segunda-feira, 27 de julho de 2020

Ronaldo Lemos TikTok é app mais baixado da pandemia, FSP

Banir o TikTok das lojas de aplicativo poderá fraturar a internet

Em 2018, escrevi aqui na coluna que o aplicativo daquele ano era o TikTok. Estava errado. Ele é o aplicativo de 2020.

Durante a pandemia, a rede social de vídeos consolidou sua posição como um dos apps mais baixados do planeta. No primeiro semestre de 2020, teve o melhor desempenho de um app na história: 315 milhões de downloads. No segundo trimestre, competiu apenas com o Zoom em número de downloads.

O resultado é que mais de 2 bilhões de pessoas já baixaram o app. Com as pessoas trancadas em casa, o app mostrou-se um bom companheiro. Isso se reflete no tempo que as pessoas gastam nele.

No primeiro semestre de 2020, o Tik Tok teve o melhor desempenho de um aplicativo na história, com 315 milhões de downloads
No primeiro semestre de 2020, o Tik Tok teve o melhor desempenho de um aplicativo na história, com 315 milhões de downloads - Dado Ruvic/Reuters

Em média, toda vez que um usuário abre o TikTok, fica lá por 294 segundos. Como base de comparação, o tempo gasto no Instagram por sessão é de 144 segundos, em média, e, no Twitter, de 114 segundos.

A explicação está no fato de o TikTok ter sido construído para otimizar o consumo de vídeos no celular. Quando alguém abre o TikTok, ele já começa a exibir vídeos na hora, que ocupam a tela toda do aparelho. Ele não tem um “feed”, como têm o Facebook ou o Instagram.

Em outras palavras, a comida é servida diretamente, sem que o usuário precise olhar o cardápio. Além disso, o TikTok não se importa se você criou uma conta ou não, nem se você tem muitos ou poucos seguidores (o chamado “social graph”).

[ x ]

Além disso, ele dá a oportunidade de viralização tanto para quem é grande quanto para quem é pequeno. Se o conteúdo é bom, a inteligência artificial da plataforma vai testando-o sucessivamente para públicos cada vez maiores, ampliando seu alcance se ele continuar a “performar”.

Além disso, o TikTok adotou um modelo agressivo de parcerias com celebridades. Há rumores de que a plataforma chegou a pagar influenciadores para postar lá.

Investiu também pesado em publicidade. No início de 2019, 13% de todos os anúncios exibidos no Facebook eram do TikTok. A plataforma chegou a gastar US$ 3 milhões por dia com anúncios. Os gastos foram praticamente zerados a partir de abril de 2019. Não era preciso investir mais. O jogo já estava ganho.

Com grande sucesso vêm grandes responsabilidades. O TikTok é produto da chinesa Bytedance. A empresa é considerada hoje a startup mais valiosa do planeta. E uma das mais ágeis. Além do TikTok, já tem produtos na área de música (Resso) e mensagens (Feiliao), para competir com o Spotify e o WhatsApp.

Neste exato momento, o TikTok está sob ataque. Vem sendo acusado de coletar dados exorbitantes dos usuários. Há também ameaças de que possa ser banido nos Estados Unidos, por alegado risco à segurança nacional. Se isso acontecer, a decisão não será fácil.

Banir o TikTok será equivalente a colocar fim ao sonho da internet enquanto rede para a qual ninguém precisa pedir permissão (“permissionless”). O banimento seria o oposto de toda a ideologia do Vale do Silício, de uma rede aberta.

Se for exigido que ele seja retirado das lojas de aplicativos, a decisão poderá fraturar a internet. Terá sabor de ponto final em uma certa inocência da rede que conhecemos até agora.


READER

Já era
Games e esportes tradicionais em mundos diferentes

Já é
Twitch, plataforma que transmite partidas de games ao vivo

Já vem
Twitch, que vai transmitir também partidas de esportes tradicionais ao vivo

Ronaldo Lemos

Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Celso Rocha de Barros Bolsonaro já precificou a sua morte, leitor, e conta que ainda dá para ganhar a eleição, FSP


O Brasil deve chegar a 100 mil mortos na pandemia nas próximas semanas. É duas vezes o número estimado de brasileiros mortos na Guerra do Paraguai. Mas Bolsonaro aposta que genocídio não custa voto.

Se morrer 1 milhão de pessoas, e seus, digamos, dez parentes e amigos próximos se revoltarem contra Bolsonaro, ainda não é gente suficiente para colocar um candidato presidencial no segundo turno. Como notou o cientista político Christian Lynch, os que morreram não vão votar.

Se você adoecer e morrer, Bolsonaro perderá seu voto, mas nenhum adversário de Bolsonaro tampouco o terá. Bolsonaro já precificou a sua morte, leitor, e conta que ainda dá para ganhar eleição sem os votos de sua viúva e de seus órfãos.

Para que isso seja verdade, algumas condições precisam ser satisfeitas.

O presidente Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, na última sexta-feira (24)
O presidente Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, na última sexta-feira (24) - Adriano Machado/Reuters

Em primeiro lugar, é preciso que os sobreviventes não sintam qualquer empatia com as vítimas. Aqui a tradição joga a favor de Bolsonaro: o Brasil, de fato, não tem qualquer tradição de empatia com pobre morto.

[ x ]

E Bolsonaro mente para o público que os que morreram já eram velhos, já eram doentes, já iam morrer, mesmo, não é o caso de chorar. Além disso, se você convencer o público de que só esses que morreram corriam riscos, é menos provável que as pessoas façam a pergunta que funda a empatia, “E se fosse eu?”.

Daí em diante é contar com a dificuldade humana para lidar com contrafactuais, com cenários do que teria acontecido com o Brasil se Bolsonaro não fosse o pior presidente do mundo. Fazer esse raciocínio nunca é fácil. Mas é bem mais difícil se você não conhece os fatos.

Bolsonaro tenta manter seus seguidores fiéis “protegidos” da ciência e da imprensa profissional. Para isso, tenta lhes despertar a sensação de que são os malandros que ninguém engana, os que tomaram a pílula vermelha do Matrix, que descobriram a verdade, que não serão iludidos pelo que diz a “mídia esquerdista” ou os “cientistas comprados pela China”. Não tem estelionato que dê certo se você não conseguir que o otário sinta que quem está sendo malandro é ele.

Se você está na bolha bolsonarista, você não sabe que na Argentina, onde fizeram o isolamento, morreram em todos esses meses menos do que morrem no Brasil em três dias de pandemia.

Você não sabe que na Nova Zelândia, que também fez o isolamento, não há mais casos de Covid-19, e a vida voltou ao normal.

Você não sabe que o governo Bolsonaro só gastou 11% dos recursos destinados a combater a epidemia (governos estaduais receberam 39% do prometido, municípios receberam 36% do prometido).

Sem a comparação com outros países, é mais difícil ter noção de que o longo platô de mortos —um número estável e alto de mortos por dia durante meses— vai atrasar mais a recuperação econômica do que qualquer quarentena que Bolsonaro não tivesse sabotado. Ninguém no mundo resolveu a economia antes de resolver a pandemia. Nós não resolvemos a pandemia.

Ainda é cedo para dizer se matar 100 mil pessoas custa votos no Brasil. Nos Estados Unidos, a reeleição de Donald Trump parece seriamente ameaçada. Aqui o clima anda mais para acordão. Sabe como é, você anistia 500 assassinatos, passa uns anos, os caras aparecem querendo que anistie mais 100 mil.