Márcia De Chiara e Douglas Gavras, O Estado de S.Paulo
O consumo, que é mais da metade de toda a riqueza gerada na economia e no passado já salvou o País de outras crises, não deverá ser o mesmo após a quarentena. Cerca de 69 milhões de brasileiros, ou 42% da população adulta, pretendem comprar menos nos próximos meses comparado ao que gastavam antes da pandemia do coronavírus, mostra pesquisa nacional feita pelo Instituto Locomotiva.
A freada no consumo tem relação direta com a queda na renda provocada pela pandemia. Mas uma mudança mais estrutural também está a caminho, já que o isolamento social acabou provocando alterações no comportamento do consumidor, segundo Renato Meirelles, presidente do Locomotiva.
“Há mais de cem dias dentro de casa, as pessoas descobriram o que precisam e o que não precisam”, diz Meirelles. Com a pandemia, o consumidor racionalizou as compras. “Nesse novo mundo não cabe ostentação.”
A freada nas compras, constatada em todas as classes sociais, ocorre em um cenário de queda recorde no consumo das famílias que é esperado para este ano - uma retração de 7,2%, segundo projeção feita pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). É como se, apenas neste ano, o consumo das famílias caísse mais do que as perdas acumuladas em 2015 e 2016, quando o País enfrentou uma longa recessão.
“Além de ser o item de maior peso do Produto Interno Bruto (PIB), o consumo das famílias é o que faz o brasileiro perceber se está em uma situação melhor ou pior. Ele sente que a vida está mais difícil quando sua capacidade de consumir cai”, afirma o economista sênior da CNC, Fabio Bentes.
Recuo nos gastos
A perspectiva de continuar segurando as compras nos próximos 12 meses é confirmada por outra pesquisa, da consultoria Bain & Company. A enquete ouviu 1,6 mil pessoas e foi feita no fim de junho. Aponta que, em todos os segmentos, o número de pessoas que pretende gastar menos é maior do que o dos que devem aumentar gastos depois da pandemia.
Em serviços, por exemplo, 57% dos consultados declararam que vão gastar menos em viagens, 51% em eventos, 41% em academias, 36% em restaurantes. “As pessoas não sabem quanto tempo a pandemia vai durar, por isso há mais gente prevendo desembolsar menos”, observa Frederico Eisner, sócio da consultoria. Na sua avaliação, as pessoas estão com medo e esse sentimento não combina com consumo.
Magda Maria Barbosa de Alencar, que trabalha em uma creche, é um exemplo da mudança nos hábitos de consumo. “Todo mês comprava roupa, sapato, perfume, esse tipo de coisa que hoje a gente chama de supérfluo.” A decisão agora é não comprar mais e tentar pagar o que já tem.
Diferenças entre segmentos
A freada nas compras na quarentena e no período de pós-isolamento deve ser diferente para cada segmento de consumo, segundo Meirelles, do Locomotiva. Itens como varejo online, entrega de comida, ensino a distância, por exemplo, cresceram e devem se manter em alta.
O consumo de alimentos, de serviços de telecomunicação e de produtos de limpeza também aumentou, mas deve se estabilizar. Já serviços prestados por cinemas, hotéis e restaurantes tiveram forte queda e a recuperação deve ser lenta.
COMO CONSUMIDORES MUDARAM HÁBITOS
'Economizo ficando em casa'
O cardiologista e empresário Fabiano Barcellos, de 40 anos, afirma que sua despesa no cartão de crédito caiu quase pela metade depois da pandemia. “Estou fazendo uma economia absurda ficando em casa.” Ele admite que sua renda não diminuiu tanto, entre 10% e 15%. No entanto, a nova rotina impôs hábitos mais econômicos.
Antes da covid-19, sua família saía para comer fora toda semana. Agora, pede pizza a cada 15 dias e sua mulher, que gosta de cozinhar, assumiu o preparo das refeições. Outros hobbies, como cinema, ficaram para trás.
Ele reduziu os canais de TV por assinatura, as idas da faxineira, mudou o plano de saúde da mãe para um mais em conta e adiou a troca do carro. “Cancelei por causa da incerteza.”
'Diminuímos o número de banhos por dia'
A família de Magda Maria Barbosa de Alencar, de 53 anos, é grande. Ela, o marido, a filha, o irmão e uma sobrinha moram juntos. Com a pandemia, ela foi afastada da creche em que trabalhava, mas conseguiu manter o salário. O marido, que é garçom, ficou sem trabalho. A filha e a sobrinha continuaram trabalhando a distância e o irmão, que bancava a maior parte das despesas, fechou a empresa. Resultado: a renda familiar despencou.
Magda tirou coisas supérfluas da lista de compras e cortou em 80% o consumo de carne. Para economizar na conta de água, eles foram além:“Tomávamos vários banhos por dia, tivemos de diminuir”.
Antes da pandemia, a família saía para comer fora. “Agora, jamais.” As viagens para visitar os parentes em Fortaleza (CE) estão fora de cogitação.
‘Estou mais consciente nas compras'
Como milhares de brasileiros, o advogado Riccardo Marcori Varalli, de 42 anos, transferiu o escritório para casa e descobriu que pode fazer muita coisa por conta própria. Ele passou a cozinhar, reduzindo gastos com restaurante. “Não é necessário comer fora três vezes por semana, sendo que posso fazer em casa.”
Em home office, também passou a gastar menos com roupas. Ele costumava usar traje social para ir ao escritório. Agora, faz tempo que não compra itens de vestuário. “Na pandemia comecei a ficar mais consciente do tanto de coisas supérfluas que comprava.”
Varalli pretende continuar economizando. Ida a restaurantes, shoppings e grandes viagens estão suspensos. Com a renda 20% menor, ele pretende gastar com itens essenciais, como alimentos.
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