quinta-feira, 23 de julho de 2020

OZIRES SILVA Embraer: tecnologia e interesse nacional, FSP

Empresa tem tudo para continuar sendo um projeto de sucesso

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Ozires Silva

Reitor do Centro Universitário São Judas Tadeu – Campus Unimonte, foi ministro da Infraestrutura de 1990 a 92 (governo Collor) e presidente da Embraer, da qual foi fundador, e da Petrobras

Há cerca de dois anos, nesta mesma Folha, defendi a parceria da Embraer com a Boeing, observando que, juntas, as duas empresas se fortaleceriam para avançar na cada vez mais competitiva indústria aeroespacial global. O que se desenhava era uma aliança benéfica para a aviação civil, que preservava os interesses da FAB e do Estado brasileiro.

Desfeito, por iniciativa da Boeing, o acordo com a firma americana era “importante, mas não fundamental” para a nossa Embraer, que se preparou com afinco para a união, investiu recursos significativos e acreditou na boa-fé e no interesse do potencial parceiro.

O engenheiro Ozires Silva
O engenheiro Ozires Silva - Bruno Poletti - 11.nov.15/Folhapress

Ouso mesmo dizer, tendo em vista os graves e recorrentes problemas técnicos e financeiros enfrentados pela Boeing, que ficamos melhor do que se a união tivesse se consumado. Acresça-se a isso a tragédia da pandemia, e temos um quadro de crise que desafia governos, empresas e indivíduos a encontrarem soluções criativas para fazer frente às inevitáveis mudanças no panorama global. A indústria da aviação, em particular, foi das mais afetadas pela pandemia.

Em seus mais de 50 anos de existência, a Embraer soube desenvolver parcerias produtivas e de longa duração. Graças a isso, pôde se tornar líder no mercado de jatos de passageiros de até 150 lugares, tornou-se competidora de ponta na aviação executiva e, junto com a FAB e o governo brasileiro, consolidou-se no mercado internacional de defesa.

Hoje, seu jato de transporte multimissão, o C-390 Millenium, é o mais moderno em produção. Além disso, a empresa se firmou como centro de inovação e de desenvolvimento de tecnologias disruptivas, de nanosatélites a aeronaves para uso urbano.

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A Embraer tem os produtos, a capacidade tecnológica, a gestão, a governança e, principalmente, as pessoas certas para enfrentar os desafios do momento.

Desde 1969 —e mesmo depois de privatizada, em 1994—, a empresa contou com o apoio do governo brasileiro para se inserir de forma competitiva no mercado global. A exemplo do que acontece na Europa, com a Airbus, e nos Estados Unidos, com a Boeing, governos financiam exportações, apoiam programas específicos e veem o setor aeroespacial como um projeto de Estado.

Bastou o fim do acordo com a Boeing para que a Embraer logo se visse no radar de países como Japão, Índia, Rússia e China, interessados em desenvolver parcerias e em se beneficiar da extraordinária competência de seus técnicos e engenheiros e de sua renomada qualidade de produção. No tabuleiro da grande geopolítica —no momento em transformação acelerada, em decorrência do retraimento dos EUA e dos impasses da globalização—, a Embraer se sobressai, pois é a maior exportadora brasileira de produtos de alto valor agregado, presente em 100 países e articulada com o que existe de mais moderno em ciência e tecnologia.

Em reportagem recente desta Folha, o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, demonstrou otimismo mais do que justificado. Lembrou das várias e concretas vantagens que a empresa tem e deixou claro que seu time está trabalhando em um novo plano estratégico que a levará com sucesso até 2025.

Para que isso aconteça, mais do que nunca a Embraer deve ser vista como um projeto de interesse do Estado brasileiro, um vetor de independência tecnológica e de sustentação da soberania. Ao aliar os valores do mercado aos do interesse nacional, a empresa tem tudo para continuar sendo um projeto de sucesso para seus colaboradores, seus acionistas e para a sociedade brasileira.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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quarta-feira, 22 de julho de 2020

Antonio Delfim Netto Atitudes obscurantistas transformaram Brasil em pária ambiental, FSP

Infelizmente, o presidente Bolsonaro administra a pátria amada com os piores preconceitos identitários e religiosos, além de revelar horror às evidências empíricas. Continua a negar o desaparecimento anual de parte da floresta amazônica apurado pelo Inpe. Os dados anuais revelam grandes flutuações, mas sem clara tendência. O aparente aumento entre 2012 e 2019 parece pura ilusão estatística.

Deixemos de lado, por um instante, a “conspiração” interna e externa contra a nossa eficiente e competitiva atividade agroindustrial, resultado do forte apoio político à Embrapa, que “inventou” a agricultura tropical. Esta é, mesmo, respeitada por nossos competidores internacionais —EUA, Europa, Austrália, Argentina, todos fora dos “trópicos”. Feito isso, vamos aos fatos.

Qualquer pessoa informada sobre a proteção ambiental no Brasil sabe que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Código Florestal criaram as condições para o conhecimento seguro (como o Inpe faz) em que se desenvolve nossa agricultura. Nem mesmo o deplorável “deixa passar a boiada” do ministro Salles pode alterar isso.

Os números a seguir, calculados pela Embrapa através do CAR para 2018, dão boa ideia do problema: a área destinada à proteção ambiental é de 66,3% do total (unidades de conservação pública e privada e vegetação nativa, 52,5%; terras indígenas, 13,8%).

Trata-se de uma área equivalente à da Europa. A área utilizada para a atividade agropastoril é, por sua vez, de 30,2% do território nacional: 22,2% plantados, lavoura, pastagem, floresta; 8% pastagens nativas. Para cada hectare plantado, temos, portanto, dois reservados à conservação ambiental!

Quanto à Amazônia, é bom lembrar que temos hoje alocados para tentar proteger uma área de 5 milhões de km2 (60% do país) e 17 mil km de perímetro, 40 mil homens da força armada profissional, com a coordenação do vice-presidente Mourão.

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É isso que Bolsonaro e seus ministros das Relações Exteriores e do Meio Ambiente deveriam estar mostrando ao mundo em vez de choramingar contra um complô imaginário que quer nos tirar a Amazônia.

Foram atitudes obscurantistas do ministro do Meio Ambiente (que execrou os competentes burocratas de seus quadros) que ajudaram nossos competidores a transformar o Brasil no pária destruidor do equilíbrio ambiental do planeta Terra.

Essa imagem ganhou força no exterior pela mediocridade da reação do Itamaraty, que, orientado por uma extravagante “filosofia”, emasculou a competente voz de nossos embaixadores, reconhecidos desde sempre como diplomatas altamente sofisticados e eficientes na defesa do interesse nacional.

Antonio Delfim Netto

Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.