quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

'Socorro' de matrizes a montadoras no País soma US$ 69 bi nos últimos 6 anos, OESP

 Nos últimos seis anos, quando uma recessão doméstica prolongada e uma crise sanitária internacional cortaram um terço da produção de veículos no Brasil, as multinacionais do setor injetaram US$ 69 bilhões – o equivalente hoje a mais de R$ 367 bilhões – nas subsidiárias brasileiras. Daquele total, pouco mais da metade (US$ 36,9 bilhões) já foi devolvida em remessas de lucro e pagamento da dívida com os controladores.

Os aportes, registrados nas estatísticas de contas externas do Banco Central, asseguraram nesses anos a expansão das linhas de montagem e também ajudaram a cobrir os alegados prejuízos com a operação no País. Na avaliação de economistas e consultores, a decisão primeiro da Mercedes-Benz e, agora, da Ford de encerrar sua produção no País pode ser um sinal de que esse socorro das matrizes deve perder força daqui para frente e levar a um ciclo de enxugamento de capacidade – numa indústria que fechou o ano passado produzindo aproximadamente três milhões de veículos a menos do que o seu potencial.

Ex-funcionários da Ford de Taubaté
Em Taubaté (foto), entidades sindicais se reuniram; em Salvador, houve protesto no pátio da Assembleia Legislativa. Foto: Luís Lima Jr./Fotoarena

“O setor está passando por uma transformação grande, mas as dificuldades no Brasil levaram a necessidades de recursos (dos controladores no exterior). Chega uma hora que as empresas desistem do Brasil”, comenta o economista Marcos Lisboadiretor-presidente do Insper. “A tendência é de fechamento e ajustes de linhas porque capacidade aberta custa dinheiro”, complementa Flavio Padovan, sócio da consultoria MRD Consulting.

Entre as décadas de 1990 e 2000, Padovan ocupou cargos de diretoria na própria Ford e, a partir de 2013, com a indústria regulada por um regime automotivo que fechou portas a carros importados (o Inovar-Auto), comandou a instalação da fábrica da britânica Jaguar Land Rover no sul do Rio de Janeiro.

“Naquela época, todos se preparavam para uma demanda que chegaria a 5 milhões de veículos e o Inovar mesmo causou uma situação em que ou você tinha fábrica ou estava fora. Era o país do futuro brilhante do pré-sal, que viraria uma grande potência mundial. Ninguém previa a catástrofe que aconteceu depois disso”, lembra ele.

Subsídios

Na avaliação de Lisboa, as dificuldades da indústria automotiva derivam de políticas industriais de estímulo à produção nacional que resultaram em negócios de baixa escala e viáveis apenas à base de subsídios.

Dados do Ministério da Economia apontam que os incentivos tributários para os fabricantes de automóveis atingiram R$ 43,7 bilhões entre 2010 e 2020. Até 2017, os incentivos contabilizados –R$ 25,24 bilhões – correspondem à base efetiva apurada. Nos três anos seguintes (2018, 2019 e 2020), os dados são projeções.

Além dos incentivos dos tributos federais, as empresas contam com benefícios dados pelos Estados, que não entraram na conta do Ministério da Economia.

A equipe econômica diz que está em busca de uma solução para os funcionários que devem perder seus empregos com a decisão da Ford (mais informações nesta página) – a montadora fala em impacto para até 5 mil empregos aqui e na Argentina, para onde será transferida a produção antes concentrada no Brasil.

O anúncio da montadora colocou o tema dos subsídios na berlinda. Anteontem, o presidente Jair Bolsonaro afirmou a apoiadores que a Ford não disse o que, na sua opinião, seria o real motivo para a montadora fechar suas fábricas no Brasil. “Mas o que a Ford quer? Faltou à Ford dizer a verdade: querem subsídios. Vocês querem que continuemos dando R$ 20 bilhões para eles como fizemos nos últimos anos, dinheiro de vocês, impostos de vocês, para fabricar carro aqui?”, questionou. Na sequência, ele próprio respondeu: “Não. Perdeu para a concorrência, lamento”.

Para a consultora Letícia Costa, sócia da Prada Assessoria, a Ford certamente considerou todos aspectos tanto econômicos quanto reputacionais antes de fazer o anúncio, e não tomaria uma resolução extrema apenas por falta de subsídios, como sugeriu Bolsonaro. 

“Você pega uma empresa que quer ser rentável, num cenário em que a indústria tem de aumentar investimentos em carro autônomo e elétrico e um país que nos últimos anos andou de lado. Aí, você tem a pandemia como a pá de cal, mostrando que a recuperação completa do mercado vai demorar muito mais e, quando ela acontecer, a tecnologia vai ser outra, uma tecnologia em que o Brasil não está posicionado”, afirma ela.


Qual é a verdadeira eficácia da Coronavac?, Fernando Reinach*, O Estado de S.Paulo

 Fernando Reinach*, O Estado de S.Paulo

14 de janeiro de 2021 | 05h00

Preciso começar pedindo desculpa aos meus leitores. Semana passada comprei gato por lebre ao dar crédito ao anúncio emocional do vendedor de ilusões que preside o Instituto Butantã. Acreditei, sem examinar os dados, que a eficácia da Coronavac era 78%. Quem escreve sobre ciência não pode sofrer relapsos do tipo. Mas como imaginar que Dimas Covas, após meses de sucessivos adiamentos do anúncio da eficácia, iria, ao lado do governador e de diversos cientistas, divulgar, emocionado, como eficácia um “recorte” dos resultados? Mas essa semana eu estava preparado e resolvi olhar os dados apresentados com todo o cuidado e, com ajuda de amigos epidemiologistas e engenheiros, refiz as contas com os dados apresentados na coletiva. E o resultado é que a eficácia, como definida em qualquer livro de epidemiologia, é de 49,69%. O anunciado 50,38% só é obtido se os dados forem ajustados usando algum método que não foi explicado na coletiva ou mencionado na apresentação.

Mas primeiro é importante entender o que quer dizer o termo “recorte” quando empregado na análise de dados. Imagine que uma revista automotiva faça uma pesquisa sobre o aparecimento de defeitos em um modelo de carro. Para tanto, pergunta para todos que compraram o modelo nos últimos 12 meses que defeitos foram observados. Imagine agora que ao apresentar os resultados ela afirme que o resultado da pesquisa é que o carro não apresenta defeitos no 1.º ano de uso. 

Coronavac, vacina desenvolvida em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac
Coronavac, vacina desenvolvida em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac Foto: Alex Silva/Estadão

Se compradores reclamam de defeitos nos carros, ela explica que apresentou só um “recorte” dos dados: compradores com mais de 80 anos que dirigiram menos de 150 km no 1.º ano, e nesse recorte não foram observados defeitos. Se o recorte incluísse só taxistas que rodaram mais de 20 mil km, o total de defeitos seria enorme. Fazer recortes em dados é prática comum, nos ajuda muito a entender o resultado da pesquisa, mas quando se faz um recorte, a honestidade intelectual exige que ele seja explicado em detalhe para não haver dúvida do que está sendo reportado. 

No único slide apresentado semana passada, Covas não explicitou que os 78% eram um “recorte” e essa explicação só apareceu nos dias seguintes. Além disso, no slide apresentado apareceram várias linhas que indicavam 100% de eficácia da vacina em evitar mortes e internações em UTIs. Uma afirmação impossível de fazer com os poucos dados coletados. Essa semana o Butantã teve de voltar atrás e dizer que essas afirmações não tinham significado estatístico – poderiam ser mero acaso. Não há garantia absoluta que quem tomar a Coronavac, ou qualquer outra, não pode ter caso muito grave.

Vamos examinar os dados apresentados pelo Butantã no slide 20, quando aparece pela 1.ª vez o número 50,38%. O primeiro que chama a atenção é que, se somarmos o total de pessoas que recebeu a vacina (4.653) com o número dos que receberam placebo (4.599), obtemos 9.252. Esse número, por razões não explicadas, é maior que o total de participantes do estudo citado no mesmo slide (9.242). Essa diferença de dez aparece em vários outros slides. Agora, calculamos a eficácia usando sua definição, que consta em qualquer livro de epidemiologia. É preciso calcular a razão entre duas frações.

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Instituto Butantã apresentou os dados dos estudos clínicos da Coronavac na terça-feira, 12 Foto: Instituto Butantã/Reprodução

Primeiro se divide o número de pessoas que tiveram covid no grupo de vacinados pelo número de pessoas nesse grupo. Depois se divide o número de pessoas que tiveram covid no grupo controle pelo número de pessoas que participaram desse grupo. Finalmente, se divide o resultado da 1.ª conta pelo resultado da 2.ª conta e se subtrai esse número de 1. Fica assim quando usamos os números do slide: 1-(85/4.653)/(167/4.599). 

Fazendo essa conta, você chega a 0,4969 ou seja 49,69%, claramente menor que 50%. Mas não foi a conta que o Butantã fez. Ele deve ter introduzido uma correção, provavelmente usando os números pequenos entre parênteses no slide, mas não foram mencionados. Se essa correção é válida ou não, eu não sei e isso é problema para epidemiologistas e a Anvisa decidirem. O fato é que, pela definição de eficácia encontrada nos livros, é 49,69%. A diferença entre 50,38% e 49,69% é muito pequena e não muda significativamente a eficácia. Talvez a correção usada faça todo sentido, mas faltou honestidade intelectual ao Butantã.

Finalmente, uma observação sobre segurança. É verdade que nenhum caso grave de efeito colateral foi observado, mas é bom lembrar que se esses efeitos graves forem raros, ocorrendo por exemplo em 1 em cada 20 mil vacinados, os estudos maiores, com 20 mil vacinados, têm uma chance maior de detectar esses casos que o estudo do Butantã que vacinou 4.653 pessoas.

Escrevo não para argumentar que a Coronavac é ruim ou que não deva ser aprovada. É ela que temos como opção e provavelmente será aprovada se a Anvisa não achar mais erros nas supostas 10 mil páginas de documentos. O importante é aprendermos a separar o que é ciência, e a honestidade intelectual esperada de cientistas, das promessas políticas dos governantes. Como já havia dito antes, para mim Covas deixou de ser cientista e passou a ser político, um vendedor de ilusões.

MAIS INFORMAÇÕES: Field evaluation of vaccine efficacy. Bulletin of the World Health Organization, vol. 63 pag. 1055 1985

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Ford não pode sair do país sem passar por constrangimento, diz ACM Neto, FSP

 O presidente nacional do Democratas, ACM Neto, defendeu que o governo federal e o governo da Bahia adotem uma postura dura para com a Ford, que anunciou nesta segunda-feira (11) o fechamento de todas as suas fábricas no Brasil.

Ele afirmou que os governos devem avaliar se a Ford cumpriu com todos os compromissos contratuais de contrapartidas a incentivos fiscais e, caso haja pendências, que a montadora seja acionada na Justiça.

“Não acho que a Ford possa sair dessa forma do país, sem que pelo menos passe por algum constrangimento. Do ponto de vista das medidas legais, cabe ao governo avaliar se todos os compromissos que a Ford assumiu para ter os benefícios que teve foram cumpridos”, afirmou o ex-prefeito de Salvador.

Ele ainda afirmou que a decisão da Ford de fechar as fábricas mostra um descaso de multinacional com o mercado brasileiro: “Isso terá consequências para a imagem da empresa o país”.

Logo da Ford em antiga fábrica de São Bernardo do Campo, na grande São Paulo - Miguel Schincariol - 20.fev.2019/AFP

A Ford anunciou na segunda-feira (11) que vai encerrar todas as atividades fabris no Brasil neste ano, o que inclui as unidades de Taubaté (SP, Horizonte (CE) e Camaçari (BA).

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Inaugurada há 20 anos, a fábrica de Camaçari era considerada uma das joias da indústria baiana e tornou-se um dos principais símbolos da guerra fiscal entre os estados brasileiros na década de 1990.

A montadora decidiu vir para a Bahia após romper o contrato que havia firmado com o governo do Rio Grande do Sul em 1999. Na época, políticos baianos como o governador César Borges e senador Antonio Carlos Magalhães, ambos do PFL, atuaram para trazer a fábrica para o estado.

Neste período, beneficiou-se de sucessivas prorrogações de incentivos fiscais concedidos pelos governos federal, estadual e municipal. Por outro lado, tornou-se um marco na diversificação da indústria na região, tradicionalmente voltada fabricação de matérias-primas.

Mesmo com a decisão da Ford fechar a fábrica da Bahia após somente duas décadas, ACM Neto diz considerar que a política agressiva de incentivos fiscais para trazer a empresa para a Bahia foi acertada, assim como a decisão de governos posteriores de renovar os incentivos.

“A vinda da Ford para a Bahia teve caráter vanguardista. Foi a primeira indústria automobilística de porte a vir para o Nordeste, uma quebra de paradigmas para a época”, afirmou, destacando os empregos e a massa de renda que a fábrica gerou na região metropolitana de Salvador.

Por outro lado, ACM Neto criticou a gestão do governador Rui Costa (PT), argumentando que a Bahia tem perdido espaço em termos econômicos. “ Isso tem relação direta com uma postura pouco dedicada do governo estadual em relação à política de industrialização, dinamização econômica e geração de emprego”.

E lembrou que outras indústrias do setor automotivo desistiram de vir Bahia, caso por exemplo da JAC Motors, que chegou a lançar a pedra fundamental de uma nova fábrica, que não saiu do papel.

O governador Rui Costa, por sua vez, tem criticado o governo federal, afirmando eu este abandonou planos para estimular uma produção industrial mais elaborada, dedicando-se basicamente à produção de commodities agrícolas.

“Não há planejamento. O que pensamos nos últimos cinco anos para aumentar o investimento em tecnologia e a industrialização? Nada. Estamos satisfeitos em nos tornarmos uma grande fazenda”, afirmou.

O petista criou um grupo de trabalho que vai buscar alternativas ao fechamento da empresa em Camaçari. A ideia é atrair uma nova indústria automotiva para ocupar o parque industrial que será deixado pela Ford.

RIO GRANDE DO SUL

Governador do Rio Grande do Sul quando a Ford optou por se instalar na Bahia em 1990, Olívio Dutra (PT), avalia que a saída da Ford do país é uma “decisão de mercado”.

“A sua instalação, em um território ou país no globo, é uma decisão de mercado, avaliada por satélites, e importa-se pouco com impactos sociais, econômicos, ambientais e culturais, tanto quando de sua aterrissagem como quando de sua decolagem'', disse o ex-governador em nota.

Olívio relembrou que a Ford indenizou o estado em R$ 216 milhões por decisão da Justiça. O valor foi uma compensação pelos investimentos do governo em obras de infraestrutura, concessão de capital de giro e incentivos fiscais para a instalação da fábrica.

“Mais um momento semelhante àquele da condenação da Ford a ressarcir o estado do Rio Grande do Sul por quebra unilateral de contrato”, disse Olívio sobre a saída da montadora do Brasil.

Olívio afirmou ainda que a Ford abandona o país “depois de ter torcido por um novo governo federal que flexibilizasse as leis trabalhistas, previdenciárias, que enfraquecesse os sindicatos e desregulamentasse normas de controle público”.