domingo, 26 de julho de 2020

Opinião: Não se pode mais adiar o combate ao desmatamento, FSP

Cristiano Teixeira

Presidente-executivo da Klabin

Paulo Hartung

Economista, presidente-executivo da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores) e ex-governador do Espírito Santo (2003-2010 e 2015-2018)

De manifestações de Parlamentos europeus às reações concretas de fundos de investimentos, fica evidente que a situação ambiental do Brasil, em especial na Amazônia, vem causando efeitos negativos ao futuro sustentável e já começa a impactar economicamente o País. A imagem arranhada prejudica a relação ao acesso ao comércio mundial e a crédito internacional, fundamentais em qualquer momento, mas crucial para uma nação no pós-pandemia, quando será necessária tração para uma retomada.

BlackRock, que no começo do ano soltou comunicado informando que iria guiar seus investimentos por questões sustentáveis e impactos nas mudanças climáticas, transformou suas palavras em ações, votando contra a administração de 50 empresas, desde ExxonMobil dos EUA até a montadora sueca Volvo, por falta de progresso no combate ao aquecimento global.

O presidente da gestora com quase US$ 7 trilhões em ativos, Larry Fink, sinaliza que avalia se desfazer de participações muito emissoras de gases de efeito estufa e usar seus votos como acionista no sentido de demonstrar insatisfação com a forma como as empresas lidam com o tema.

Área desmatada nas proximidades de Porto Velho (RO); Brasil sofre pressão para preservar florestas
Área desmatada nas proximidades de Porto Velho (RO); Brasil sofre pressão para preservar florestas - Carlos Fabal - 24.ago.2019/AFP

As tendências mundiais indicam que sustentabilidade está no foco de empresas, do mercado financeiro, dos consumidores e dos governos. Por isso, em diversos países, o meio ambiente já é parte da política econômica. É a promessa do mundo pós-pandêmico. Enquanto aqui vemos um dos nossos maiores ativos, a Amazônia, ser devastado por ações ilegais.

O próprio vice-presidente da República, Hamilton Mourão admitiu em entrevistas que a operação de combate ao desmatamento na região começou tarde. “Deveríamos ter começado tudo em dezembro de 2019, no máximo, em janeiro deste ano, mas só instalamos o Conselho da Amazônia em março, já com a pandemia, e passamos a agir em maio. Muito tarde”, disse.

Com este cenário, o setor privado que atua no Brasil avançou em uma posição inédita com relação às políticas ambientais brasileiras. Presidentes de importantes empresas e entidades expuseram suas preocupações e se dispuseram ao diálogo com o vice-presidente que também preside Conselho Nacional da Amazônia Legal. O grupo também fez chegar a carta empresarial aos presidentes das duas Casas Legislativas do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República. O movimento, que inicialmente contava com quatro associações e quase 40 companhias, vem ganhando corpo, visibilidade e muitas adesões. E segue aberta para o suporte de mais interessados.

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Fato é que não se pode mais adiar o combate ao desmatamento ilegal. Não bastam boas intenções, precisamos de atuação e, neste caso, urgentemente.

Temos mais de 20 milhões de brasileiros, muitos de populações tradicionais, que vivem na região da Amazônia, e convivem com consequências da devastação, como empobrecimento e exposição aos perigos de um cenário onde a ilegalidade impera.

Integrar comunidades locais à floresta, encontrando o equilíbrio entre a cultura regional e o avanço tecnológico e científico é um passo importante. Esta é uma maneira inteligente de preservar os recursos naturais e gerar renda.

Já temos casos de sucesso nessa linha, como castanha do Pará, açaí, cacau e borracha de seringueira. O açaí, inclusive, é um exemplo de melhora de vida de 300 mil pessoas no Pará e movimentação de US$ 1 bilhão ao ano.

Mas precisamos de investimentos, programas e pesquisas que possibilitem avanços e escala deste sucesso para outras centenas de produtos e moléculas nas áreas farmacêuticas, cosméticos e alimentícios. A floresta em pé tem inestimável valor levando em consideração também seus serviços ambientais, por exemplo, ao regime de chuvas, essencial à viabilidade e competitividade da agricultura nacional e também para a geração de energia hidroelétrica, captura de CO2 e fertilidade do solo.

Aliás, os mecanismos de crédito de carbono têm grande potencial de colocar o Brasil e sua majestosa natureza e agronegócio em posição privilegiada. Estes mecanismos já são realidade fora do Brasil.

Vários países e estados estão implementando alguma forma de precificação de carbono, incluindo China, México, Colômbia e o estado norte-americano Califórnia. Estima-se que essas iniciativas movimentaram US$ 82 bilhões em 2018. A regulação desse mercado, em caráter global, é uma das premissas do Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário. No Brasil, existe um estudo em andamento (PMR – Partnership for Market Readiness), uma parceria entre Ministério da Economia e Banco Mundial.

Aqui, segundo estimativas, considerando as emissões de CO2 ligadas ao desmatamento ilegal, o País poderia gerar US$ 10 bilhões ao ano em créditos, ao reduzir as queimadas e ações ligadas ao desmatamento, e tornar o Brasil uma referência no assunto.

Ou seja, sustentabilidade não é mais uma opção, mas o caminho para preservar a biodiversidade, a vida humana, de se fazer negócios e atender os anseios do consumidor moderno. O brasileiro, inclusive, está cada vez mais engajado no assunto. Em pesquisa da consultoria Boston Consulting Group (BCG), 95% dos brasileiros entrevistados disseram esperar que as grandes empresas tenham mais comprometimento com questões ambientais.

Existem nacionalmente inúmeras empresas competitivas em uma dimensão global, as quais mantêm padrões de sustentabilidade e conformidade de classe mundial, como é o caso da Klabin, que oferece soluções inovadoras e produtos de base renovável, embalagens de papel sustentáveis, recicláveis e resistentes.

O setor produtivo moderno do Brasil já tem patrimônio consolidado de melhores práticas ao integrar a natureza, ciência e tecnologia, gerando valor, preservando e desenvolvendo nossa nação. Por isso, é necessário observar que essas atitudes ilegais que estão ocorrendo na região Amazônica também se prestam como pretexto para recorrências protecionistas veladas de quem teme a elevada competitividade dos produtos brasileiros.

A sociedade humana está vivendo uma dura crise com a pandemia, que já atingiu o Brasil com muitas fragilidades socioeconômicas e fiscais. A ilegalidade na maior floresta tropical do mundo aprofunda ainda mais nossos problemas e subtrai oportunidades enormes para o País e sua população.

Precisamos superar esse momento e reverter essa crise. É imprescindível tratar do presente para cuidar do futuro. A palavra de ordem agora é ação urgente de combate ao desmatamento ilegal. Depois, temos que tentar recuperar a reputação que já tinha sido duramente conquistada pelo País mundo afora quanto à sustentabilidade. Está na hora de transformar potencialidades em oportunidades.

Culto em torno de João Pessoa, vice de Vargas, perde força nos 90 anos de seu assassinato, FSP


Luiz Antônio Araujo
PORTO ALEGRE

Embrião de um dos mitos da história brasileira, o assassinato do governador da Paraíba (na época o cargo se chamava presidente do estado) e candidato derrotado à vice-presidência João Pessoa (1878-1930) completa 90 anos neste domingo (26).

Em vez de reverência, a data inspira a revisão do significado do episódio —um caso de vingança pessoal, mas que, tratado como crime político, ajudou a levar Getúlio Vargas (1882-1954) ao poder.

O crime foi o estopim da Revolução de 1930 —a chapa presidencial de Getúlio Vargas e João Pessoa havia sido derrotada em março daquele ano pelo paulista Júlio Prestes, apoiado pelo presidente Washington Luís.

Getulio Vargas e João Pessoa, em foto de 1930
Getulio Vargas e João Pessoa, em foto de 1930 - Reprodução WikiCommons

Também levou à derrota da última insurreição armada da República Velha, a Revolta de Princesa. Esse foi o nome dado ao levante contra Pessoa comandado pelo coronel José Pereira Lima no município de Princesa, atual Princesa Isabel (PB), distante 400 quilômetros da capital, João Pessoa.

A revolta foi o ápice do conflito político entre Pessoa e coronéis do interior. Princesa chegou a ser proclamada "território livre", e a semiguerra civil colocou frente a frente, de fevereiro a julho, cerca de 2.000 jagunços reunidos por Pereira e 850 soldados da polícia estadual.

Pessoa foi morto com dois tiros no peito no dia 26 de julho de 1930, no Recife. O crime não teve motivação política, e sim vingança. O assassino, João Dantas, aliado a inimigos de Pessoa, teve a casa invadida quatro dias antes pela polícia, que buscava armas.

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Os agentes não encontraram armamento, mas puseram as mãos em farta correspondência e fotos eróticas de Dantas e da amante, a professora e poeta Anayde Beiriz. Exposto ao público, o material causou escândalo, levando Beiriz ao suicídio.

"O assassinato de João Pessoa e todo o processo de investimento na construção de uma memória mitificada em torno dele legitimou ideologicamente um fato histórico que marcou o fim da chamada República Velha e o início da Era Vargas", afirma José Luciano Queiroz Aires, historiador e professor do curso de mestrado em história da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Ele contabilizou, em 2006, um total de 13 avenidas, 26 ruas, quatro travessas, um largo e duas praças batizados em homenagem a João Pessoa em 18 capitais.

O Exército só sufocaria a revolta de Princesa depois da morte de Pessoa, mas já era tarde. O resto está nos livros didáticos: um golpe, encabeçado por Getúlio Vargas, depôs Washington Luís, acusado pela morte de Pessoa, em outubro, na chamada Revolução de 1930.

"O termo 'revolução' justifica-se porque ocorreu uma reconstrução do Estado nacional. E também existiu apelo popular, como mostra a morte de João Pessoa. Havia um grupo que realmente estava querendo um Brasil diferente, que não ficasse dominado por São Paulo e Minas", afirma a historiadora Dulce Pandolfi, co-organizadora de "A República no Brasil" (2002).

Pessoa teve o corpo embalsamado e foi sepultado com honras no Rio de Janeiro. Em setembro daquele ano, os deputados paraibanos aprovaram a mudança do nome da capital, então Paraíba do Norte, para João Pessoa.

Foi composto um hino em homenagem ao ex-governador, e seu nome foi dado a dezenas de logradouros em todo o país. Em 1967, a Paraíba tornou o dia 26 de julho feriado estadual.

O movimento revisionista em torno da figura de Pessoa cresceu a partir dos últimos anos do regime militar. Em 1983, Tizuka Yamasaki realizou o multipremiado longa "Parahyba mulher macho" (1983), baseado em livro do historiador paraibano José Joffily sobre Anayde Beiriz. A intenção de filmar na capital da Paraíba foi abandonada em razão da hostilidade local.

"Eu fazia perguntas a um coronel, e ele não conseguia me olhar para responder", lembra Tizuka.

O cantor, compositor e ex-vereador de João Pessoa Flávio Eduardo Maroja Ribeiro tentou levantar o debate, mas enfrentou resistência. Em 2007, publicou o livro "Parahyba 1930: A Verdade Omitida". "Levei muita chibatada nas costas. Hoje a gente está vendo os frutos dessa história."

No rastro do livro de Fuba, surgiram movimentos como Paraíba Capital Parahyba e Bandeira Viva (que tenta restabelecer a antiga bandeira estadual em lugar da atual, rubro-negra, com a expressão "Nego", atribuída a Pessoa). Em 2015, os deputados extinguiram o feriado de 26 de julho.


Sem regra legal, candidaturas coletivas se espalham e viram opção da esquerda à direita, FSP


SÃO PAULO

​Há um ano, os habitantes de Afogados da Ingazeira (PE) recebiam a notícia de que a Câmara Municipal poderia ter um tipo incomum de mandato. As moradoras Lena Braz, Cícera do Leite e Maria Alves foram à rádio local anunciar que concorreriam juntas a uma só cadeira, em uma chapa batizada de Unidas.

"Eu tenho o sonho de chegar lá fazendo uma política diferente", afirma Cícera, que já tentou ser vereadora (sozinha) duas vezes na cidade. Desde a entrevista na rádio, apenas uma continuou com ela: Maria Alves, ou Dinha Merendeira, como vai se apresentar à população. Edja Brito completa o trio, que sairá pelo PSD.

Seis meses após a novidade, outro afogadense revelou aos 30 mil habitantes do lugar que tentaria entrar na disputa com uma campanha nos mesmos moldes. José Barbosa quer uma plataforma que represente os guardas municipais da cidade —mas ainda procura parceiros para a jornada.

Como no município pernambucano, que poderá assistir à competição entre duas candidaturas coletivas, outras localidades de norte a sul caminham para ter na eleição municipal deste ano um número recorde de campanhas para vereador com esse estilo.

Integrantes da Bancada Feminista, que disputará a eleição de vereadora pelo PCdoB em São Paulo: Carina Vitral (blusa azul), Claudia Rodrigues (blusa preta), Camilla Lima (blusa vermelha) e Nayara Souza (blusa cor-de-rosa). Crédito: Karla Boughoff/Divulgação
Nayara Souza, Carina Vitral (à frente), Camilla Lima e Claudia Rodrigues, integrantes de candidatura coletiva que concorrerá a uma vaga na Câmara Municipal de São Paulo pelo PC do B - Karla Boughoff/Divulgação

As pré-candidaturas se espalham por partidos de diversas orientações ideológicas, desde PSOL, PT e PC do B até MDB e DEM, passando por PDT, Rede Sustentabilidade e PSB. As legendas têm até 26 de setembro para fazer os registros na Justiça Eleitoral.

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O formato, que já foi vitorioso em eleições para vereador e deputado estadual desde 2016, consiste em um grupo (geralmente três pessoas ou mais) que faz campanha em conjunto e, caso eleito, assume coletivamente a cadeira. Na urna, aparecem o nome e a foto de apenas um dos integrantes.

Essa configuração, no entanto, está fora das previsões legais e das regras do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o que abre margem para questionamentos judiciais. Até agora, não se sabe de nenhum processo do tipo.

O trio de mulheres de Afogados da Ingazeira acredita que, em três, elas têm mais possibilidade de vencer. "Esse modelo aumenta as nossas chances de ganhar e ter mais mulheres na política da cidade", empolga-se Cícera. Hoje, os 13 vereadores são homens.

Para Barbosa, que tenta montar a outra chapa do município, "uma candidatura coletiva pode atingir mais grupos. Os outros companheiros também têm um grupo familiar, [alcançam] a área onde moram".

A iniciativa, que começou com três guardas municipais, ainda patina. Se vingar, ela terá uma junção inusitada: Barbosa, ligado aos movimentos social e sindical e ex-filiado ao PT, sairia em uma chapa com um apoiador do presidente Jair Bolsonaro, Roberto de Freitas.

O primeiro diz que as divergências não atrapalhariam. "Não podemos nos fechar em uma ideia só. Se temos um objetivo maior, temos que discutir com pessoas que têm um ponto de vista diferente. Política é isso." Caso a formação coletiva não dê certo, será Roberto o candidato da causa dos guardas, pelo PSD.

Outra experiência pernambucana —esta na capital, Recife— une três vizinhos da comunidade do Coque: Dimas Francisco, Kátia da Silva e Didiu do Prezeis. Eles querem disputar uma vaga na Câmara pelo DEM.

"Chega prefeito e vereador aqui prometendo várias coisas, e depois não cumpre. Vendo isso, a gente se juntou e falou: 'Não vamos dar brecha para esses candidatos de fora'. Se acontecer algum problema, fica mais fácil para a comunidade nos cobrar", afirma.

Especialmente nas legendas do campo progressista, uma tendência parece ser a do uso do formato para agregar pessoas em torno de causas como o feminismo e o antirracismo.

Na capital paulista, o PDT prepara cinco candidaturas coletivas, que se dividem em bandeiras relacionadas a gênero, direitos humanos e território.

Uma delas, a do grupo Periferia É o Centro, reúne nove membros e é encabeçada pelo ativista Jesus dos Santos, que já tem experiência com mandato compartilhado. Ele é um dos integrantes do coletivo eleito em 2018 para a Assembleia Legislativa de São Paulo, hospedado no PSOL.

Lá a titular, para efeitos legais, é a deputada Monica Seixas (PSOL), reconhecida pela Casa como parlamentar. Os outros oito eleitos com ela são chamados informalmente de codeputados.

Agora, Jesus será novamente "cocandidato". E duas colegas dele no mandato estadual também tentarão vagas na Câmara paulistana, só que individualmente —uma pelo PSOL e outra pela Rede Sustentabilidade.

"A ideia é carregar a vivência parlamentar que adquiri e também dar a outras pessoas a oportunidade de ocupar esses espaços institucionais, levando nossa voz e as pautas das camadas marginalizadas", diz o pedetista.

O músico e ativista cultural Jesus dos Santos, que é codeputado estadual na "Mandata Ativista" na Assembleia paulista e fará parte de candidatura coletiva pelo PDT na disputa por cadeira na Câmara Municipal de São Paulo
O músico e ativista cultural Jesus dos Santos, que é codeputado estadual na "Mandata Ativista" na Assembleia paulista e fará parte de candidatura coletiva pelo PDT na disputa por cadeira na Câmara Municipal de São Paulo - Bruno Santos - 27.fev.2019/Folhapress - Produção Daniela Ribeiro

Outra postulante que não se apresentará só para a disputa por um assento na Câmara de São Paulo será a ex-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) Carina Vitral. Pelo PC do B, ela concorrerá ao lado de outras três mulheres, formando o que batizaram de "bancada feminista".

Para Carina, a candidatura coletiva evidencia mais as causas do que as pessoas envolvidas. No caso dela e das companheiras, a plataforma de campanha engloba temas como combate ao machismo e defesa da educação.

"É uma maneira de nos diferenciar de quem quer fazer carreira na política. Na história, pessoas são importantes, mas isso não significa que a gente precise ser personalista", afirma.

Segundo ela —que se candidatou a deputada estadual em 2018, obteve 33 mil votos e ficou na suplência—, potencializar a atração de votos não é a razão maior para ter optado por uma campanha grupal.

"O motivo principal é a força da ideia. Queremos trazer à luz uma coisa diferente, que desperte nos cidadãos a vontade de participar da política. Isso tem mais força do que o raciocínio simplista de que 'quatro pessoas pedindo voto é melhor que uma'."

Carina conta que o partido recebeu com bons olhos a proposta. Tanto é que deve replicar a ideia em capitais como Belém, Salvador, Manaus, Porto Alegre, São Luís e Rio de Janeiro. O diagnóstico hoje é o de que legendas à esquerda têm se mostrado mais abertas a candidaturas do gênero.

Nos mandatos coletivos eleitos, em geral os integrantes são nomeados para cargos no gabinete (como assessor ou chefe de gabinete), mas assumem funções mais amplas do que as meramente burocráticas.

Há limitações, no entanto. Como nem a legislação nem os regimentos internos das Casas contemplam a novidade, normalmente só o titular pode votar em plenário, discursar na tribuna e compor comissões.

Além da experiência paulista, outros casos bem-sucedidos que costumam ser mencionados são os dos grupos Juntas, que entrou na Assembleia de Pernambuco, e Muitas, eleito para a Câmara de Belo Horizonte.

"Nossa perspectiva é e sempre foi a da experimentação, da inovação democrática", afirma Caio Tendolini, membro da Bancada Ativista, movimento que gestou a "Mandata Ativista", nome do grupo que ocupa o gabinete com Monica. A organização passou os últimos meses recebendo dúvidas e respondendo a perguntas de várias partes do Brasil.

"Vão surgir mil remixes e versões, de direita e de esquerda, de pastor e de sem-teto. Vai ter versão 'fake' e outras mais genuínas. As urnas vão julgar se será uma candidatura de verdade", analisa.

Na visão da cientista política Silvana Krause, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, existe uma pitada de marketing atrelada ao interesse pela invenção. "Isso surge no espírito da antipolítica, de buscar vender e fazer uma nova forma de compreensão do que é um mandato", diz.

A docente considera positiva a possibilidade maior de representação de grupos minoritários dentro de um mandato, mas aponta o risco de enfraquecimento dos partidos, "que já são muito frágeis no Brasil", como um efeito colateral.

"Não estou desprezando essas iniciativas, só estou chamando a atenção para o cuidado com essa euforia. Porque o mandato já é coletivo, é do partido."

Silvana lembra que o maior desafio nem é a campanha em si, mas a estruturação coerente do mandato, em caso de vitória. "A proposta assegura que determinados grupos isolados, particularizados, consigam ter uma representação política. Mas o que vem depois? Nada garante [a coletividade do mandato]."

No campo jurídico, o alerta também está ligado. Como a legislação eleitoral não reconhece o arranjo, a campanha precisa ser feita com o dobro de cuidado, para evitar ações de adversários ou mesmo do Ministério Público Eleitoral.

"Na propaganda eleitoral oficial, pode haver questionamento se uma peça for protagonizada por aqueles que não são os candidatos reais. Mas, se eles [cocandidatos] figurarem como meros apoiadores, não há problema", comenta o advogado Amilton Augusto, especialista em direito eleitoral.

O TSE informou à Folha desconhecer a existência de consultas à corte sobre o assunto e disse que o tema nunca foi debatido entre os ministros.