segunda-feira, 20 de julho de 2020

Sob efeito da pandemia, 69 milhões de brasileiros pretendem comprar menos nos próximos meses, OESP

Márcia De Chiara e Douglas Gavras, O Estado de S.Paulo

O consumo, que é mais da metade de toda a riqueza gerada na economia e no passado já salvou o País de outras crises, não deverá ser o mesmo após a quarentena. Cerca de 69 milhões de brasileiros, ou 42% da população adulta, pretendem comprar menos nos próximos meses comparado ao que gastavam antes da pandemia do coronavírus, mostra pesquisa nacional feita pelo Instituto Locomotiva.

A freada no consumo tem relação direta com a queda na renda provocada pela pandemia. Mas uma mudança mais estrutural também está a caminho, já que o isolamento social acabou provocando alterações no comportamento do consumidor, segundo Renato Meirelles, presidente do Locomotiva.

“Há mais de cem dias dentro de casa, as pessoas descobriram o que precisam e o que não precisam”, diz Meirelles. Com a pandemia, o consumidor racionalizou as compras. “Nesse novo mundo não cabe ostentação.”

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A freada nas compras, constatada em todas as classes sociais, ocorre em um cenário de queda recorde no consumo das famílias que é esperado para este ano - uma retração de 7,2%, segundo projeção feita pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). É como se, apenas neste ano, o consumo das famílias caísse mais do que as perdas acumuladas em 2015 e 2016, quando o País enfrentou uma longa recessão.

“Além de ser o item de maior peso do Produto Interno Bruto (PIB), o consumo das famílias é o que faz o brasileiro perceber se está em uma situação melhor ou pior. Ele sente que a vida está mais difícil quando sua capacidade de consumir cai”, afirma o economista sênior da CNC, Fabio Bentes.

Recuo nos gastos

A perspectiva de continuar segurando as compras nos próximos 12 meses é confirmada por outra pesquisa, da consultoria Bain & Company. A enquete ouviu 1,6 mil pessoas e foi feita no fim de junho. Aponta que, em todos os segmentos, o número de pessoas que pretende gastar menos é maior do que o dos que devem aumentar gastos depois da pandemia.

Em serviços, por exemplo, 57% dos consultados declararam que vão gastar menos em viagens, 51% em eventos, 41% em academias, 36% em restaurantes. “As pessoas não sabem quanto tempo a pandemia vai durar, por isso há mais gente prevendo desembolsar menos”, observa Frederico Eisner, sócio da consultoria. Na sua avaliação, as pessoas estão com medo e esse sentimento não combina com consumo.

Magda Maria Barbosa de Alencar, que trabalha em uma creche, é um exemplo da mudança nos hábitos de consumo. “Todo mês comprava roupa, sapato, perfume, esse tipo de coisa que hoje a gente chama de supérfluo.” A decisão agora é não comprar mais e tentar pagar o que já tem.

Diferenças entre segmentos

A freada nas compras na quarentena e no período de pós-isolamento deve ser diferente para cada segmento de consumo, segundo Meirelles, do Locomotiva. Itens como varejo online, entrega de comida, ensino a distância, por exemplo, cresceram e devem se manter em alta.

O consumo de alimentos, de serviços de telecomunicação e de produtos de limpeza também aumentou, mas deve se estabilizar. Já serviços prestados por cinemas, hotéis e restaurantes tiveram forte queda e a recuperação deve ser lenta.

COMO CONSUMIDORES MUDARAM HÁBITOS

'Economizo ficando em casa'

fabiano barcellos
A despesa no cartão de crédito de Fabiano Barcellos caiu quase pela metade Foto: Alexandre Brum/Estadão

O cardiologista e empresário Fabiano Barcellos, de 40 anos, afirma que sua despesa no cartão de crédito caiu quase pela metade depois da pandemia. “Estou fazendo uma economia absurda ficando em casa.” Ele admite que sua renda não diminuiu tanto, entre 10% e 15%. No entanto, a nova rotina impôs hábitos mais econômicos.

Antes da covid-19, sua família saía para comer fora toda semana. Agora, pede pizza a cada 15 dias e sua mulher, que gosta de cozinhar, assumiu o preparo das refeições. Outros hobbies, como cinema, ficaram para trás. 

Ele reduziu os canais de TV por assinatura, as idas da faxineira, mudou o plano de saúde da mãe para um mais em conta e adiou a troca do carro. “Cancelei por causa da incerteza.”

 

'Diminuímos o número de banhos por dia'

Magda Maria Barbosa de Alencar
Magda Maria Barbosa de Alencar tirou coisas supérfluas da lista de compras Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A família de Magda Maria Barbosa de Alencar, de 53 anos, é grande. Ela, o marido, a filha, o irmão e uma sobrinha moram juntos. Com a pandemia, ela foi afastada da creche em que trabalhava, mas conseguiu manter o salário. O marido, que é garçom, ficou sem trabalho. A filha e a sobrinha continuaram trabalhando a distância e o irmão, que bancava a maior parte das despesas, fechou a empresa. Resultado: a renda familiar despencou.

Magda tirou coisas supérfluas da lista de compras e cortou em 80% o consumo de carne. Para economizar na conta de água, eles foram além:“Tomávamos vários banhos por dia, tivemos de diminuir”.

Antes da pandemia, a família saía para comer fora. “Agora, jamais.” As viagens para visitar os parentes em Fortaleza (CE) estão fora de cogitação. 

 

‘Estou mais consciente nas compras'

Riccardo Marcori Varalli
Riccardo Marcori Varalli passou a cozinhar em casa, reduzindo gastos com restaurante Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como milhares de brasileiros, o advogado Riccardo Marcori Varalli, de 42 anos, transferiu o escritório para casa e descobriu que pode fazer muita coisa por conta própria. Ele passou a cozinhar, reduzindo gastos com restaurante. “Não é necessário comer fora três vezes por semana, sendo que posso fazer em casa.”

Em home office, também passou a gastar menos com roupas. Ele costumava usar traje social para ir ao escritório. Agora, faz tempo que não compra itens de vestuário. “Na pandemia comecei a ficar mais consciente do tanto de coisas supérfluas que comprava.”

Varalli pretende continuar economizando. Ida a restaurantes, shoppings e grandes viagens estão suspensos. Com a renda 20% menor, ele pretende gastar com itens essenciais, como alimentos.

 

domingo, 19 de julho de 2020

Pandemia deve transformar de vez o setor da alimentação, FSP

Restaurantes e confeitarias criam linhas próprias de produtos para não depender do atendimento presencial

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SÃO PAULO

A reabertura de bares, restaurantes, lanchonetes e cafés, autorizada pelo governo estadual desde o dia 6 de julho, não foi suficiente para deixar o setor mais otimista.

Segundo pesquisa realizada pelo Sebrae em parceria com a Abrasel (associação de bares e restaurantes), 71% dos empresários acreditam que menos da metade da clientela vai voltar a frequentar seus estabelecimentos neste primeiro mês de funcionamento.

O delivery, que foi a saída para 72% dos negócios (25% deles lançaram o serviço na pandemia), deve seguir em alta. Mas será preciso ir além da entrega de comida em domicílio, diz Léo Texeira, da consultoria NaMesa, especializada no setor da alimentação.

“Mesmo que o atendimento presencial volte, não será como antes, e os estabelecimentos terão de se preparar para esse novo momento. É a oportunidade para rever o plano de negócios.”

Sorrindo, Daniela e Mariana estão sentadas à mesa, que tem geleia, bolos, doces, xícaras de café e garrafas de água
Daniela e Mariana Gorski, sócias da rede de confeitarias Dama, em São Paulo - Jardiel Carvalho/Folhapress

Foi o que fizeram as irmãs Daniela Gorski, 49, e Mariana Gorski, 41, sócias da rede Confeitaria Dama. Com uma loja de rua e cinco em shoppings paulistanos, elas lançaram o serviço de delivery uma semana após o início da quarentena. E não pararam por aí.

Nos primeiros dias de junho, a dupla lançou o Dama Empório, braço da empresa que vende preparos e bases, como discos de pão de ló, bombas sem recheio, geleias e potes de brigadeiro, para que os clientes montem os doces em casa.

O novo serviço veio em boa hora. Mesmo com a reabertura, diz Daniela, as lojas físicas permanecem quase vazias.

“Não foi preciso alterar nossa produção, só encontrar as embalagens certas para que os itens chegassem inteiros à casa dos clientes”, afirma ela.

A linha começou enxuta, com 17 produtos, que custam de R$ 20 a R$ 65 e são vendidos pelo aplicativo iFood. Mas elas pretendem lançar novidades a cada 15 dias.

O próximo item que deve entrar para o menu será o kit para preparo do mil-folhas, doce mais conhecido da casa.

Potes de geleias e brigadeiro
Ingredientes vendidos pela confeitaria Dama, de São Paulo - Jardiel Carvalho/Folhapress

Estratégia parecida foi adotada por Daniel Sahagoff, 57, proprietário do restaurante de alto padrão Cantaloup.

Até o início da quarentena, ele conta que esconjurava a palavra delivery, pois duvidava que seus pratos chegariam íntegros à casa dos clientes. De repente, precisou se dobrar aos novos tempos.

Além de lançar de pratos tradicionais prontos para consumo, como risoto de camarão e bacalhau à Brás, que custam R$ 85 cada um, Sahagoff investiu em uma linha de congelados, para ser finalizada em casa —proteínas, molhos e acompanhamentos são vendidos separadamente.

Sahagoff ainda lançou uma segunda marca, a Caseirinho, com receitas simples, como estrogonofe e filé à parmigiana. Os pratos vêm prontos, e o preço das porções individuais variam de R$ 58 a R$ 78.

O próximo passo, adianta, será uma loja online —ele pretende vender conservas, geleias, chutneys e condimentos com a marca Cantaloup.

Para dar forma a todas as novas operações, Sahagoff diz ter investido mais de R$ 200 mil. “Foi preciso adquirir estoque de embalagens e sachês de álcool em gel, contratar nutricionista para elaborar a rotulagem dos produtos congelados, criar o material informativo que acompanha os pratos, entre outras medidas.”

Para que iniciativas do gênero gerem bons resultados financeiros, adverte o analista do Sebrae Luiz Rebelatto, o empreendedor não pode apelar para o improviso.

Implantar serviço de delivery exige muito preparo a respeito de embalagens, logística de transporte e leis trabalhistas. É como ter um negócio dentro do outro.”

E o atendimento não termina com o despacho da comida. Estruturar o serviço de pós-venda é fundamental.

“O consumidor não perdoa quando o mesmo erro acontece várias vezes. O empreendedor precisa estar atento às avaliações dos clientes.”

PIZZARIAS APERFEIÇOAM ENTREGA PARA DRIBLAR NOVOS CONCORRENTES

Pioneiras no serviço de entregas, as pizzarias estavam preparadas quando os salões foram fechados e não sofreram tanto com a pandemia.

Segundo o presidente da Apubra (associação de pizzarias), Gustavo Cardamoni, casas que operavam por delivery antes do coronavírus registraram queda de vendas nos primeiros 15 dias da quarentena, mas se recuperaram a partir de abril, quando o faturamento cresceu de 10% a 30%.

Herdeiro da rede 1900, que tem sete lojas na capital paulista, Erik Momo, 49, registrou uma queda no faturamento de 40% —segundo a Abrasel, a média do setor de alimentação fora do lar passa dos 80%.

Mas os pedidos de delivery aumentaram. Aos sábados, dia da semana mais concorrido, o número de vendas pulou de 1.100 para 1.600 na pandemia. “Nossas embalagens já estavam desenvolvidas, e as equipes, bem treinadas, então não foi complicado.”

Embora a 1900 atue em um segmento no qual o preço alto não costuma ser problema —as pizzas grandes custam entre R$ 64,30 e R$ 94,90—, um desconto de 20% vigorou durante os três primeiros meses da quarentena. “Sabia que até meus clientes seriam afetados financeiramente”, diz.

No segmento popular, os números são ainda mais animadores. Com 15 pizzarias em São Paulo, sendo 13 exclusivas para delivery, a rede Kadalora não sofreu com a pandemia.

Segundo o fundador Valmor Friedrich, 50, o aumento nos pedidos, que chegou a 18% em relação ao mesmo período de 2019, e no ticket médio, que passou de R$ 47 para R$ 51, compensou os 170 lugares que ficaram desocupados.

“Como as pessoas estão saindo menos, aumentaram os pedidos de bebidas e sobremesas”, afirma ele.
Empenhado em aprimorar ainda mais os serviços, Friedrich firmou parceria com a cervejaria Germânia para vender chope em embalagens de 1 litro, a R$ 16. “Os clientes estão cada vez mais exigentes”, diz.

Segundo o analista do Sebrae Luiz Rebelatto, o aumento da concorrência no delivery mudou a realidade de todos. “Os aplicativos de entregas ampliaram o serviço e oferecem muitas opções do mesmo segmento. Todos terão de reagir com mais qualidade e maior diversidade.”