domingo, 26 de julho de 2020

Auxílio vital , editorial FSP


Os indicadores mais recentes sugerem que o pior momento para a atividade econômica ficou para trás. Após a vertiginosa queda entre março e abril, resultante das medidas sanitárias de combate à pandemia, há uma recuperação palpável que parece continuar na entrada deste terceiro trimestre.

Consumo, produção industrial e movimento nas cidades mostram dinamismo suficiente para mitigar as expectativas mais pessimistas para o desempenho do Produto Interno Bruto neste ano.

Se, no auge da crise, algumas projeções chegaram a apontar retração da economia na casa dos 10%, hoje já se espera uma queda mais próxima de ainda alarmantes 5%.

Tamanha volatilidade em poucas semanas é evidência da gravidade da crise e de suas ramificações para todo o tecido econômico e social. Entretanto a rapidez da melhora nas estimativas tampouco deixa de ser surpreendente.

Para tanto contribuem decisivamente as políticas públicas, em especial o auxílio temporário de R$ 600 mensais direcionado aos grupos mais vulneráveis da sociedade. A pesquisa do IBGE que visa medir o impacto da Covid-19 em diferentes dimensões confirma a importância do programa.

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Receberam algum tipo de benefício governamental em junho nada menos que 43% dos domicílios brasileiros, abrangendo quase a metade da população. Nos lares mais pobres, justamente os mais afetados pelo colapso da atividade, o alcance passa dos 80%.

Como solução emergencial, a manutenção do poder de compra facilita um retorno mais rápido do consumo conforme as medidas de distanciamento social vão sendo relaxadas —daí o progresso observado nas últimas semanas.

Numa perspectiva de mais longo prazo, porém, a fragilidade permanece. Nem todos os empregos serão recuperados, com riscos em especial para os de menor qualificação, mais vulneráveis às transformações legadas pela pandemia.

Nesse sentido, será política e economicamente espinhosa a redução dos auxílios emergenciais nos próximos meses. As projeções para o crescimento em 2021 permanecem tímidas —a alta esperada, em torno de 3,5%, mostra-se insuficiente para recuperar o nível de atividade do final do ano passado.

A crise consolidou a compreensão da importância de transferências diretas de renda. A possibilidade de convertê-las em algo mais permanente, mesmo que em valores menores, certamente será explorada em vários países.

No Brasil, que padece de elevada dívida pública e baixo dinamismo econômico, cumpre rever as estruturas de impostos e gastos de modo a abrir espaço para uma ação social mais decisiva e eficaz.

editoriais@grupofolha.com.br

sábado, 25 de julho de 2020

As cidades estão se transformando, Celso Ming, O Estado de S.Paulo


24 de julho de 2020 | 18h53

Estes são anos de enormes transformações, algumas em curso. E uma delas é a que já está acontecendo nas cidades. A crise do coronavírus não é a principal causa dessas mudanças, mas está acelerando a percepção de que acontecem.

Os escritórios da XP Investimentos, por exemplo, estão se transferindo da Avenida Faria Lima, em São Paulo, onde se concentram hoje as instalações do sistema financeiro do País, para São Roque, a 60 quilômetros do centro. Isso não está acontecendo apenas porque a pandemia assim passou a exigir. A corretora está de mudança porque entendeu que poderia obter melhores resultados se se afastasse do sufoco imposto pela cidade grande. O isolamento social ajudou a entender as vantagens proporcionadas pelo trabalho em casa (home office), mas não produziu essas vantagens. Por trás desse movimento, que provavelmente será acompanhado por empresas de todos os setores, está a enorme transformação que está acontecendo no trabalho.

O coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade Armando Alvares Penteado (FAAP), Marcos de Oliveira Costa, lembra que a origem e o desenvolvimento das cidades estão fortemente ligados às condições do trabalho do ser humano. Milênios  atrás, as aldeias e os aglomerados de pessoas surgiram para facilitar o escoamento dos excedentes de produção obtidos pelas sociedades agrícolas ou para facilitar a contratação de serviços.

Cidades antigas
Transformações das cidades estão sempre ligadas a novas formas de trabalho Foto: Marcos Müller/Estadão

Nas sociedades industriais, foi preciso deixar estoques de mão de obra à disposição para executar tarefas no chão de fábrica assim que fossem necessários para garantir e aumentar a produção. As ferrovias atuaram para deslocar para os subúrbios os conglomerados quase sempre caóticos em que se transformaram os centros urbanos.

Mas o encarecimento das moradias e os congestionamentos de trânsito voltaram a infernizar as cidades, por mais que novos centros aparecessem. “Esse paradigma está em crise porque a vida moderna proporcionou a tecnologia de informação e a internet. Com esses instrumentos, proliferaram novas formas de trabalho”, explica o professor. As distâncias dos eventuais centros de decisão nos negócios deixaram de ser relevantes para a vida urbana e para o desempenho de grande número de ocupações e de atividades, desde que se possa contar com boa conexão de comunicações.

“Como o trabalho que garante melhor remuneração será executado remotamente, será inevitável o deslocamento de renda das grandes cidades para municípios menores. As metrópoles ficarão com a parcela da população de mais baixa renda”, aposta Costa.

Por aí se pode ter ideia do impacto potencial sobre o consumo, sobre o mercado imobiliário e sobre a mobilidade urbana, que, por sua vez, está fadada a mudar a paisagem de bairros inteiros. “Localidades com problemas de conexão vão perder atratividade”, especula o professor.

Mobilidade 

Para Luciano Soares, professor de Engenharia do Insper, a cidade do futuro não terá tanta gente presa em engarrafamentos quilométricos a caminho do trabalho ou na volta para casa: “Idas e vindas dentro das cidades ficarão para o atendimento do lazer, como cinema, restaurantes ou caminhadas no parque”.

São razões que reduzirão a importância de possuir veículo próprio. Os deslocamentos tenderão a se concentrar em serviços sob demanda, como os da Uber ou do Cabify. E Soares avisa: tampouco haverá motoristas de aplicativos. As empresas investem hoje bilhões de dólares para viabilizar projetos de carros autônomos. E aí poderemos ter um efeito colateral positivo: com muitos carros sem condutores nas ruas, tenderá a se reduzir a poluição, tanto a atmosférica como a sonora. E, mais importante, o veículo será mais eficiente.

O antropólogo Lucas Lopes de Moraes, coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo, adverte que o avanço da tecnologia não deve ser visto como salvação. Muitas vezes, novos aparelhos e melhores possibilidades de conexão apenas reforçam mazelas antigas. Ele lembra que São Paulo mantém os mesmos problemas de mobilidade e de moradia que existiam nos anos 1980, quando a sociedade apenas começava a se informatizar. 

Ou seja, por si sós, a chegada de carros autônomos e de drones e o maior emprego de tecnologia podem acelerar mudanças, mas não vão resolver graves problemas urbanos de sempre.

De todo modo, as eleições municipais vêm vindo aí. Um bom momento para debater os problemas urbanos, sejam os antigos, os novos ou os futuros. / COM GUILHERME GUERRA

Fernando Haddad Nordeste, FSP

Tenho sérias dúvidas de que uma revolução teria feito mais pelo Nordeste do que os governos petistas.
Lula nunca fez segredo do seu projeto político. Via o pobre como parte da solução, não parte do problema. E, diante da enorme dificuldade em transformar democraticamente uma sociedade atrasada, tomou a decisão que lhe parecia mais viável para cumprir os seus objetivos.

Sem aumentar a carga tributária —que nos oito anos anteriores tinha passado de 26% para 32% do PIB—, Lula optou por redefinir prioridades e, nas suas palavras, "pôr os pobres no Orçamento da União".

Como a proporção de pobres era muito maior no Nordeste do que em qualquer outro lugar do país, deu-se uma mudança estrutural que nenhum especialista em desenvolvimento regional esperaria.

O Nordeste, tido pela elite econômica como o peso morto que atrasava o progresso do Brasil, ganhou uma projeção que, apesar de recentíssima, foi, de certa forma, naturalizada.

Cisternas, Luz para Todos (energia elétrica), Caminho da Escola (ônibus escolares), Reuni (universidades e institutos federais), Proinfância (creches e pré-escolas) etc. são algumas das iniciativas conhecidas.
As mais debatidas, contudo, pela escala, foram o Fundeb, o Bolsa Família e a transposição do rio São Francisco, ações das quais Bolsonaro tenta se apropriar.

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Matar a fome e a sede de uma mãe e matricular seu filho na universidade passou a ser, no decurso de uma década, uma possibilidade concreta para milhões de famílias nordestinas situadas abaixo da linha de pobreza, enquanto as oportunidades de emprego e renda se multiplicavam em toda região.

Em 1º de abril de 2010, o Twitter do Bolsonaro pontuava: "o bolsa farelo (família) vai manter esta turma no poder". Pois durante a tramitação da PEC de prorrogação do Fundeb —que este governo boicotou o quanto pôde—, Bolsonaro resolveu pegar carona no limite extrateto da complementação da União para fermentar o programa Bolsa Família com a intenção declarada de mudar seu nome para Renda Brasil. Isso depois de comemorar a transposição do São Francisco, obra que recebeu praticamente pronta.

A colunista do UOL Thaís Oyama ouviu de um assessor militar do presidente que "o Nordeste é um campo fértil esperando que o governo faça a colheita" ("Bolsonaro, o pai dos pobres", 26/6/2020). Condizente com a visão do chefe, o militar acrescentou que as viagens não seriam a única ferramenta para a "colheita".

O homem que estima o peso de negros em arrobas e chama os nordestinos de "paraíba" há de receber uma resposta à altura da sua visão agropecuária da nossa gente.

Fernando Haddad

Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.