sábado, 11 de julho de 2020

Reeleita, prefeita de Paris planeja aumentar cerco a carros e criar 'cidade de 15 minutos', FSP

Socialista ganhou aval nas urnas para seguir com medidas que privilegiam pedestres e ciclistas

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SÃO PAULO

Uma cidade em que os carros freiem e os pedestres e bicicletas possam ir na velocidade que quiserem, sob a sombra de muitas árvores. Com planos como esses, a socialista Anne Hidalgo, 61, conquistou no fim de junho mais seis anos à frente da prefeitura de Paris.

No cargo desde 2014, Hidalgo ampliou as ciclovias, que hoje formam uma rede de cerca de 1.000 km e permitem atravessar a cidade, intercalando trechos na margem do rio Sena, faixas em avenidas largas e percursos em ruas estreitas.

A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, durante reunião na sede da prefeitura - Bertrand Guay - 3.jul.2020/AFP

Ela facilitou o acesso a bicicletas elétricas: Paris tem uma rede de empréstimos, que cobra 40 euros mensais (cerca de R$ 241). O governo também oferece vales, de até 400 euros (R$ 2.412), para que parisienses possam comprar um modelo do tipo, que geralmente custa mais de mil euros (R$ 6.031).

A rede de ciclovias se mostrou muito útil durante a greve dos transportes, em dezembro, contra a reforma da Previdência do presidente Emmanuel Macron. Sem metrô e ônibus, muitos parisienses passaram a pedalar até o trabalho.

As pistas para bikes também foram bastante usadas em meio à pandemia de coronavírus. A cidade criou mais faixas temporárias, que deverão ser efetivadas.

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Hidalgo quer mais e promete tornar todas as ruas da cidade aptas para receber bicicletas. Para abrir espaço, planeja retirar 72% das vagas de estacionamento de carros nas vias públicas. Fala também em reduzir a velocidade dos automóveis, inclusive em vias expressas.

O plano é trocar ruas engarrafadas por uma “cidade de quarto de hora”: modelo em que os parisienses tenham tudo o que precisam —mercados, serviços, parques, lazer— a até 15 minutos de caminhada ou pedalada.

Com isso, seriam criadas áreas fechadas ao trânsito, para serem aproveitadas pelos moradores dos quarteirões próximos. Nelas, haveria bancos, brinquedos para crianças, áreas de sombra, bebedouros e outras estruturas, inicialmente temporárias. A prefeitura debate com os moradores o que manter e o que mudar, até chegar ao desenho definitivo. É o chamado urbanismo tático.

Hidalgo também quer aumentar o poder do Navigo, o bilhete único parisiense: além dos transportes públicos e das bicicletas, planeja usá-lo para liberar automóveis compartilhados e vagas de estacionamento, de modo a aproximar os motoristas de outros meios de transporte.

Em seu primeiro mandato, ela estudou dar tarifa grátis nos ônibus e no metrô para todos, mas desistiu após um estudo mostrar que isso reduziria o uso do carro em menos de 5%. Então, resolveu dar passe livre apenas a crianças, e desconto de 50% para estudantes com mais de 12 anos.

Seu plano também promete mais policiamento nas ruas, para proteger as mulheres à noite, e fiscalização reforçada contra o barulho, inclusive de veículos. Uma única moto com escapamento aberto é capaz de perturbar o sono de 11 mil parisienses ao percorrer um trajeto de 6 km na madrugada, estima o governo parisiense.

Além de reduzir o uso dos automóveis —e assim a poluição—, Hidalgo tem outros planos ambientais, como banir os plásticos de uso único, reintroduzir espécies, inclusive sapos, no ecossistema urbano e servir alimentos orgânicos nas escolas públicas.

Eleita com apoio de ambientalistas, a prefeita é filiada ao Partido Socialista e tem ligação familiar com a esquerda. Seu avô, socialista, foi condenado à prisão perpétua após a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).

Ela nasceu na Andaluzia, no sul da Espanha, filha de um eletricista e de uma costureira, em 1959. Quando tinha dois anos, seus pais emigraram para Lyon, em busca de uma vida melhor.

Hidalgo obteve a cidadania francesa aos 14 e mais tarde se formou em direito. Começou a carreira pública como inspetora trabalhista, nos anos 1980, e foi galgando cargos até chegar ao comando nacional. Foi assessora no governo de Lionel Jospin, a partir de 1997.

Em 2001, teve boa votação nas eleições locais em Paris e foi nomeada vice-prefeita. Ela ocupou outros cargos locais nos anos seguintes, até conquistar a prefeitura, em 2014.

No começo do mandato, teve de lidar com os ataques terroristas ao jornal Charlie Hebdo e à casa de shows Bataclan, ambos em 2015. Ao mesmo tempo, deu início a uma agenda de mudanças viárias.

As obras de readequação pela cidade geraram críticas de motoristas. Uma associação deles divulgou o telefone do gabinete da prefeita e estimulou os incomodados a ligarem de modo incessante.

Houve critícas também de que a redução do espaço para os carros —em parte por causa das obras— levou a mais congestionamentos e poluição. Em 2014, houve cinco dias em que a taxa de ozônio no ar ficou acima do recomendado. Em 2018, foram ao menos 15 dias.

Por outro lado, a cidade teve recordes de calor: no verão passado, chegou a 42ºC, em um sinal forte de como as mudanças climáticas já afetam a vida das pessoas.

A oposição acusa Hidalgo de fazer experimentos na cidade apenas para agradar à classe média ambientalista, sem considerar os mais pobres. Muitos deles dirigem diariamente entre Paris e suas periferias, para ir trabalhar.

A prefeita planeja banir veículos mais antigos e poluentes da cidade nos próximos anos. Por serem mais baratos, sua retirada pode afetar a circulação de pessoas com menos dinheiro.

Ela, porém, promete criar uma cidade mais inclusiva. Sua gestão aumentou o número de moradias populares e busca formas de conter a alta de preços trazida pelo modelo AirBnb, em que donos de imóveis ganham mais ao alugar para turistas do que para residentes.

“Paris não pode ser uma cidade só para vencedores”, disse ela ao New York Times. “O papel dos políticos é regular e impedir isso.”

Para Fernando Túlio, presidente do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), a vitória de Hidalgo mostra uma mudança de rumo na condução das metrópoles, com gestores mais preocupados com a qualidade de vida das cidades.

“Nos anos 1980 e 1990, houve uma onda de governos com foco em atrair investimentos estrangeiros e empresas, na esperança de que o crescimento econômico viesse junto. Isso levou à construção de bairros empresariais, como a região da Faria Lima, que são praticamente iguais, independentemente do país em que estejam”, avalia.

“Mas os resultados foram frustrantes. Não houve uma democratização das cidades”, critica, citando as desigualdades sociais que seguem presentes.

A reeleição da prefeita de Paris com apoio dos verdes mostra também a proximidade entre esquerda e ambientalismo, que vai ganhando força como alternativa à direita, que tem atacado a preservação da natureza, por vê-la como entrave econômico, em muitos países.

Hidalgo também atua no cenário internacional, com trocas de experiências com outros prefeitos que implantam políticas similiares. Fernando Haddad (PT) a conheceu durante seu mandato como prefeito de São Paulo (2013-2016) e a considera uma pessoa bastante acessível.

Em março, ela entregou ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o título de cidadão honorário de Paris, como homenagem por suas ações para reduzir a pobreza.

"Esse novo urbanismo, de cidades para pessoas, também tem sido abraçado por prefeitos mais conservadores", diz Haddad. "Hoje, no mundo, a preocupação ambiental não é mais uma coisa restrita às florestas. Mas perdemos essa pauta no Brasil.”

Hildago tem mandato até 2026. Em 2022, haverá eleições presidenciais, às quais ela disse que não pretende concorrer.

Em 2024, Paris receberá os Jogos Olímpicos. Turistas, atletas e a imprensa estrangeira estarão lá para contar se a cidade de 15 minutos terá se tornado realidade ou se não a viram por terem ficado presos no trânsito.

Fernando Haddad O Fundeb e o Sistema S, FSP

Passou da hora de salvar o Sistema S da política de destruição de Guedes

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Sem dúvida, o Fundeb (2006-2020) é a maior realização do governo Lula na área da educação básica.

Em relação ao Fundef (1996-2006), sua inspiração, o Fundeb trouxe vantagens: 1) inclusão das matrículas da educação infantil e do ensino médio, ampliando o alcance do fundo, antes restrito ao ensino fundamental; 2) aporte de recursos da União equivalente a 10% da soma de recursos de todos os entes federados (Estados e municípios), contra 1% do fundo anterior.

O Fundef não apenas não envolveu dinheiro novo como também, por deficiência técnica de desenho, gerou um esqueleto da ordem de R$ 150 bilhões de dívida da União para com os estados.

Os resultados do Fundeb são palpáveis: 1) as matrículas em educação infantil, particularmente na creche, aumentaram (de 15%, em 2003, para 35%); 2) a qualidade do ensino fundamental melhorou consideravelmente; 3) foi criado um piso nacional do magistério, hoje em R$ 2.886,24.

O Ideb (indicador de qualidade) do ensino fundamental 1 subiu de 3,8 para 5,8 (117% da meta), e o do fundamental 2, de 3,5 para 4,7 (80% da meta). Já o ensino médio inspira preocupação: o Ideb subiu de 3,4 para 3,8 (31% da meta). Essa evolução prejudica nosso desempenho nas avaliações internacionais (Pisa), ainda que o Brasil, de 2003 a 2012, tenha sido dos países que mais avançaram.

A estagnação, desde então, tem muito a ver —como argumentei no texto "Pisa", em 7/12— com o desempenho dos estados brasileiros "ricos", que demonstraram baixa capacidade de gestão, frente aos estados que receberam recursos do Fundeb, mas, ainda assim, investiram por aluno menos do que a média nacional. Como explicar que PE e CE tenham resultados melhores que SP e MG, respectivamente?

Desde que saímos do patamar de indigência orçamentária a que a educação foi submetida por todo século 20, temos um caminho a percorrer que vai exigir mais técnica e ciência aplicadas à educação.

Para além de um Fundeb aprimorado, penso que o Congresso deveria se debruçar sobre uma proposta que fizemos em 2008 e que só realizamos parcialmente, na única reforma do sistema S feita nos seus quase 80 anos de existência.

Sugerimos que os recursos do sistema S garantam educação profissional gratuita, no contraturno, para todos os alunos do ensino médio público, na perspectiva do ensino integral. Conseguimos garantir a gratuidade, mas não o foco no ensino médio, que aproximaria nosso sistema educacional dos melhores modelos do mundo.

Está mais do que na hora de salvar o Sistema S da política de destruição de Guedes e da visão anacrônica de muitos de seus administradores.

Fernando Haddad

Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.