvez mal alcance 2%.

E no panorama político?

O presidente já declarou que não aceita outro resultado que não seja sua vitória eleitoral. Ele questiona a legitimidade do sistema eleitoral de antemão, sem nenhuma evidência e não muito diferente do que Trump tentou fazer nos EUA quando, ao ser derrotado, entrou com aquele discurso de que a eleição tinha sido fraudada, sem nenhuma base ou evidência. Isso levou à invasão do Capitólio, e o que se desenha por aqui é um enredo não muito diferente. Espero que tenha o mesmo desfecho de lá.

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

O que o governo não quer ver não existe, Celso MIng, OESP

 Celso Ming*, O Estado de S.Paulo

26 de agosto de 2021 | 19h47

Afinal, qual é a política do governo para enfrentar a pior crise hídrica dos últimos 91 anos?

A julgar pelos fatos, o governo não sabe o que quer. A primeira providência foram apelos, e não mais que apelos, para evitar o desperdício de energia. Foi a linha adotada em junho pelo ministro de Minas e EnergiaBento Albuquerqueque convocou uma cadeia nacional de rádio e TV, prometeu declarações graves que, no entanto, não passaram de lero-lero. Em seguida, veio a sobretarifa da bandeira vermelha, sugerindo que a redução de consumo de quilowatts se faria por aumento de preços. Agora, o ministro avisa que vai fazer o contrário, vai cobrar menos de quem consumir menos energia, sem informar que economia espera desse procedimento.

A única política que se conclui das omissões do governo é a abordagem negacionista, são as tentativas de negar a gravidade da crise. Assim como a pandemia não passava de “uma gripezinha”, essa crise, além de passageira, é pouco importante. Não impõe nenhuma ação mais radical, como o racionamento de energia elétrica e de água tratada. E, no entanto, os meteorologistas têm avisado que, além do grau de secura que não se previa em junho, julho e agosto, as perspectivas continuam ruins para a temporada de chuvas que deve iniciar-se em meados de setembro ou começo de outubro.

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Inesperadas declarações feitas nesta quinta-feira pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de que a crise é séria, vão na contramão do que tem dito Bento Albuquerque e o governo. E não alteram o jogo, porque não há ação correspondente.

Bento Albuquerque
Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia de Jair Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Ou seja, a prometida recuperação da economia não está sendo comprometida apenas pelo aumento do rombo fiscal e da dívida; pelo desemprego e perda de renda; e pela escalada da inflação e dos juros. Está sendo comprometida também pela escassez de energia elétrica, sem que a população seja devidamente informada sobre as consequências. “Não haverá racionamento”, limita-se a repetir o ministro Bento Albuquerque.

Este não é apenas o governo que esconde ou nega o tamanho dos problemas. É também o governo que sempre está sendo surpreendido pelas adversidades. Cantada pelos especialistas, não previu o fogaréu na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. E tem se mostrado pífio no combate às chamas e à ação dos responsáveis. Foi assim com a pandemia, foi assim com a recuperação econômica que deveria ter sido em “V” e não foi. Foi assim com as reiteradas rejeições dos pacotes caóticos de reforma tributária, que deveriam ter sido aprovados rapidamente, e não foram. E está sendo assim com o “meteoro” dos R$ 90 bilhões em precatórios que desabou sobre o colo do ministro Paulo Guedes, com informações de que vêm mais.

Ainda em 2020, ele havia prometido um “big bang” na área econômica, mas até agora ninguém não o viu nem entendeu o que deveria ter sido. Das propaladas reformas política e administrativa, que deveriam ter avançado, só se sabe que estão entaladas em alguma repartição de Brasília.

E como o projeto da reeleição vai afundando, melhor tirar todos os problemas do foco, atacar o Supremo e pregar que o sistema de voto eletrônico não presta...

>>CONFIRA

» Reservatórios quase secos 

O gráfico mostra que, neste agosto, o nível médio mensal de armazenamento dos reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, responsável por 70% da capacidade hídrica do País, encontra-se abaixo do nível registrado no mesmo período em 2001, quando o Brasil passou pela até agora mais séria crise hídrica. São números que mostram a gravidade do problema. Além de reduzir sua importância na comunicação com a sociedade, o governo Bolsonaro não vem adotando medidas contra ela.