quinta-feira, 30 de julho de 2020

Reabrir escolas é decisão da saúde, não dos pais, FSP

Com as escolas fechadas há mais de quatro meses, o setor de educação enfrenta a incômoda discussão de planejar o retorno em um ambiente ainda nebuloso, marcado pelas dúvidas de pais, professores e gestores sobre quando e como voltar às atividades de ensino presencial.

O Brasil registra há seis semanas a terrível marca de mil óbitos diários, ainda não há no horizonte próximo a perspectiva de uma vacina ou tratamento eficaz. Os pais se dividem entre aqueles que têm receio de enviar seus filhos à escola e os que, cansados da dupla jornada forçada ou precisando voltar ao trabalho, precisam dela. As experiências de retorno às aulas presenciais são múltiplas.

Cidades como Nova York, que não registra mais óbitos relacionados à Covid, devem iniciar o ano letivo em setembro com um rígido protocolo sanitário e a presença de no máximo dez pessoas por sala.

Haverá um rodízio de estudantes, que alternarão atividades presenciais e remotas integradas. A secretaria de educação local promete revisar e investir na melhoria da circulação de ar das escolas, ampliar a frequência da limpeza das áreas comuns, além de garantir equipamentos de proteção individual a todos.

Ainda nos Estados Unidos, cidades em regiões onde a pandemia não refreou prolongaram as atividades de ensino remoto, como é o caso de Indiana. Mesmo reconhecendo as limitações do ensino remoto e as dificuldades de acesso dos estudantes —a cidade gastou mais de U$$ 12 milhões com a compra de equipamentos para os estudantes das rede— a prefeitura entendeu que seria um risco voltar às aulas nesse momento.

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Chicago se vê às voltas com um dos “efeitos colaterais” do ensino remoto na pandemia: os riscos de evasão e de baixo acompanhamento das atividades propostas.

A rede escolar possui cerca de 300 mil estudantes distribuídos em 251 escolas e iniciou as atividades remotas em abril deste ano. No fim de maio levantou o número exato de estudantes que realizaram as tarefas: 2.332 estudantes.

Após o esforço das escolas, esse número caiu para pouco mais de 500 em julho. O esforço vai continuar, especialmente nos bairros compostos predominantemente por latinos e negros, onde estão os estudantes em situação de maior vulnerabilidade.

A rede, que deve voltar em um modelo de ensino híbrido, com os estudantes frequentando a escola duas vezes por semana, se esforça para reduzir a zero esse número, realizando uma busca ativa dos estudantes e fornecendo computadores para estudo individual, à semelhança de outras cidades americanas.

Nem tudo vai bem. Uma pesquisa realizada em nível nacional reforçou que os estudantes das comunidades mais vulneráveis dedicam menos tempo aos estudos, têm mais dificuldade em realizar as atividades remotas e são menos acompanhados pelos professores que seus colegas em escolas de bairros mais abastados.

Assim como no Brasil, há duvidas quanto à eficácia do ensino remoto, pais divididos entre enviar ou não os filhos à escola na volta às aulas, professores resistentes ao retorno e sindicatos exigindo garantias de segurança nas escolas e propondo greves em caso de retorno presencial.

É compreensível que muitos pais queiram que seus filhos voltem às escolas. As crianças estão há muito tempo em casa, o que provoca problemas emocionais e físicos, dado o isolamento e o sedentarismo que a situação acarreta.

Há ainda um grande contingente de crianças que não tem condição de acompanhar adequadamente o ensino remoto. Aumento da ansiedade, obesidade e desigualdade são efeitos colaterais sérios da pandemia no Brasil.

De outro lado está a saúde. Para a grande maioria dos médicos o risco nem é tão grande para as crianças pequenas, uma vez que são em grande parte assintomáticas ou manifestam reações leves à contaminação pelo Covid-19.

O problema estaria no risco de contaminação dos profissionais da educação e no aumento da circulação nas cidades, o que seria um novo vetor de crescimento da doença, especialmente quando ela ainda não está controlada, como é o caso do Brasil.

Nesse contexto, a sugestão do Conselho Municipal de Educação de São Paulo para que a Secretaria de Educação do Município delegue aos pais a decisão sobre encaminhar ou não seus filhos à escola é discutível.

Mesmo que não seja esse o objetivo, a medida passa a impressão de que o município está se eximindo da responsabilidade de garantir a segurança e o mesmo nível de educação a todos.

Se um pai tem o direito de não enviar seu filho à escola por receio de que este não estará seguro, como devem agir os professores caso tenham o mesmo receio?

As escolas garantirão as mesmas oportunidades aos estudantes que frequentarão as aulas presenciais e à distância? Os pais de crianças que realizam suas principais refeições na escola têm mesmo escolha entre enviar ou não seus filhos?

O ideal seria delegar à saúde a responsabilidade pela decisão de quando e como abrir as escolas, assumir a liderança do processo, realizar uma pesquisa com pais e profissionais da educação, ouvir a comunidade e investir na comunicação adequada para tranquilizar a todos.

Em paralelo, planejar as medidas de segurança sanitária das escolas, de busca ativa dos alunos com risco de deixar os estudos e trabalhar na implementação das políticas educacionais corretas já tomadas, como é o caso do entendimento deste ano letivo e do próximo como um ciclo e da elaboração de materiais alinhados ao currículo da cidade.

Caso a decisão seja a de manter as escolas fechadas por mais tempo, a prefeitura deveria agir para apoiar as famílias mais vulneráveis, abrindo pólos de educação infantil ou até mesmo criando um programa de renda emergencial para famílias que têm crianças pequenas.

A área da educação está enfrentando uma crise para qual não há receita. Nessa situação o melhor a fazer é assumir a liderança, ouvir os especialistas, pais, professores, lideranças comunitárias e trabalhar para que todos, juntos, possam superar este triste momento com menos sofrimento.

Alexandre Schneider

Pesquisador visitante e professor adjunto da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP, consultor e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

Estado extingue PPP da Linha 18-Bronze, que ligará região ao Metrô, RF

O governo do Estado declarou extinto o contrato firmado com o Consórcio Vem ABC para construção da Linha 18-Bronze, via monotrilho, que ligaria o Grande ABC com o sistema metroviário da Capital. O acordo, assinado em 2014, ainda na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB), foi modificado pelo governador João Doria (PSDB) no ano passado, sob alegação de falta de condição financeira para tocar o projeto.

A informação consta na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) aprovada nesta terça-feira (28) pela Assembleia Legislativa. O projeto é uma prévia do orçamento do ano que vem e traz avaliações econômicas do Estado, entre elas riscos fiscais de propostas do Palácio dos Bandeirantes. Nesse quesito, a Linha 18-Bronze foi classificada como risco ao governo paulista.

"O Programa Estadual de Concessões do Estado de São Paulo é composto por 38 contratos vigentes, dos quais: 28 são contratos de concessão comum, seis concessões administrativas e quatro concessões patrocinadas. Ressalte-se que um contrato de concessão patrocinada, assinado em 22 de agosto de 2014, foi declarado extinto: Linha 18-Bronze Monotrilho Metrô", escreveu a gestão estadual, dentro da LDO.

Doria anunciou mudança na Linha 18-Bronze do Metrô em julho do ano passado, depois de meses de avaliação do contrato. Embora a PPP (Parceria Público-Privada) tenha sido assinada em agosto de 2014, nenhum trecho de obra saiu do papel. O avanço do projeto esbarrou nos custos das desapropriações, avaliados em aproximadamente R$ 200 milhões. Alckmin buscou financiamentos externos, mas esbarrou em autorizações da União - o governo federal classificou o Estado como risco alto de problemas fiscais.

A PPP previa investimento de R$ 4,26 bilhões, parte custeada pelo poder público e outra pela iniciativa privada. Na avaliação de Doria - balizado por estudos feitos pela Secretaria dos Transportes Metropolitanos, chefiada por Alexandre Baldy - indicou que tirar a Linha 18 do papel demandaria R$ 6 bilhões. Por isso, optou-se por outro modal: o BRT, um sistema de ônibus em corredores exclusivos.

O Consórcio Vem ABC é formado pelas empresas Primav, Cowan, Encalso e Benito Roggio. Quando houve o anúncio da mudança do escopo do projeto, a direção do consórcio disse que iria requerer na Justiça ressarcimento.

Fonte: https://www.dgabc.com.br/Noticia/3507488/estado-extingu...


O poder das multinacionais e o retorno do Estado, Carta Capital

 
A organização não governamental Global Justice Now publicou um estudo comparando as cifras de negócios das principais empresas com a receita orçamentária dos países. Segundo essa lista, se a rede norte-americana de supermercados Walmart fosse um Estado, ocuparia o décimo lugar, atrás somente dos EUA, China, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Itália, Brasil e Canadá. No total, 69 das 100 principais entidades econômicas são empresas. As 25 corporações de maior valor superam o PIB de numerosos países.

Hoje, a concentração de poder é especialmente clara no setor tecnológico. As cinco grandes – Apple, Google, Microsoft, Facebook e Amazon – são as mais valiosas da Bolsa. Se a Apple fosse um país, teria um tamanho similar ao da economia turca, holandesa ou suíça. O Google abocanha 88% da fatia de mercado de publicidade on-line. O Facebook (incluindo Instagram, Messenger e WhatsApp) controla mais de 70% das redes sociais em celulares. A Amazon tem 70% da fatia de mercado dos livros eletrônicos e, nos Estados Unidos, absorve 50% do dinheiro gasto em comércio eletrônico (El País, 7/11/2017).

A Apple vale US$ 1,098 trilhão, enquanto a Microsoft está avaliada em US$ 1,078 trilhão. Uma diferença de US$ 20 bilhões, lembrando que o valor de mercado das empresas oscila. A Amazon e o Google já teriam atingido 1 trilhão e estariam hoje na faixa de US$ 874 bilhões (Amazon) e US$ 872 bilhões (Google).

É esclarecedor comparar o valor dessas empresas com o PIB de alguns países, pequenos ou médios. Vejamos alguns, escolhidos ao acaso, por continente. Os dados variam conforme o ano e segundo a fonte, mas permitem uma visão geral comparativa com o valor de mercado das empresas multinacionais. Os dados estão em bilhões de dólares.

1) América:

Chile: 294
Argentina: 922
Colômbia: 331
Uruguai: 59,6
Honduras: 21,52
Paraguai: 40,5
Bolívia: 40.3

2) Europa:

Bélgica: 532
Suiça: 715
Áustria: 456
República Checa: 376
Bulgária: 153
Romênia: 267
Sérvia: 73

3) África

Argélia: 250
Marrocos: 211
Tanzânia: 162
Senegal: 27,5
Angola: 95
Quênia: 54
Costa do Marfim: 34,15

4) Ásia

Irã: 549
Turquia: 790
Bangla Desh: 244
Cazaquistão: 450
Filipinas: 92,5
Israel: 387
Vietnam: 300

O orçamento das maiores empresas multinacionais é superior ao PIB da maioria dos países que se converteram em verdadeiras províncias. Num mundo globalizado, o capital entra e sai de um país deixando atrás uma crise cambial, econômica e política. As comunicações eletrônicas não respeitam as fronteiras nacionais, o tráfico de drogas e armas tampouco.

 O poder hegemônico das empresas multinacionais, e seu controle sobre os fluxos tecnológicos, financeiros e comerciais, impactou a maior parte do desenvolvimento industrial e subdesenvolvimento dos países periféricos. As consequências foram nocivas, como devastação ambiental, baixos salários e abandono dos direitos de proteção social. Os governos recorreram à prática de realizar desregulamentações fiscais e trabalhistas, a fim de atrair investimentos diretos estrangeiros em troca de empregos pouco qualificados, resultando em baixa receita fiscal, baixa produtividade, desequilíbrios na balança de pagamentos e baixos resultados sociais.

A teoria subjacente era a de que os países deveriam seguir suas vantagens comparativas e deixar o mercado determinar preços de mão-de-obra e bens, a fim de ser competitivo no mercado mundial. Mas essa teoria foi criticada desde o início pelo abandono do papel do Estado na política do desenvolvimento. Afinal, as instituições públicas sempre desempenharam um papel fundamental não apenas na criação quantitativa da acumulação capitalista, mas também em seus resultados qualitativos de distribuição e desenvolvimento.

Nesse debate, enfatizou-se que o Estado deve ser visto como um facilitador (auxiliando as empresas nas transações de mercado); um regulador (para mitigar a desigualdade e as externalidades negativas do mercado); um comprador (contratos públicos); um produtor (empresas estatais) e um financiador (fundos soberanos e bancos de desenvolvimento).

Essas funções do Estado podem levar a uma estratégia dirigida aos objetivos de desenvolvimento. Portanto, o crescimento econômico, se efetivamente planejado, coordenado e sustentável, pode levar a benefícios sociais. Os objetivos de desenvolvimento não podem ser perseguidos apenas por atores privados. Para atingir as metas de desenvolvimento a longo prazo, é necessário destacar o papel estratégico do Estado como estabilizador, investidor, protetor, prestador de serviços e empreendedor (Laura Carvalho, Curto-circuito, O vírus e a volta do Estado).

Em combate à visão neoliberal, surgiu uma nova literatura econômica apoiada na realidade social que reconhece o simples fato de que, para além do mercado, intervenções estatais coordenadas são fundamentais para garantir a sustentabilidade das transformações socioeconômicas. Cada vez mais o capitalismo neoliberal é questionado em toda a parte, e agora ainda mais com os problemas colocados pela economia pós-COVID. A crise trazida pela pandemia obrigou os Governos a colocar no centro das atenções a questão da saúde pública. Isso enfraqueceu a essência da política econômica neoliberal baseada na proposta da “austeridade” fiscal, um eufemismo usado para justificar e ao mesmo tempo esconder a transferência de recursos públicos da área social para o mercado financeiro.

É verdade que o Brasil de hoje sofre com uma radical política neoliberal que santifica o mercado e demoniza o Estado. Tudo indica que está na contramão, pois a tendência após a pandemia do coronavírus é a recuperação do papel do Estado em detrimento do reinado absoluto do Mercado. Cedo ou tarde, acabará chegando aqui esse resgate do papel do Estado. O desastre do neoliberalismo salta aos olhos. Só não vê quem não quer.