terça-feira, 14 de julho de 2020

Alvaro Costa e Silva Crivella, um negacionista mascarado, FSP

Obediente a Bolsonaro, de cujo apoio precisa para reeleger-se, prefeito do Rio abriu quase tudo na cidade

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Como tem feito desde que assumiu o cargo, o prefeito Marcelo Crivella aproveitou a pandemia para dar prosseguimento ao projeto de descuidar da população e de servir a outros interesses. Ele faz tudo o que seu mestre mandar. Só mudou quem diretamente está dando as ordens no momento. O líder neopentecostal Edir Macedo, tio de Crivella, recolheu-se à sombra, para que Bolsonaro assuma o primeiro plano.

Para que a vassalagem ficasse completa, ficou faltando apenas que Crivella apresentasse um atestado de que contraiu a Covid-19 e corresse para se automedicar com cloroquina. Mas ele, obediente subalterno do esquema, age disfarçado. Usa máscara e se esforça para passar a impressão de combate à doença.

Clientes bebem em bar em Copacabana no primeiro dia de reabertura de restaurantes e academias no Rio de Janeiro - Sergio Moraes - 2.jul.2020/Reuters

No entanto, sua prática é negacionista: abriu quase tudo na cidade, mesmo diante das evidências de que o coronavírus não desapareceu —muito pelo contrário. Sem ter como fiscalizar o cumprimento de protocolos sanitários (que apelidou de “regras de ouro”, como se fosse uma gincana), o prefeito decretou a avacalhação que está em curso.

Com a popularidade em baixa e tentando um segundo mandato, transformou a entrega de tomógrafos e respiradores em atos de campanha. Ainda criou um cartão de auxílio-merenda para alunos da rede pública, no valor de R$ 50. “Estamos universalizando a alimentação de nossas crianças”, discursou o bispo licenciado da Igreja Universal.

O jeito é esperar as eleições de novembro para saber como andará a força do bolsonarismo no Rio.

Os pescadores do Posto 6, em Copacabana, têm notado uma movimentação estranha em torno da estátua de Dorival Caymmi. Temem a sua demolição durante a madrugada. O ato seria uma reparação estética —não histórica—, livrando o compositor baiano do vexame de ter sido retratado como uma tartaruga ninja.

Ciclista passa pela estátua de Dorival Caymmi, em Copacabana - Rafael Andrade - 22.nov.2011/Folhapress
Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

Cristina Serra Sirkis, o descarbonário, FSP

O escritor, ambientalista e ex-deputado plantou muitas sementes e fez a agenda ambiental avançar

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O escritor, ambientalista e ex-deputado federal Alfredo Sirkis, morto num acidente de carro na semana passada, conta em seu livro mais recente, “Descarbonário”, que só se deu conta da gravidade do aquecimento global ao assistir à palestra de uma líder esquimó, em 2005, no Canadá.

A esquimó relatou que os verões no Ártico estavam mais quentes e as geleiras derretendo como nunca visto. Ao final, ela perguntou à plateia: “O que será das cidades litorâneas de vocês?” Sirkis pensou no Rio de Janeiro e “a ficha caiu”. Ele, que já vinha de longa militância no setor, entendeu a centralidade da “descarbonização” do planeta, ou seja, da redução da emissão de gases que provocam o efeito estufa na atmosfera, sendo o principal deles o dióxido de carbono.

O título do livro é também um trocadilho com o nome de sua obra mais famosa, “Os Carbonários”, de 1980, em que narra seus tempos de combate à ditadura, com a participação no sequestro de dois diplomatas em troca da liberdade de presos políticos. Para Sirkis, esse era um capítulo de sua história encerrado pela Lei da Anistia. Ele a considerava definitiva e, inclusive, discordava das tentativas de revisá-la.

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O escritor, ambientalista e ex-deputado federal Alfredo Sirkis - Pedro Ladeira - 6.set.18/Folhapress

Sua urgência do presente era a defesa da vida no planeta. Em todos os cargos e mandatos que ocupou, buscou interlocução e soluções, no emaranhado de conflitos e interesses que se cruzam nas questões ambientais, e fez a agenda avançar em temas como: reflorestamento urbano, mobilidade, coleta de lixo, saneamento, áreas de proteção.

Uma de suas últimas contribuições, à frente do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, foi um documento alertando sobre as consequências do aquecimento global para o Brasil, se nada for feito. Sirkis enfrentou os dilemas de sua geração com desassombro e generosidade. Uma pessoa assim sempre fará falta. No Brasil atual, deixa um vácuo difícil de ser preenchido. Plantou muitas sementes. Que saibamos cultivá-las, enquanto é tempo.

Cristina Serra

Cristina Serra é jornalista.

Hélio Schwartsman Uma questão de honra, FSP

Distinção originária na colonização ajuda a explicar nova fase da epidemia de Covid-19 nos EUA

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Os EUA, ao contrário do que se possa pensar, são um país culturalmente diverso, e marcas dessa variedade se refletem em uma série de estatísticas. Há, por exemplo, estados com índices de homicídios baixos como os europeus, e outros com um perfil bem mais próximo do de países da América Latina.

Nos anos 90, os psicólogos Richard Nisbett e Dov Cohen ensaiaram uma explicação para o fenômeno.
Alguns estados, notadamente do sul e do oeste do país, seriam marcados pela cultura da honra, na qual a reputação de um indivíduo é o seu maior bem e, em certas condições, ele está autorizado a recorrer à violência para mantê-la. Daí uma maior quantidade de assassinatos em brigas de bar, disputas amorosas etc. Outros traços da cultura de honra seriam o individualismo mais exacerbado, o recurso a punições mais rigorosas e maior tendência ao militarismo.

Pessoas passeiam na Ocean Drive, em Miami, na Flórida - Chandam Khanna -26.jun.2020/AFP

Em contrapartida, estados do nordeste e do meio-oeste seriam caracterizados por uma cultura, não exatamente coletivista, mas que põe mais ênfase no respeito à lei e no recurso às instituições para aplicá-la.

Para Nisbett e Cohen, as origens dessa distinção remontam à colonização. Enquanto o norte foi povoado por imigrantes de regiões agrícolas, o sul recebeu descendentes de pastores, que não dependiam tanto de colaborar com seus vizinhos e tendiam a resolver por si sós as dificuldades que aparecessem.

O interessante dessa distinção é que ela ajuda a explicar a nova fase da epidemia de Covid-19 nos EUA, que cresce acentuadamente em estados caracterizados pela cultura da honra, como FlóridaTexasArizona e Tennessee. Os mecanismos de ação seriam a maior resistência em usar máscaras, que já foram acusadas de emascular seus portadores, e a precipitação em reabrir a economia, para que cada um volte a ser senhor de seu destino.

O problema é que vírus, diferentemente de pessoas, não estão nem aí para a honra de ninguém.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".