domingo, 26 de julho de 2020

Culto em torno de João Pessoa, vice de Vargas, perde força nos 90 anos de seu assassinato, FSP


Luiz Antônio Araujo
PORTO ALEGRE

Embrião de um dos mitos da história brasileira, o assassinato do governador da Paraíba (na época o cargo se chamava presidente do estado) e candidato derrotado à vice-presidência João Pessoa (1878-1930) completa 90 anos neste domingo (26).

Em vez de reverência, a data inspira a revisão do significado do episódio —um caso de vingança pessoal, mas que, tratado como crime político, ajudou a levar Getúlio Vargas (1882-1954) ao poder.

O crime foi o estopim da Revolução de 1930 —a chapa presidencial de Getúlio Vargas e João Pessoa havia sido derrotada em março daquele ano pelo paulista Júlio Prestes, apoiado pelo presidente Washington Luís.

Getulio Vargas e João Pessoa, em foto de 1930
Getulio Vargas e João Pessoa, em foto de 1930 - Reprodução WikiCommons

Também levou à derrota da última insurreição armada da República Velha, a Revolta de Princesa. Esse foi o nome dado ao levante contra Pessoa comandado pelo coronel José Pereira Lima no município de Princesa, atual Princesa Isabel (PB), distante 400 quilômetros da capital, João Pessoa.

A revolta foi o ápice do conflito político entre Pessoa e coronéis do interior. Princesa chegou a ser proclamada "território livre", e a semiguerra civil colocou frente a frente, de fevereiro a julho, cerca de 2.000 jagunços reunidos por Pereira e 850 soldados da polícia estadual.

Pessoa foi morto com dois tiros no peito no dia 26 de julho de 1930, no Recife. O crime não teve motivação política, e sim vingança. O assassino, João Dantas, aliado a inimigos de Pessoa, teve a casa invadida quatro dias antes pela polícia, que buscava armas.

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Os agentes não encontraram armamento, mas puseram as mãos em farta correspondência e fotos eróticas de Dantas e da amante, a professora e poeta Anayde Beiriz. Exposto ao público, o material causou escândalo, levando Beiriz ao suicídio.

"O assassinato de João Pessoa e todo o processo de investimento na construção de uma memória mitificada em torno dele legitimou ideologicamente um fato histórico que marcou o fim da chamada República Velha e o início da Era Vargas", afirma José Luciano Queiroz Aires, historiador e professor do curso de mestrado em história da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Ele contabilizou, em 2006, um total de 13 avenidas, 26 ruas, quatro travessas, um largo e duas praças batizados em homenagem a João Pessoa em 18 capitais.

O Exército só sufocaria a revolta de Princesa depois da morte de Pessoa, mas já era tarde. O resto está nos livros didáticos: um golpe, encabeçado por Getúlio Vargas, depôs Washington Luís, acusado pela morte de Pessoa, em outubro, na chamada Revolução de 1930.

"O termo 'revolução' justifica-se porque ocorreu uma reconstrução do Estado nacional. E também existiu apelo popular, como mostra a morte de João Pessoa. Havia um grupo que realmente estava querendo um Brasil diferente, que não ficasse dominado por São Paulo e Minas", afirma a historiadora Dulce Pandolfi, co-organizadora de "A República no Brasil" (2002).

Pessoa teve o corpo embalsamado e foi sepultado com honras no Rio de Janeiro. Em setembro daquele ano, os deputados paraibanos aprovaram a mudança do nome da capital, então Paraíba do Norte, para João Pessoa.

Foi composto um hino em homenagem ao ex-governador, e seu nome foi dado a dezenas de logradouros em todo o país. Em 1967, a Paraíba tornou o dia 26 de julho feriado estadual.

O movimento revisionista em torno da figura de Pessoa cresceu a partir dos últimos anos do regime militar. Em 1983, Tizuka Yamasaki realizou o multipremiado longa "Parahyba mulher macho" (1983), baseado em livro do historiador paraibano José Joffily sobre Anayde Beiriz. A intenção de filmar na capital da Paraíba foi abandonada em razão da hostilidade local.

"Eu fazia perguntas a um coronel, e ele não conseguia me olhar para responder", lembra Tizuka.

O cantor, compositor e ex-vereador de João Pessoa Flávio Eduardo Maroja Ribeiro tentou levantar o debate, mas enfrentou resistência. Em 2007, publicou o livro "Parahyba 1930: A Verdade Omitida". "Levei muita chibatada nas costas. Hoje a gente está vendo os frutos dessa história."

No rastro do livro de Fuba, surgiram movimentos como Paraíba Capital Parahyba e Bandeira Viva (que tenta restabelecer a antiga bandeira estadual em lugar da atual, rubro-negra, com a expressão "Nego", atribuída a Pessoa). Em 2015, os deputados extinguiram o feriado de 26 de julho.


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