Publiquei na semana passada a coluna "Parabéns aos argentinos", em que felicitava nossos vizinhos pela legalização do aborto. Leitores me escreveram recriminando-me por ter usado "argentinos" em vez de "argentinas", como preferiam.
Já tive mais paciência com a militância linguística. É claro que as assimetrias de poder que há na sociedade aparecem também no idioma, e devemos estar atentos a elas. Mas daí não decorre que a língua seja o melhor campo de batalha para aqueles que querem fazer avançar suas agendas, por mais legítimas que sejam.
O que me incomoda nessa batalha dos gêneros gramaticais é que ela imprime um viés emburrecedor, uma vez que estimula o literalismo dos falantes em vez de apostar em sua capacidade de abstração, uma das marcas da inteligência.
Mesmo usuários pouco sofisticados dos idiomas que fazem distinções de gênero sabem que o gênero gramatical não precisa coincidir com o natural. Em alemão, "Mädchen", a palavra para "mulher jovem", o protótipo mesmo da feminilidade, é do gênero neutro, e ninguém acha que esse incidente linguístico afeta a sexualidade das raparigas teutônicas. Aqui mais perto, no português, o vocábulo "masculinidade" é feminino, o que não basta para tornar menos tóxicas algumas de suas manifestações.
Voltando aos argentinos, já faz décadas que aprendi o português, mas, da última vez que chequei, no vernáculo, o plural que inclui todos os gêneros tinha forma igual à do masculino; o uso da forma feminina é que implicaria a exclusão de todos os legisladores e apoiadores que participaram do processo --o que me parece injusto.
Meu ponto é que devemos escolher melhor nossas batalhas. Policiar a língua funciona melhor para aplacar a mente do militante do que para resolver injustiças e quebrar preconceitos. E, mais do que nunca, precisamos encontrar comunalidades que nos unam, não ressaltar diferenças que nos separam.
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