domingo, 10 de janeiro de 2021

Elio Gaspari Estamos diante de um espetáculo constrangedor: o presidente dos EUA pirou, FSP

 Em julho de 2016, o bilionário Michael Bloomberg disse durante a convenção do Partido Democrata que “eu reconheço um vigarista quando o vejo”. Referia-se a Donald Trump. Passaram-se quatro anos e a questão da vigarice do doutor foi para a mesa da procuradora-geral do estado de Nova York.

Em Washington, a questão tornou-se outra: a eventual aplicação do dispositivo constitucional que permite empossar o vice caso o titular esteja incapacitado. Quando essa emenda foi aprovada pensava-se num cenário no qual o presidente está sob intensos cuidados médicos. No espetáculo da série “Os Últimos Dias de Trump”, a invocação do dispositivo nada tem a ver com uma anestesia geral, por exemplo. Trata-se de incapacidade por maluquice.

Trump é visto como um narcisista psicótico por muita gente que não gosta dele. Em julho passado, sua sobrinha Mary (psicóloga) publicou um livro com o subtítulo de “O Homem mais Perigoso do Mundo”. Parecia futrica familiar.

Desde novembro, Trump sustenta que venceu a eleição “de lavada”. Na terça-feira, os candidatos republicanos perderam a eleição na Geórgia. No dia seguinte, seus guardiões fizeram o que fizeram. (“We love you”, disse Trump.) Os senadores e deputados americanos foram obrigados a deixar o prédio. Numa decisão histórica, voltaram aos plenários horas depois. Na quinta-feira, confirmaram o resultado eleitoral. A senadora republicana que perdeu a cadeira tirou sua assinatura do pedido de recontagem dos votos da eleição presidencial na Geórgia. Duas integrantes do primeiro escalão de seu governo foram-se embora e seu fiel ex-procurador-geral acusa-o de ter traído o cargo.

O mundo está diante de um espetáculo constrangedor: o presidente dos Estados Unidos pirou. Isso só acontecia em filmes ruins. Desde o dia em que tomou posse, garantindo que ela foi assistida por uma multidão jamais vista, estava no tabuleiro a carta de que se tratava de um mentiroso. Quatro anos depois, com o seu negativismo eleitoral e a mobilização de seus seguidores para a invasão do Capitólio, Trump encarna o personagem do teatrólogo Plínio Marcos em “Dois Perdidos numa Noite Suja”: “Sou o Paco Maluco, o perigoso”.

A série “Últimos Dias de Trump” não terminou. Se ele queria ir jogar golfe na Escócia no dia da posse de Joe Biden, deve buscar outro pouso. A primeira-ministra Nicola Sturgeon disse que lá o doutor não entra, pois o país está em lockdown.

Faltam dez dias para o fim da série e Trump ainda surpreenderá a plateia. A Associação Americana de Psiquiatria continua funcionando, com sede a poucos minutos da Casa Branca. Isso porque malucos existem.

A POESIA DE GRANT NO CAOS DE TRUMP

Durante as horas em que a anarquia trumpista tomou conta do Capitólio, deu-se um momento de poesia histórica. Sem dar a menor bola, centenas de manifestantes passavam por baixo do monumento ao general Ulysses Grant, comandante das tropas vitoriosas da União durante a Guerra de Secessão (1861-1865).

A estátua equestre é um retrato excepcional da figura de Grant. Enquanto o gênero coloca os homenageados em posições combativas, como o Duque de Caxias de Victor Brecheret, o Grant do escultor Henry Shrady está encolhido, parece um tropeiro com frio. Assim era ele. Teve uma carreira militar medíocre, tentou a vida fora do Exército e faliu. Bebia mal. Ele comandava tropas do Norte quando chegou com o filho a um hotel de Washington e o recepcionista disse-lhe que só tinha quartos no sótão. Tudo bem até a hora em que ele assinou a ficha: “Ulysses S. Grant”.

Na cena da rendição dos rebeldes numa casa de Appomattox havia dois comandantes. Um chegou num bonito cavalo, com faixa na cintura e espada com punho de ouro cinzelado. O outro, com o uniforme amarfanhado (havia quatro dias não o trocava) e as botas enlameadas. O bonitão era Robert Lee, que estava se rendendo e pedindo comida para seus soldados.

Desde jovem, quando participou da invasão do México, Grant impressionava pela sua capacidade de manter o sangue-frio nos piores momentos de uma batalha e diante do massacre de suas tropas. (Isso numa pessoa que tinha horror a carne malpassada pelo que viu no curtume de seu pai.)

Quanto maior a confusão, maior era a calma de Grant. Sua figura no meio da anarquia dos guardiões de Trump foi mais uma homenagem ao general que botou os escravocratas do Sul de joelhos.

Grant foi eleito presidente e governou de 1869 a 1877. Um desastre. O general meteu-se com o papelório e no fim da vida estava quebrado. Pagou suas contas escrevendo um livro de memórias. Ele e a mulher estão sepultados num mausoléu em Nova York, na altura da rua 122. O balcão de perfumes do Bloomingdale’s recebe mais fregueses em um mês do que a tumba do casal em um século.


Hélio Schwartsman - A batalha dos gêneros, FSP

 Publiquei na semana passada a coluna "Parabéns aos argentinos", em que felicitava nossos vizinhos pela legalização do aborto. Leitores me escreveram recriminando-me por ter usado "argentinos" em vez de "argentinas", como preferiam.

Já tive mais paciência com a militância linguística. É claro que as assimetrias de poder que há na sociedade aparecem também no idioma, e devemos estar atentos a elas. Mas daí não decorre que a língua seja o melhor campo de batalha para aqueles que querem fazer avançar suas agendas, por mais legítimas que sejam.

O que me incomoda nessa batalha dos gêneros gramaticais é que ela imprime um viés emburrecedor, uma vez que estimula o literalismo dos falantes em vez de apostar em sua capacidade de abstração, uma das marcas da inteligência.

Mesmo usuários pouco sofisticados dos idiomas que fazem distinções de gênero sabem que o gênero gramatical não precisa coincidir com o natural. Em alemão, "Mädchen", a palavra para "mulher jovem", o protótipo mesmo da feminilidade, é do gênero neutro, e ninguém acha que esse incidente linguístico afeta a sexualidade das raparigas teutônicas. Aqui mais perto, no português, o vocábulo "masculinidade" é feminino, o que não basta para tornar menos tóxicas algumas de suas manifestações.

Voltando aos argentinos, já faz décadas que aprendi o português, mas, da última vez que chequei, no vernáculo, o plural que inclui todos os gêneros tinha forma igual à do masculino; o uso da forma feminina é que implicaria a exclusão de todos os legisladores e apoiadores que participaram do processo --o que me parece injusto.

Meu ponto é que devemos escolher melhor nossas batalhas. Policiar a língua funciona melhor para aplacar a mente do militante do que para resolver injustiças e quebrar preconceitos. E, mais do que nunca, precisamos encontrar comunalidades que nos unam, não ressaltar diferenças que nos separam.

Ilustração de Annette Schwartsman para coluna de Hélio Schwartsman de 10.jan.2021
Ilustração de Annette Schwartsman para coluna de Hélio Schwartsman de 10.jan.2021 - Annette Schwartsman
Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Saraiva fechou 36 livrarias no Brasil durante a pandemia, OESP

 Redação, O Estado de S. Paulo

08 de janeiro de 2021 | 19h35

rede de livrarias Saraiva fechou 36 unidades entre março e novembro de 2020, de acordo com um relatório publicado nesta semana pela empresa que faz a recuperação judicial do grupo. O documento aponta ainda uma queda de 75% na receita do grupo de 2020 em relação ao ano anterior, e dificuldades da empresa em cumprir as obrigações de curto prazo.

A Saraiva tinha 84 lojas em 2018, antes da crise que acometeu a empresa, em 2019: hoje são 39 lojas físicas mais o ambiente virtual. O prejuízo consolidado da empresa no mês de novembro foi de R$ 4,9 milhões.

Saraiva
Saraiva tem uma reunião marcada com os credores no dia 26 de janeiro, para apresentar nova versão do plano de recuperação judicial  Foto: Divulgação/Saraiva

Ainda em 2020, a rede perdeu batalhas na Justiça contra editoras que pediam a devolução de livros em consignação nas lojas que estavam sendo fechadas — segundo o relatório mais recente, a Saraiva realizou saldo de mercadorias nas lojas que foram fechadas em novembro (5), reduzindo ainda mais a margem bruta do mês (superior em 2 pontos percentuais à de 2019).

A Saraiva tenta ainda aprovar uma nova versão do plano de recuperação judicial desde setembro de 2020, mas as reuniões marcadas naquele mês não tiveram quórum ou foram suspensas. De acordo com o site especializado em mercado editorial PublishNews, a ideia é dividir as unidades em três grupos (um com lojas físicas, outro de e-commerce e um terceiro, misto) e vender um deles para gerar caixa. Uma nova reunião com os credores está marcada para o dia 26 de janeiro.